Porque as Demências Precisam Estar na Agenda  Pública

Publicado em cuidado

Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Embora estejam aparecendo mais na mídia, particularmente em datas específicas,  temas como o envelhecimento e o aumento das demências ainda não geram engajamento nem likes nas redes sociais digitais. Tampouco entraram  na agenda pública.

Se olharmos para trás vemos que doenças como o câncer e a AIDS percorreram caminhos similares. Saíram da invisibilidade porque tiveram grupos ativos que atuaram bravamente por políticas públicas de apoio aos pacientes, por acesso a medicação, etc.

Foi um caminho longo e árduo. Mas hoje essa militância e atuação junto aos núcleos de decisões não é mais (tão)  necessária. Existem políticas públicas implementadas, mesmo que o orçamento da saúde esteja despencando desde 2019.

Grupos de apoio de cunho comunitário,  como os Grupos de Apoio e Prevenção à AIDS (GAPA) espalhados por todo o país no final dos anos 1980,  tornaram o Brasil referência internacional na prevenção, diagnóstico e tratamento da doença.

Ainda assim, milhares de pessoas morreram até que o preconceito fosse vencido e políticas públicas eficazes fossem adotadas e implementadas.

No caso das demências, entre elas o Alzheimer,  ainda há um longo caminho a percorrer.

Embora  haja uma estimativa de 2 milhões de casos de Alzheimer diagnosticados  no país, o governo federal e o Congresso agem como se a  doença não existisse.

Mesmo que a Associação Internacional de Alzheimer declare que a cada 03 segundos uma pessoa no mundo seja diagnosticada com a doença, presente em 75% dos casos de demências.

Mesmo que a mesma Associação Internacional informe que  68% dos casos existentes no mundo ocorram em países como o Brasil, com grande fragilidade econômica e social. Um país cujo governo está desmontando cotidianamente o maior sistema público de saúde do mundo, o SUS.

Ainda assim, o tema das demências não está presente na agenda pública. Nem sequer o tema do envelhecimento.

Quanto ao envelhecimento, boa parte das pessoas que têm condições econômicas prefere acreditar nas soluções mágicas e duvidosas das cirurgias estéticas. E  nos procedimentos (temporários) que disfarçam a idade.

Como se as marcas da vida fossem vergonhosas e tivessem de ser escondidas todos os dias em uma contínua apologia à juventude.

A negação do  próprio corpo,  a compulsão por um ideal que rejeita diferenças e singularidades  tornou o Brasil o país campeão das cirurgias estéticas.

Enquanto isso, o  Brasil tem  mais de 37,7 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, segundo o IBGE. Boa parte delas estão  longe de serem  ativas e saudáveis, dada a precariedade econômica e social em que vivem.

Faltam campanhas públicas sobre saúde e envelhecimento.  Falta alimentação saudável. Falta estímulo  à prática de exercícios. Falta acompanhamento médico.

A lista  segue. Falta orçamento para comprar medicações cada vez mais caras.  Faltam produtos e serviços acessíveis. Faltam cidades  inclusivas.

E, principalmente,  faltam políticas públicas de prevenção, diagnóstico e tratamento para  doenças como as demências, uma pandemia silenciosa que não para de crescer no Brasil e no mundo.

Isso ocorre ainda que a idade média dos ministros de Estado esteja acima dos 60  e  que o Presidente da República tenha 66 anos. Legalmente  são pessoas idosas, mesmo que, ao se olharem no espelho,  não se reconheçam assim.

No caso das demências, há um agravante.

Não se trata de um problema que diz respeito apenas aos pacientes, pois adoecem física e emocionalmente cuidadoras e outros  famíliares envolvidos  na atividade de cuidado.

Em um cálculo por baixo, há pelo menos 6 milhões de pessoas adoecidas  ou em processo de adoecimento no país, sem falar nas consequências para crianças e adolescentes.

No que diz respeito aos grupos de apoio, eles existem e trabalham muito. Em geral,  os grupos e coletivos carecem de apoio financeiro para se estruturar e atuar em tantas frentes.

Frentes que incluem a oferta contínua de informações sobre as demências ou a formação de cuidadoras familiares. O cuidado e apoio de quem cuida. A oferta de atividades culturais e lúdicas. O estímulo ao autocuidado. Ou políticas públicas, como é o caso da Lei 6926/2021, recentemente aprovada no Distrito Federal, a espera de implementação.

Na maioria dos casos, esse trabalho, também invisível, é realizado por cuidadoras  ou profissionais voluntários que dividem seu tempo entre a profissão e o apoio às cuidadoras e seus familiares.

Como as demências,  trata-se de uma atividade que não gera engajamento nem likes nas redes sociais digitais. Nem entra na pauta cotidiana da mídia, com repercussão restrita os grupos engajados, que dialogam entre si.

Até quando seremos invisíveis?

PS: Sobre o preconceito de idade, o  Fantástico lançou  neste domingo um novo quadro em que fala sobre etarismo.Veja aqui.

 

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