Ninguém Solta Mão de Ninguém

Publicado em Alzheimer

Ana Castro, Cosette Castro & Convidada

Brasília –  Seguimos a comemoração de 3 anos do Coletivo Filhas da Mãe apresentando o texto de mais uma  parceira. Hoje nossa convidada é Miriam Morata, cujas páginas no Facebook têm cerca de 50 mil seguidores.

Autora dos livros  “Alzheimer, Diário do Esquecimento”, “Alzheimer, Recolhendo os Pedaços” e “Alzheimer, Assombro e Cura do Cuidador”, Miriam Morata encanta com seus textos e jeito divertido de ser. Neles, relata os desafios que enfrentou ao cuidar dos pais com Alzheimer. Como no artigo a seguir.

Miriam Morata –  “Ele sempre andou na minha frente e eu o seguia, com misto de orgulho e medo de não conseguir acompanhar seu passo. Ele nunca me dava a mão, mas olhava para trás o tempo todo, para  se certificar que eu continuava por perto, acompanhando seus passos. No meu tempo e do meu jeito.

Isso me ensinou que, às vezes, não precisamos segurar a mão, para nos sentirmos seguros. Basta uma rápida parada e um olhar em nossa direção, para termos certeza que não estamos sozinhos.

Um dia o Alzheimer, desrespeitosamente, invadiu o nosso mundo. Ele diminui os passos e eu também. Aos poucos comecei a caminhar na frente e quando olhei para trás, ele estava parado, me olhando sem entender nada. Sem saber quem era aquela mulher que, desesperadamente, tentava fazê-lo caminhar ao seu lado.

Então eu entendi que não haveria mais o olhar, ou a rápida parada para que ele se certificasse que eu ainda estava lá. Agora eu estava sozinha e ao lado dele tentando caminhar junto. Nunca saberei se por mim ou por ele.

Aos poucos ele parou de andar, falar, olhar e ver. Seus olhos não me alcançavam mais e eu experimentei a solidão mais assustadora e visceral que um humano conseguiria imaginar. Meu pai não estava mais lá. Os olhos vazios me olhavam e não me viam.

Ele foi saindo do meu mundo e eu continuei correndo atrás dele, batendo em todas as portas implorando para que me deixasse entrar. Pelo menos na varanda desse universo estranho e desprovido de histórias, fotografias, cumplicidade…

Nesse novo mundo recheado de palavras inventadas, frases desconexas, delírios, medos, ele fechou todas as portas e não deixou sequer uma fresta para que eu pudesse acompanhar esse homem que, um dia, foi a estrela do meu espetáculo.

Quando a solidão começou a sufocar, eu entendi que precisava de um gesto humano ou qualquer coisa que me acolhesse. Ansiava por uma palavra que desse significado para essa loucura e me ajudasse a compreender um pouco sobre a fragilidade humana. Alguém que me ajudasse a soltar minhas certezas “absolutas e cristalizadas”. Um amigo ou um estranho que desacelerasse o passo e olhasse para trás, só para  se certificar que ainda estou caminhando.

Eu precisava desesperadamente de alguém que me estendesse a mão e me lembrasse que sou humana. E isso é muito pouco para compreender ou mudar a história de alguém amado.

Muito mais do que o medo, o esgotamento físico e mental ou o luto antecipado, a solidão sufoca e mata um pouco a cada dia, a cuidadora e o  cuidador familiar.

Não importa se quem estende a mão é alguém amado ou um estranho que também busca respostas, um gesto ou qualquer coisa que nos acolha. Se eu puder dar apenas um conselho para a cuidadora e o cuidador familiar é: não fique sozinho, somos muitos e precisamos uns dos outros para suportar esse triste e assustador pedaço da nossa história.

Procure grupos, vizinhos, gente que aceite o desafio de estender a mão em sua direção e depois, aceite o desafio de, humildemente, segurar essa mão.”

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe seguimos acolhendo cuidadoras familiares. Sim, no feminino, pois somos a maioria das pessoas que cuidam no Brasil, sejam familiares ou profissionais.  E já estamos planejando campanhas para estimular que os homens saiam do lugar de “ajudantes”, para cuidar lado a lado, de mãos dadas.

PS1:  Na terça-feira, dia 27, vai ao ar o último programa Terceiras Intenções de 2022. A convidada é a Maria Cristina Hoffmann, psicóloga e especialista em envelhecimento. Para assistir, acesse aqui.

PS2: Se você é seguidora/o da Miriam  e ainda não conhece o Coletivo Filhas da Mãe, acompanhe nossas redes sociais digitais  Estamos no Facebook e no YouTube (Filhas da Mãe Coletivo), no Instagram (@blocofilhasdamãe) e  temos 2 grupos no WhatsApp.

PS3: Acabamos de lançar o livro “Filhas da Mãe Com Muito Orgulho, Apesar da Pandemia e das Demências”. Você pode comprar seu exemplar em todo país no site da Portal Editora (link aqui) e em Brasília diretamente na livraria Sebinho (406 Norte).

2 thoughts on “Ninguém Solta Mão de Ninguém

  1. Cheguei aos EUA acompanhando meu ex-marido, depois de 9 anos nos separamos, na separação renunciei a tudo o que era nosso, orgulho ou raiva não sei …. fui traída. Abri minha própria impressa com muito sacrifício e trabalho cheguei aonde queria.
    Numa manhã uma grande amiga/irmã me telefonou e perguntou se podia trazer Mamãe na volta de sua viagem a Salvador, ela sempre amou muito nossa Rainha, pois foi assim que ela voltou mais uma vez ao
    Meu lado só que desta vez seria para ficar. Fui obrigada a vender a empresa porque Mamãe saia para andar ao redor do bairro e se perdia, policiais me traziam ela devolva a casa, comecei a assustar e vi que já escapada de minha mão o controle. Ter uma cuidadora que falasse Português seria praticamente impossível e sem dizer o valor hora que pediam, pensei
    Muito e ninguém cuidaria dela melhor que eu. Minha vida mudou 360 graus comecei a viver somente para ela, larguei TUDO, foi muito difícil achei que ia enlouquecer a solução que encontrei foi entrar de cabeça na yoga a qual prático a quase 30 anos, me ajudou tremendamente. Hoje após 5 anos, agradeço a todas mudanças, meu Amor
    por ela e respeito e imenso continuarei entregando todos meus momentos até seu retorno à casa. Ela nos dedicou um Amor Incondicional desde que nascemos pois agora e merecedora de tudo que recebe 🌻

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