Das páginas para a terra

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada por Ari Cunha (In memoriam)

Desde 1960, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: reprodução/institutoterra.org

 

Das Organizações Não-Governamentais (ONGs) que têm trabalhado para livrar o planeta e sua imensa população de uma destruição que parece cada vez mais iminente, sem dúvida alguma, o Instituto Terra, criado e gerido pelo renomado fotógrafo Sebastião Salgado e sua esposa Lélia, há mais de duas décadas, é um exemplo para o mundo e principalmente para nosso país, acometido pelo flagelo dos desmatamentos e dos megaincêndios contínuos. Depois de ter plantando mais de 2,3 milhões de árvores e, com isso, recuperado mais de 2 mil nascentes no degradado Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, o Instituto Terra dará início agora a uma ampla e audaciosa campanha visando recuperar o Bioma Mata Atlântica.

Trata-se de um desafio e tanto, mas que, em mãos do casal Lélia Deluiz e Sebastião Salgado, tem tudo para ser um sucesso, não só pelo chamamento que esse tipo de iniciativa consegue hoje junto a população mais esclarecida sobre esse assunto, mas, sobretudo, pela necessidade premente de ver semeado no Brasil o processo de restauração florestal. A ideia não é nova no mundo, mas é sempre bem-vinda e necessária em qualquer tempo e lugar por onde tenham passado homens com sua sede permanente por riquezas. Quem, por acaso, tenha lido o livro de Jean Giono (1895-1970), “O homem que plantava árvores”, de 1953, por certo, teve se deparado com a frase: “…os homens poderiam ser tão eficazes como Deus em algo mais que a destruição.” Com isso, o autor quis dizer que os homens poderiam, se assim dispusessem, imitar o Criador, erguendo e cuidando de todas as formas de vida sobre a Terra, e não destruindo e reduzindo a cinzas como faz a morte, ao deixar escombros e aridez por onde passa.

A observação de Jean veio a propósito da incansável atividade de Elzéard Bouffier, o personagem principal, que, durante a maior chacina de nossa história, representada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), continuava, dia após dia, plantando carvalhos numa região agreste dos Baixos Alpes Franceses, já abandonada pela população local, devido o desmatamento secular promovido pelos carvoeiros naquela região. O contraste entre quem cuidava de recuperar a vida da região e o morticínio irracional da Guerra de 14/18 é flagrante e mostra, de forma crua, como os homens podem, ao mesmo tempo, abandonar de lado a vida em sua plenitude e seguir os passos da morte, mesmo sabendo dos resultados dessa opção. O texto, que chegou ao Brasil em forma de desenho animado há poucos anos, sendo posteriormente publicado em livro, parece cada vez mais atual, justamente por mostrar a capacidade do ser humano em mudar o mundo ao seu redor, tanto para o bem quanto para o mal. Nesses tempos em que o nosso planeta experimenta, por meio do fenômeno do aquecimento global, o que talvez seja o seu maior desafio de todos os tempos, e que pode por um fim à existência da própria espécie humana na Terra, nada mais hodierno e premonitório do que as mensagens contidas nesse texto escrito ainda no século passado.

Buscar o exato significado para as árvores, num tempo em que ainda se acredita não existir nenhum, é uma tarefa e um desafio que pode nos colocar hoje entre permanecer por essas paragens ou ter que sair de fininho para outros mundos para não perecer. O desafio gigante que, na obra, é realizado por um só homem durante mais de 30 anos em que plantou naquela região milhões de árvores, pode ser uma das respostas para esse dilema da atualidade. Embora pareça uma tarefa impossível, essa de recuperar o planeta da degradação imposta pelas consequências da Revolução Industrial em sua ânsia por adquirir matérias-primas, o livro mostra que bastou a persistência de apenas um indivíduo para mudar a realidade local. “Um único homem, reduzido a seus recursos físicos e morais, foi capaz de transformar um deserto em uma terra de Canaã”, diz o autor.

O que conhecemos hoje através da palavra muito em moda como resiliência, que é capacidade de resistir e se adaptar às mudanças, tanto pode ser aplicada ao homem como à própria natureza, desde que lhes sejam ofertados a oportunidade. A esse fenômeno, que muitos classificam como um sinal e uma semente da própria vida, é que pode estar a redenção ou não da humanidade. Obviamente que os exemplos a seguir não devem se resumir a uma obra de ficção. Mas pode nela se inspirar para promover as mudanças necessárias e urgentes que o momento exige. Toda grande obra pode ter seu início apenas movida pela inspiração trazida pelos belos exemplos, sejam eles reais ou não. O primeiro passo é o das ideias, dado ainda no mundo abstrato dos projetos mentais. Pode vir a ser realidade concreta, pelo esforço físico, o que é uma mera consequência da capacidade de pensar. Nesse caso pensar num mundo em que a vida seja ainda uma possibilidade real e que valha a pena. Da África, talvez o continente mais economicamente sofrido e espoliado na história da humanidade, vem um dos muitos e bons exemplos que precisamos para nossa salvação futura. Na Etiópia, um dos países mais populosos e pobres daquele continente, o governo empreendeu uma jornada em que, em apenas 12 horas, uma força-tarefa, atuando em mais de mil áreas daquele país, conseguiu a façanha de plantar mais de 350 milhões de árvores. Um recorde mundial. Também a Índia, castigada pelos desflorestamentos, vem empreendendo um grande esforço para recuperar, ao menos, parte de suas florestas. Na última empreitada, 800 mil voluntários plantaram mais de 50 milhões de árvores em 2016 e prossegue plantando. Na China, parte ociosa do que seria o maior exército do planeta tem sido deslocada para a mesma tarefa no norte do país. São mais de 60 mil soldados empenhados nessa tarefa. Os fuzis cedem lugar as ferramentas agrícolas. A intenção do governo é criar uma nova floresta na região de Hebei, numa área de mais de 84 mil quilômetros quadrados. Para todo o País, a meta é atingir uma cobertura de mais de 23% daquele grande continente até o final deste ano.

São esforços pontuais, mas que podem fazer a diferença num futuro não muito distante. Cientistas acreditam que, pelo estágio atual de degradação do planeta, será preciso, ao menos, o plantio de mais de 1,2 trilhão de novas árvores, apenas para arrefecer a Terra e livrá-la dos efeitos maléficos do aquecimento global, que já está atuando entre nós. A situação, que é bem do conhecimento dos técnicos das Nações Unidas, tem estimulado ações dessa Organização, com vistas a um projeto, já em andamento, cuja a meta é plantar 4 bilhões de novas árvores nos próximos anos.

Por todo o mundo, projetos semelhantes estão em andamento, uns ambiciosos e outros mais modestos, mas já são de grande valia em seu conjunto. De todos os projetos de plantio de árvores pelo planeta, nenhum é mais ambicioso do que o vem sendo erguido nas bordas do grande deserto do Saara, também na África. Em nenhum lugar do planeta as mudanças climáticas são mais impactantes do que as que ocorrem nos países margeados por esse grande deserto. O deserto vem aumentando de área num ritmo assustador nos últimos anos. Com ele vem o clima cada vez mais inóspito à vida. Com temperaturas que ficam numa média próxima aos 50 graus centígrados.

Com esse fenômeno, vem também a escassez de água, cada vez mais assustadora e já motivo de conflitos permanentes na região. Financiado pelo Banco Mundial, a União Europeia e as Nações Unidas, projeto unindo vários países locais visa erguer uma gigantesca barreira verde de árvores, que cobrirá uma área de mais de 8 mil quilômetros, atravessando todo o continente africano na parte sul do deserto do Saara, formando uma enorme muralha para conter o avanço da areia. A meta é erguer essa Grande Muralha Verde até 2030, cobrindo com reflorestamento uma área de 247 milhões de acres ou aproximadamente 100 milhões de hectares.

A frase que foi pronunciada:

Vivemos numa época perigosa. O homem domina a natureza antes que tenha aprendido a dominar a si mesmo.”

Francis Bacon (1521- 1626), político, filósofo, cientista, ensaísta inglês.

 

Francis Bacon. Foto: oglobo.globo.com

 

HISTÓRIA DE BRASÍLIA

Felizmente isto aconteceu em Brasília, onde o conserto durará poucos dias. Se fosse outro Estado, até que a equipe de engenheiros discutisse quem tinha a culpa, o povo seria sempre o prejudicado. Aqui, não. Na próxima semana você transitará pelo mesmo local. (Publicado em 27/01/1962)

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