VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Acreditem: a polarização política, por seu poder dissipador e insidioso da cizânia, uma vez inoculada aos quatro ventos, torna-se impossível regredir. É como o fofoqueiro da aldeia, que, arrependido de suas intrigas, foi se consultar com o sábio local para tentar reverter o mal que tinha causado às pessoas por sua língua cheia de veneno. Ciente de que esse era um caso sem solução, o sábio sugeriu, ao consulente, que pegasse um grande travesseiro de pena de beija-flor e fosse ao mais alto monte do lugar e sacudisse-o durante uma tempestade de vento. Depois de seguir os conselhos do sábio, o fofoqueiro voltou para saber dos resultados de sua penitência. Volte lá, disse-lhe o sábio, e recolha cada uma das penas de beija-flor espalhadas.
Ficasse restrita apenas na esfera política, a polarização extremada faria seus estragos apenas entre os políticos, não trazendo seus malefícios para o mundo exterior. Ocorre que a política, por sua necessidade vital nas relações humanas, permeia toda a vida em redor. Não há um lugar sequer onde os ventos da política não soprem de uma forma ou de outra. A política, uma vez infectada com o veneno da discórdia, produz seus efeitos por toda a parte, não respeitando nem mesmo os laços familiares e as amizades fraternas de longo tempo.
Trata-se de um veneno deletério ao próprio espírito humano. Quantas e quantas vidas não foram ceifadas ao longo da história humana, apenas tendo leit motif à polarização política. A questão a intrigar a todos é saber por que, até hoje, não encontramos antídoto para esse mal, se conhecemos seus efeitos, suas causas e, sobretudo, de onde partem e com que intenção são criados.
Não somos imunes à polarização da mesma maneira que não somos imunes ao mal. Talvez, isso se deva ao fato de que tenhamos, interiormente, o mal instalado dentro de alguma parte de nós. O que talvez sirva de consolo para alguns é que, diante do fato de termos adentrado milhas adentro nessa selva incivilizada, já nos encontramos, todos, igualmente perdidos. Queira o céu que, nessa luta pela sobrevivência, não tenhamos que repetir o que aconteceu na história do voo 571 da Força Aérea Uruguaia, que caiu na Cordilheira dos Andes, em outubro de 1972, com 45 pessoas a bordo, sendo que, dessa tripulação, apenas 16 sobreviveram comendo a carne dos mortos nessa tragédia. Observem que o fenômeno do canibalismo não é desconhecido dos homens, acompanhando-o desde as cavernas.
A polarização política exacerbada, fosse apenas uma espécie de canibalismo circunspecta à classe política, não teríamos queixas maiores. Só que essa fome pelo outro extrapola o ringue das radicalizações, atacando também o entorno com toda a ferocidade. Hoje, são raros, tanto em nossa sociedade, como em outros lugares pelo mundo, infensos ao mal dos extremismos políticos.
O século XXI, que seria o da vitória da tecnologia e da modernidade, tem aliado os avanços da ciência com o que de mais primitivo existe na índole humana. Em nosso tempo, homens têm sido mortos como moscas, por diferenças religiosas, culturais e outras escolhas. À sentença fatalista “está tudo dominado”, junta-se agora à outra: “está tudo polarizado”. Em nosso caso particular, a coisa toda ganha ainda mais dramaticidade quando verificamos qu em nossa aldeia, o sábio que deveríamos consultar para sanar parte de nossas culpas pela cizânia, também já foi contaminado pelos ventos funestos da polarização e, portanto, torna-se impedido de proferir nossas penitências ou absolvição.
A frase que foi pronunciada:
“Nada mais cretino e mais “cretinizante” do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem.”
Nelson Rodrigues.
Leitura
Um deleite correr os olhos pelas linhas do “Lumiar de Lamparina”, um livro de memórias de Luiz Bezerra de Oliveira. Ora sorrindo, ora enxugando as lágrimas, o livro é um exemplo da riqueza de vida de tantas pessoas que atravessaram as maiores privações para alcançar a vitória nos estudos e no trabalho, com os pés no chão.
História de Brasília
A minha terceira atividade é publicidade, mas quando recebo dinheiro dou recibo, o que nem todos fazem na nossa profissão, infelizmente. (Publicada em 27.04.1962)