Relatos de uma Cuidadora Sanduiche

Publicado em Cuidado e Autocuidado

Ana Castro, Cosette Castro & Convidada

Brasília – Esta semana nossa convidada é a geriatra Marina Lobo, que trabalha em Goiás.

A Dra. Marina conta sobre a importância do ciclo de nove meses em sua vida. Meses que estimulam o ciclo da vida e  podem incluir o estágio final, a morte. Ela também escreve sobre sua experiência como cuidadora sanduíche, nome dado às pessoas que cuidam dos filhos e dos pais ao mesmo tempo.

Marina Lobo – “Gostaria contar um pouco da minha história como mulher, filha e profissional da Geriatria.
Espero que essa história possa animar outras pessoas a trilhar uma jornada de autoconhecimento e busca da sua própria essência.
Me formei em Medicina em 2001, fiz Clinica Médica em 2003 e depois Geriatria no Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, a serviço do Dr. Matteus Papaleo Netto, em 2005.
Ele já não estava tão a frente, envolto com os cuidados com sua esposa. Era naquele momento um cuidador familiar, ele que sempre foi um exímio defensor dos cuidados e da Gerontologia.
Me casei aos 38 anos e tive minha maior alegria, 9 meses depois, com a chegada da minha filha Lara.
Vida e morte são duas faces de uma mesma moeda. Cerca de 1 ano depois ajudei a fazer o pior diagnóstico da minha vida: um câncer de cérebro na minha mãe, aos 63 anos.
Foram 9 meses até que nosso esteio partisse.
Em nenhum momento ouvimos o termo cuidados paliativos. Foi com imensa dor que tivemos que frear a equipe médica para que ela pudesse seguir na nova jornada.
Dois anos depois, no auge da pandemia, meu pai, aos 74 anos, teve experiências de quase morte contaminado pela Covid -19.
Esteve por 2 meses na UTI de um hospital privado, em que também tivemos contratempos de comunicação importantes com a equipe médica.
Ele sobreviveu com sequelas gravíssimas, além de uma úlcera por pressão sacral que levou 9 meses para fechar. Hoje ele é frágil como alguém com doenças crônicas importantes aos 90 anos.
Ao escrever para o Blog me dou conta da importância dos 9 meses em minha vida. Durante essas situações estive, e muitas vezes ainda estou, na posição de cuidadora sanduíche, termo que aprendi só ano passado.
Fiquei feliz por alguém ter dado um nome para esse cuidado duplicado. Uma posição sufocante e invisível.
Mesmo com uma base gerontológica forte, fui trabalhar na Geriatria banhada em doenças e terapias medicamentosas durante muitos anos. Pensar apenas na doença sempre me incomodou.
Há menos de 1 ano, por volta de 9 meses, reavaliei estas experiências e decidi trilhar outros caminhos profissionais em busca da saúde.
Fui em busca das outras quase 80% de pessoas idosas saudáveis, em processo de envelhecimento.
Voltei a atenção para filhas e filhos que cuidam familiares, em especial aqueles com síndromes demenciais. Muitas vezes são cuidadoras sanduiches que estão em franco sofrimento e adoecimento.
O que fazer por essas pessoas, que estão caminhando para o envelhecimento ou já estão nele e estão adoecendo? O que fazer por mim?
Neste processo, em 2022 estive na Expo Longevidade em São Paulo e a experiência foi um divisor de águas.
Conheci o Dr. Alexandre Kalache e nos emocionamos juntos nos questionando onde estavam os Geriatras que não ali naquele espaço. Isso inundou minha alma.
Estou em transição de carreira, conhecendo pessoas fantásticas  e grupos como o Grupo 60+ das Mulheres do Brasil e o Coletivo Filhas da Mãe.
Me abasteço desse feminino intenso e guerreiro da sociedade civil. São grupos que lutam por um Brasil melhor, mais longevo e mais saudável.
Nestes grupos me sinto nadando livremente nas águas do cuidado, da sabedoria, do amor. E é disso o que precisamos: mais cuidado, mais sabedoria e muito mais amor!
Só tenho a agradecer a essas mulheres e me colocar à disposição para construirmos uma sociedade do envelhecimento saudável.
Também gostaria de encorajar outros colegas a olharem mais para a saúde, para as pessoas e para a sociedade! Esta é a essência do cuidado e do autocuidado. Sou só gratidão!”

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, também acreditamos que é possível desenvolver uma cultura do cuidado e uma sociedade do envelhecimento saudável e ativo.

2 thoughts on “Relatos de uma Cuidadora Sanduiche

  1. Muitos cuidadores, familiares ou formais, parecem ser invisíveis. Importante depoimento. E tem outra questão: “quem vai cuidar, para que você se cuide”? Precisamos falar mais sobre isso.

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