Nas entrelinhas: Lula e Biden farão pacto em defesa do trabalho

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Presidentes pretendem lançar um documento conjunto sobre as novas relações entre patrões e empregados. Assunto foi tratado como prioridade pelo Itamaraty e pelo governo de Washington

Apesar das divergências profundas sobre a paz na Ucrânia, que será objeto da conversa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Volodymir Zelensky, em Nova York, o presidente Joe Biden pretende lançar, amanhã, um documento conjunto com Lula sobre as novas relações do trabalho: “Coalizão Global pelo Trabalho”. O Partido Democrata, como o PT, tem fortes ligações com os sindicatos, que foram esvaziados com as novas formas de produção e trabalho. Em campanha pela reeleição, Biden tenta evitar que desempregados e trabalhadores de aplicativos votem no ex-presidente Donald Trump.

Essa será a primeira grande reação dos Estados Unidos aliada a um país em desenvolvimento contra a desregulamentação do trabalho na chamada nova economia digital, principalmente quanto às relações entre os aplicativos e seus prestadores de serviços. No documento, Lula e Biden defenderão a liberdade sindical, as garantias aos trabalhadores por aplicativo, entre outras medidas.

“Destacarão o papel central e crítico que os trabalhadores desempenham na construção de um país sustentável e democrático, um mundo equitativo e pacífico”, disse o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan.

O assunto foi tratado como prioridade pelo Itamaraty e o governo de Washington. Desde o ano passado, o Departamento do Trabalho norte-americano elabora uma nova legislação. Hoje, empregados podem custar às empresas até 30% mais do que trabalhadores independentes nos EUA. Milhões de norte-americanos trabalham em empregos temporários e essa mão de obra mais barata se tornou a base de alguns modelos de negócios de transporte, saúde e outros.

Biden quer substituir um regulamento do governo Trump que diz que trabalhadores que possuem seus próprios negócios ou têm a capacidade de trabalhar para empresas concorrentes, como um motorista que trabalha para Uber e Lyft, podem ser tratados como terceiros. Os sindicatos controlados pelos democratas querem que os trabalhadores sejam considerados empregados de uma empresa, com direito a mais benefícios e proteções legais, quando forem “dependentes economicamente” da empresa. Mais de um terço dos trabalhadores dos EUA, ou quase 60 milhões de pessoas, realizaram algum tipo de função freelance.

O assunto é uma prioridade para o Partido Democrata. Tanto que o ex-presidente Barack Obama é o narrador de uma série documental intitulada Trabalho (Netflix), na qual visita pessoas comuns em suas casas e locais de atuação e apresenta uma visão íntima de suas vidas profissionais. Desde o setor de serviços até os cargos de diretoria nas indústrias de cuidados com a saúde, tecnologia e hospitalidade.

Obama acompanha uma variedade de pessoas em diferentes áreas e posições hierárquicas, ao fazer uma releitura do livro Working, do historiador norte-americano Studs Terkel, lançado em 1974.

Poder de barganha

Vivemos um novo Iluminismo, a sociedade do conhecimento, nos quais os fatores tradicionais de produção — capital, terra e trabalho — deixaram de ser os principais geradores de riqueza e poder na sociedade atual. A economia do conhecimento deslocou o eixo da riqueza e do desenvolvimento de setores industriais tradicionais, intensivos em mão de obra, matéria-prima e capital, para setores cujos produtos, processos e serviços são intensivos em tecnologia e conhecimento.

Na agricultura e na indústria, a competitividade depende da capacidade de transformar informação em conhecimento, e conhecimento em negócios lucrativos. Entretanto, grande contingente de trabalhadores avulsos são mobilizados para que a nova economia funcione, em condições precárias de trabalho.

A evolução da internet criou o ambiente adequado ao rápido desenvolvimento das redes sociais digitais, que são instrumentos de comunicação e formação de laços sociais, mas também grandes mercados consumidores. As redes são um mecanismo de formação de capital social, em escala sem precedentes, decorrente do uso intenso, espontâneo ou não, das redes digitais pelos cidadãos. Capital social é o conjunto de relações sociais que uma pessoa possui e que lhe permite agir e influenciar outras pessoas e instituições.

A discussão sobre a nova economia digital envolve três dimensões: a primeira, é a produção e difusão de conhecimento, que exige um ambiente de liberdade de expressão, no qual os direitos e garantias individuais estejam assegurados; a segunda, é a apropriação desse capital social pelas grandes redes sociais; a terceira, é a chamada precarização do trabalho.

Enquanto as big techs se apropriam e transformam o capital social em capital propriamente dito, altamente concentrado, por meio das redes, os aplicativos exploram a mão de obra barata e sem proteção social dos seus prestadores de serviços.

A propósito, na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais para todos os empregados de uma categoria, ainda que não sejam sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição. A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada em 11/9.

Segundo o relator, ministro Gilmar Mendes, o fim do imposto sindical afetou a principal fonte de custeio das instituições sindicais. “Como resultado, os sindicatos se viram esvaziados, e os trabalhadores, por consequência, perderam acesso a essa instância de deliberação e negociação coletiva”, concluiu o ministro do STF.

Ou seja, sem recursos, os sindicatos perderam poder de barganha.