Mundo fake

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Arquivo pessoal: imagem gerada por IA

 

Quão fake e fantasiosos seriam os serviços e produtos oferecidos ao público em geral, sobretudo aqueles que são colocados à venda para uma pequena minoria de pessoas abastadas, para as quais o dinheiro não é problema. É então que a busca por status e por produtos e serviços exclusivos levam esses consumidores privilegiados a se tornarem presas fáceis nas mãos de empresas e empresários gananciosos, que, literalmente, seguem vendendo e ofertando gatos por lebres.

Embalado em finos adereços e dispostos pretensiosamente em cenários chiques, o que não passaria por ser um produto comum e barato, é colocado nessas verdadeiras ratoeiras apenas para fisgar os incautos. Para tanto, mudam o nome do produto, colocando outro mais palatável e, se possível, carregado de francesismo. Dessa forma, o elementar arroz misturado com ovo, prato predileto dos mais pobres dos brasileiros, passa a ser servido com nome exótico de “riz mèlangé avec des oeufs dur ou riz d’ouefs”.

O que os botecos venderiam por R$ 10,00 aos transeuntes, nesse cenário chique, não sairia por menos de R$ 150,00, sem os serviços. A mesma calça jeans, que nas lojas populares não custam mais do que R$ 110,00, são vendidos em lojas de endereços renomados, pela bagatela de R$ 900,00, bastando ao espertalhão mudar apenas a etiqueta da marca. Assim, esse mundo fantasioso e fake, bancado por quem se ilude com o luxo, sobrevive e prospera graças à esperteza de alguns.

Nada é o que parece e o que parece não é nada, apenas uma fantasia desse mundo cada vez mais fake. O que poderia ser um retrato ácido e realista de uma engrenagem que movimenta bilhões, sob o pretexto do “exclusivo”, não passa de enganação. Uma enganação lucrativa e aparentemente dentro da lei. A economia do supérfluo sofisticado gira em torno de uma lógica perversa: não é o valor intrínseco do produto que importa, mas a narrativa construída ao seu redor. Quanto mais rara, inusitada ou instagramável for essa narrativa, maior o valor percebido pelo consumidor de luxo — mesmo que, no fundo, o que esteja sendo comprado seja apenas um produto ordinário com embalagem de fantasia.

A elite consumista, em busca constante de distinção social, torna-se presa fácil dessa armadilha. Muitas vezes, o desejo não é possuir algo de qualidade superior, mas algo que os outros não tenham. Essa lógica de exclusividade empurra consumidores para escolhas irracionais, em que o valor simbólico se sobrepõe ao valor real. Nessa dinâmica, um café coado com grãos comuns pode se transformar em “infusão artesanal de arábica de origem controlada”, custando dez vezes mais. Um prato simples de picadinho de carne servido em pratos de louça importada e regado a discursos vazios de sofisticação com gosto de molho de pacotinho vale uma cesta básica e meia. É o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu chamou de distinção: um mecanismo de diferenciação cultural que serve para demarcar classes sociais. Marcas e empresários se aproveitam disso e atuam como verdadeiros ilusionistas, substituem o conteúdo pela embalagem, o sabor pela aparência, a utilidade pela ostentação.

Mais grave ainda é quando essa lógica ultrapassa o campo dos produtos e entra nos serviços: clínicas estéticas que prometem o impossível, experiências sensoriais supostamente únicas, pacotes de viagens absurdamente caros que oferecem pouco, além de um nome de impacto. Tudo é vendido como “inesquecível”, “personalizado”, “exclusivo”, mas, na prática, é apenas mais do mesmo, embrulhado em papel de presente luxuoso.

Na verdade, o problema não está só na astúcia dos vendedores, mas na credulidade dos compradores, que participam desse jogo voluntariamente e “se achando”. Essa cumplicidade silenciosa alimenta um mercado que vive de aparência, status e desejo, não de substância. Em última análise, esse mundo fake é sustentado por um teatro de vaidades. Um teatro caro, vazio e muitas vezes patético, onde a autenticidade foi substituída por etiquetas, e o bom senso por cifrões.

O luxo verdadeiro — aquele que representa excelência, história, técnica e arte é cada vez mais raro. No lugar dele, proliferam vitrines falsas, promessas ocas e produtos que são, na essência, meros “arroz com ovo” disfarçados de caviar. “Eu, minha alma, enviei para o espaço sem fim para um traço aprender nos destinos do além, minha alma devagar foi retornando a mim e me disse: eu sou o céu e o inferno também.” Registra Omar Khayyam, no livro Rubaiyat. De fato, os homens são o céu e o inferno de si mesmos, e tudo ao mesmo tempo, luxo e lixo, tudo num mesmo produto.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“O valor do homem é determinado, em primeira linha, pelo grau e pelo sentido em que se libertou do seu ego.”

Albert Einstein

Albert Einsten. Foto: Arthur Sasse/Nate D Sanders Auctions/Reprodução

 

História de Brasília:

O nome empregado na maioria dos golpes foi do servidor Barros de Carvalho, e os chantagistas conheciam tanto seus hábitos, que falando pelo telefone para sua residência, recomendavam com insistência para que quando fizessem a mala não esquecessem dos remédios. (Publicada em 06.05.1962)

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