O avanço da poeira

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: Carlos Fabal/AFP – 25/08/19

 

         Marchamos a passos acelerados, movidos por cega ganância, por um caminho que, inevitavelmente, irá nos conduzir a um novo e vazio Planalto Central. Tomado pela aridez do deserto, esse imenso território, varrido por ventos escaldantes e pela poeira fina, está agora todo coberto com o farrapo branco da morte.

         O horizonte em volta daquela região central do país, que um dia foi o berçário das águas e da vida, está hoje irreconhecível. Assim como a outrora moderna e pujante capital do país, cercada e inviabilizada pelo deserto que avança intrépido por ruas, avenidas e monumentos, cobrindo tudo com o pó fino das areias.

         Entre julho e setembro, o céu se fecha com a cortina espessa e escura das nuvens de poeira, que aos poucos vão soterrando Brasília e o entorno. Tal como um coveiro lança terra sobre os mortos, a natureza, indiferente, vai sepultando tudo em volta, cobrando seu preço por décadas de destruição dos campos do Cerrado.

         Eis aí um vaticínio certo e seguro, que mostra como será, num curto espaço de tempo, o Centro Oeste do Brasil, caso prossigam na mesma rota suicida substituindo a vegetação local por monoculturas transgênicas, implantadas em imensos latifúndios e destinadas à exportação e ao lucro de poucos. O Cerrado, como tem alertado os ecologistas e cientistas do meio ambiente, está agonizando à vista de todos, por conta do agronegócio e da expansão desenfreada da monocultura.

          Somente o setor agropecuário, que coloca o Brasil como o país com o maior rebanho bovino do planeta, já tomou conta de mais de 45% de toda a área do bioma Cerrado. É o lucro feito a qualquer custo e tem sido denunciado aqui, neste mesmo espaço, para a contrariedade daqueles que acreditam ser possível lucrar com a destruição irreversível. O Cerrado, como tem alertado a doutora em Antropologia Social e assessora do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Raisa Pina, está pedindo socorro e exigindo medidas urgentes para conter o desmatamento. Sobretudo agora, às vésperas das eleições gerais, quando esse importante tema deverá ser incluído ou, ao menos, citado entre os diversos programas de governo apresentado pelos candidatos. Por enquanto, esse tema delicado, por se tratar de um setor com grande poder de lobby e com uma expressiva bancada no Congresso, ainda não veio à tona.

         Falar de forma negativa do agrobusiness, quer apresentando verdades incontestes ou elencando seus efeitos deletérios, mesmo em se tratando de um setor superavitário e incensado pelos políticos, desperta paixões e, não raro, termina em confusão e pressões indesejáveis. É, sem dúvidas, um assunto delicado, mas que não deve ser evitado, sob pena de comprometermos, severamente, o futuro das próximas gerações de brasileiros, que irão colher os frutos amargos de ações impensadas e baseadas apenas na ideia de lucro imediato.

          Atrás do processo dinâmico do desmatamento, vem o agronegócio, de olho na expansão insana da produção. Quem, por acaso, duvidar desse processo de destruição acelerada basta verificar o que mostram os números e dados fornecidos pelos cientistas que monitoram esse território.

         Raissa Pina chama a atenção para o fato de que mesmo os chamados desmatamentos legais são irregulares e trazem enormes prejuízos a todo esse Bioma. A controversa política de Estado, baseada no desmatamento em favor do aumento de produção do agronegócio, só faz legalizar uma atividade que vem destruindo, sistematicamente, o Cerrado. Essa história de que o agronegócio preserva não passa de propaganda falsa, feita para iludir consumidores, principalmente na Europa, onde aumentam os embargos a produtos, fruto de destruição do meio ambiente.

         A cada avanço das fronteiras agrícolas e do aumento de produção, sempre anunciados com estardalhaço, aumenta, em maior proporção, a destruição do meio ambiente, a expulsão dos povos autóctones e a decadência da agricultura familiar e da produção de grãos sadios. Para se ter uma ideia do avanço do agronegócio sobre o Bioma Cerrado, apenas entre 2010 e 2020, o Cerrado perdeu mais de 6 milhões de hectares de vegetação nativa, lembra a pesquisadora. Não se trata de uma área qualquer, já que o Cerrado ocupa quase um quarto do território nacional e responde sozinho por mais de 5% de toda a biodiversidade do planeta.

         O desaparecimento desse delicado bioma trará impactos profundos em toda a Terra. Como dizia, com muita propriedade, o pensador austríaco Karl Kraus: “O progresso é o avanço inevitável da poeira”.

 

A frase que foi pronunciada:

“Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado.”

Nicolas Behr

Nicolas Behr. Foto: correiobraziliense.com

 

Emboulos

Uma faixa na igreja universal afirmando apoio, postagem nas redes sociais e milhares de visualizações. O candidato pelo PSOL teve essa ideia para angariar mais eleitores. O caso foi parar no TSE, já que a instituição negou, veementemente, apoio a Boulos. Por muito menos, há candidatos que perderam a chance de concorrer às eleições deste ano. Vamos acompanhar o desenrolar dos fatos.

Imagem: universal.org

 

História de Brasília

Talha logo, perde. Mas crianças do “Gavião” não precisam tomar leite. Um frigorífico não é para ser usado no “Gavião”. E fica o bairro sem leite, depois das nove horas. (Publicada em 10.03.1962)

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