O Lago Paranoá não está para peixe

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Concebido para trazer o conforto ambiental da umidade, criando as condições para a formação de um microclima mais saudável e suportável, o Lago Paranoá é, ao lado do Plano Piloto, concebido por Lucio Costa, a obra mais importante da capital. Sem a presença desse imenso espelho d’água artificial, que levou cinco anos para encher seus 48Km² de área, morar em uma metrópole em pleno Planalto Central do Brasil seria uma tarefa difícil e penosa, dada as condições agrestes da região. Tamanha é sua importância que é possível afirmar que Brasília e o Lago Paranoá formamum único elemento.

Além dessa utilidade, o Lago Paranoá se consolidou, ao longo do tempo, como importante bacia ecológica, abrigando grande variedade de peixes, animais aquáticos e aves diversas. Sua construção foi primeiramente pensada durante a Missão Cruls, em 1896. Atualmente, o Lago Paranoá é considerado a principal área de lazer dos brasilienses. São mais de 10 mil embarcações licenciadas na Capitania dos Portos, ou seja, a terceira frota náutica do país.

Por essas características e importância absoluta para a vida da cidade, não se compreende a razão de o Lago Paranoá ainda não ter uma secretaria de Estado exclusiva e bem equipada, apenas para cuidar desse imenso e delicado patrimônio de todos. Por sua relevância, torna-se inconcebível que as autoridades do GDF insistam em fazer vistas grossas às recorrentes agressões cometidas contra o espelho d’água.

É preciso deixar claro para a sociedade que a situação atual do Lago é crítica, sendo necessária a adoção de medidas emergenciais para deter, de uma vez, as múltiplas formas de poluição e de assoreamento por terras e lixo que atingem a bacia em toda sua extensão. O perigo é se atingir um ponto tal de saturação de poluentes e terra que venha a ser decretada a morte prematura do lago, levando o Paranoá a se transformar numa espécie de Tietê candango, ou seja, um imenso esgoto a céu aberto.

Hoje a contaminação pela proliferação dos micro-organismos nocivos à saúde praticamente já inviabilizou a pesca e as práticas desportivas em boa parte do braço sul do lago. Há riscos sérios à saúde em tomar banho e consumir peixes dessa região. Por enquanto, as providências das autoridades têm se limitado à colocação de placas de aviso, alertando para os riscos de banho e consumo de peixes. É muito pouco. Uma fiscalização séria é importante. Que seja constante e minuciosa para a identificação dos vários focos de poluição. Para os casos comprovados, é necessária a lavratura de pesadas multas contra os agentes poluentes. Antes, porém, é aconselhável um amplo programa de educação da população, e campanhas internas no governo para que as nascentes recebam mais segurança, chamando a atenção para a importância da conservação desse espelho d’água.

A frase que foi pronunciada

“Estamos cercados pelos sete lados!”

Frase predileta do Lauro Morhy, diante de crises, como agora. Fonte: arquivos de Timothy Mulholland

Missiva

» Recebemos do leitor Uirá Lourenço dizendo que ele atua na área de mobilidade urbana e ficou indignado
quando soube da retomada pelo atual governo das obras totalmente retrógradas de ampliação viária na saída Norte da cidade.

Protege

» Uirá Lourenço é um ativista que protege o meio ambiente e tem denunciado o problema em textos, fotos e vídeos. Com a ampliação e os inúmeros túneis e viadutos, a situação só tende a piorar, sem contar a questão ambiental (devastação e assoreamento do lago).

Imagens

» Vamos postar no blog do Ari Cunha o vídeo que teve, na segunda parte, participação especial de crianças que dão uma lição aos gestores sobre a necessária humanização da cidade. Uirá alimenta o seu blogue com histórico, fotos e queixas dos moradores da cidade.

Imobilidade e rodoviarismo no norte do DF

Esperança

» Com a mobilização dos blogues, o leitor espera que os protestos surtam algum efeito e finaliza com o desabafo: “Chega de tantos projetos e tantas obras absurdas, que promovem o caos, não priorizam o transporte coletivo nem melhoram efetivamente a qualidade de vida.”

História de Brasília

Estes são alguns dos problemas que deverão ser enfrentados pelo novo prefeito. São problemas iguais em todas as cidades do mundo, mas há peculiaridades que só quem é de Brasília conhece, e pode indicar uma solução. (Publicado em 17/9/1961)

Muda Brasil, surda Brasil, cega Brasil

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Entre o que deseja a sociedade e o que quer a classe política dominante no Brasil, existe uma distância imensurável e que parece aumentar a cada dia. O fosso que vai se abrindo entre os representantes políticos e os cidadãos, ganhou maior amplitude com as investigações da Operação Lava-Jato.

No Brasil, como em parte do mundo Ocidental, sociedade e elite política vivem não só realidades diferentes, mas em mundos antagônicos. Qualquer pesquisa de opinião demonstra que a classe política é mal avaliada. Pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas, neste ano, mostrou que apenas 5% da população confia nos partidos políticos. Trata-se do mais baixo índice de todos os tempos. A falta de confiança nesse patamar contamina os mecanismos da própria democracia.

Vivemos num labirinto onde, para manter a aparência de Estado democrático de direito, somos obrigados a conviver com leis que não servem para a realidade. Uma lida na Constituição brasileira é uma viagem ao desconhecido. Como acreditar no Brasil quando um juiz aceita receber R$ 600 mil mensais como remuneração?

Com relação à organização política, o que a sociedade anseia é pelo fim dos privilégios, a começar pela prerrogativa de foro. Aqui em Brasília, a população assiste, a cada dia, à sequência ininterrupta de denúncias, envolvendo os deputados distritais nas mais cabeludas transações. A situação chegou a tal ponto que o Tribunal de Justiça do DF determinou o afastamento de toda a Mesa Diretora da Câmara Legislativa, a começar pela própria presidente da Casa. Acéfalo, os distritais tiveram que encontrar, às pressas, novos membros para comandar o Legislativo local, não sem antes se certificar de que os novos ocupantes da Mesa se manteriam fiéis aos colegas defenestrados pela Justiça.

Desde que foi fundada, a CLDF vem brindando a população de Brasília com escândalos de toda a ordem. Não surpreende, pois, que, duas décadas depois de sua criação, a Justiça venha determinar que polícia empreendesse buscas e apreensões dentro do Poder Legislativo, tal e qual é comumente realizado nos covis do crime organizado. É a desmoralização completa. Pior de tudo é a população constatar que as suspeitas da polícia são de que os recursos públicos foram desviados justamente da área de saúde, onde é comum encontrar cidadãos morrendo à míngua nas portas dos hospitais.

É preciso lembrar ainda que um ex-presidente dessa mesma Casa cumpre pena pesada num presídio de Curitiba. Os brasilienses já perceberam que, em termos de representação política, estão sós e entregues à própria sorte. O que parece mais estranho é a coragem de votar em figuras que mais adiante subtraem não só o que poderia estar na carteira, mas a própria dignidade.

A frase que foi pronunciada

“Se, por vezes, o juiz deixar vergar a vara da Justiça, que não seja sob o peso das ofertas, mas sob o da misericórdia.”

Miguel de Cervantes

Tristeza

» Asta Rose Alcade, a dama da ópera de Brasília está hospitalizada. A cidade está triste.

Alegria

» Ex-alunos do Colégio Rosário estão organizando um encontrão no local. Sábado, 10 de dezembro, durante todo o dia.

Release

» Na peça Infinito vazio, o universo feminino é trazido com sua delicadeza que nos ensina a ser mais afetuosos, explicam os diretores Valdeci Moreira e Ricardo César. Esse espetáculo poético-musical já passou por Goiás e Minas, estará em Ceilândia, hoje, e em Samambaia, em 1º e 2 de dezembro. A peça ganhou o Prêmio Sesc de Teatro 2013 e, agora, o projeto é patrocinado pelo FAC/DF, trazendo elenco formado apenas por oito mulheres.

Aposentadoria

» Solange Calmon apresenta o último programa INCLUSÃO transmitido pela TV Senado. Sábado, às 20h, e domingo às 8h e 16h. Com a sensação de missão cumprida, essa profissional da notícia coleciona na bagagem muitos amigos e gratidão profunda de tanta gente que teve espaço para se expresser depois de passar toda uma vida sem ter sido ouvida.

Agora vai

» A verba para o combate ao mosquito da dengue passaram de R$ 924,1 milhões para R$ 1,29 bilhão em 2015. Neste ano, o aporte foi de R$ 580 milhões, chegando a R$ 1,87 bilhão. Além disso, o Ministério da Saúde contou com apoio extra do Congresso Nacional, por meio de emenda parlamentar, no valor de R$ 500 milhões.

Consumidor

» Na lanchonete da escola do Sesc, não é permitido comprar um ou quatro pães de queijo. Só a porção estipulada. Isso pode, Arnaldo?

História de Brasília

Diversões e transportes são outros problemas. A população viver servida por apenas dois cinemas, enquanto a Concha Acústica, um espetáculo de obra, está abandonada, não utilizada. Os ônibus da TCB estão sempre ausentes, sempre que alguém os espera. (Publicado em 17/9/1961)

Comunidade de aprendizagem

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Em 2017, o Paranoá será contemplado com a instalação de uma unidade do Comunidades de Aprendizagem do Brasil.Trata-se de um modelo de escola que utiliza métodos inovadores de ensino, em que jovens e adultos, em interação com a comunidade, aprendem uns pelos outros. O modelo se baseia no conceito de bairro-escola, território educativo e de cidade educadora. De acordo com o Centro de Referências em Educação Integral (EI), o conceito de comunidades de aprendizagem engloba projetos educativos que extrapolam os limites da escola, envolvendo toda a comunidade no processo de formação de seus indivíduos.

O Comunidades de Aprendizagem traz uma proposta de transformação social e cultural que envolve alunos, professores, pais e demais cidadãos locais na construção de um projeto educativo e cultural próprio, para educar a si, suas crianças, seus jovens e adultos. Desenvolvido pela Universidade de Barcelona, na Espanha, em 1995, o modelo veio como tentativa de superar o fracasso do ensino tradicional, com seus baixos índices de aprendizagem e altos índices de evasão escolar. O problema com o modelo tradicional, concebido em séculos passados, é que ele não foi capaz de acompanhar as significativas mudanças que a sociedade passou a experimentar no alvorecer do século 21.

A metodologia, segundo os criadores, tem foco tanto no aspecto instrumental do saber quanto nos laços da comunidade com a escola. Para a pesquisadora do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (Niase) da Universidade de São Carlos, em São Paulo, Roseli de Mello, “as comunidades de aprendizagem são aquelas onde há diversificação de interações e atividades e intensificação dos tempos de aprendizagem”, e o foco está na aprendizagem dos alunos e no envolvimento de familiares e membros da comunidade em um ambiente de diálogo igualitário, no qual todos são responsáveis, todos aprendem e todos ensinam. Em entrevista à jornalista Julia Chaib (20/11, no caderno Brasil), o educador e fundador da Escola da Ponte em Portugal, José Pacheco, disse que “é preciso passar da área da pedagogia para a dimensão da ética”. Em sua avaliação, não é possível mais “insistir num modelo educacional do século 19, com professores do século 20 ensinando para alunos do século 21”.

A frase que não foi pronunciada

“— Por que sinto tanta vergonha quando vejo um pai de família, que ocupa um cargo público, preso por corrupção?”

“— O nome dessa vergonha é caráter meu filho.”

Conversa na classe média

Futuro

»Em poucos anos, as reuniões realizadas na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado serão parte importante da história trabalhista do Brasil. Iniciou-se o processo de discussão sobre o teletrabalho. A transformação na área dará mais autonomia e mais responsabilidade aos funcionários. Mundialmente, essa tem sido a solução para o crescimento do setor terciário.

Teletrabalho

»A base da discussão foi o Projeto de Lei 3.26/13, de autoria do senador sergipano Eduardo Amorim. Ele prevê a produtividade como parâmetro da relação com o empregado e não o controle de jornada. Bem-estruturado, o projeto prevê as possibilidades da localização para execução das tarefas, confidencialidade, autonomia, pagamentos, ressarcimentos, vales, seguro, entre outros detalhes. A relatoria foi cumprida pelo senador Requião.

Ética

»Colocar o país adiante da amizade é tarefa para poucos. Um caso que deve ser sempre lembrado ocorreu na presidência de Itamar Franco. Poderoso e com a simplicidade de sempre, Hargreaves era o ministro da Casa Civil. Com pouco mais de um ano no cargo, acusações começaram a aparecer com a possibilidade de desvio de verbas públicas levantadas pela CPI do Orçamento. Conhecendo o próprio caráter com a mesma propriedade de quem conhece os inimigos políticos, Hargreaves fez o que todo homem honesto faria: entregou o cargo para preservar o presidente. Em poucos meses voltou à Casa Civil, já que as acusações não tinham o menor fundamento. Sofreu muito, à época, mas até hoje é uma das poucas figuras públicas lembradas pelos cidadãos com o respeito merecido.

História de Brasília

Cidades-satélites. Há apenas a planificação para as cidades satélites. Em todas elas, entretanto, a vida é insuportável, e todo os problemas de ordem humana têm que ser enfrentados com possível solução. (Publicado em 17/9/1961)

Modernizar para economizar

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Para um governo que é obrigado a direcionar 77% do orçamento para quitar a folha de pagamento de 214 mil servidores, ou apenas 7% da população, alguma providência precisa ser adotada com urgência para recuperar um mínimo de racionalidade nas contas públicas locais. O GDF sabe que caminha no limbo quando o assunto é finança pública. Recebeu, no plano distrital, a mesma herança desastrosa deixada na esfera federal pelos governos petistas.

Com o comprometimento dos recursos do Tesouro local com o pagamento do funcionalismo, sobra pouco mais de 1% para investimentos, o que é insuficiente para manter em atividade uma capital como Brasília. Entre 2014 e 2015, o montante investido em infraestrutura na capital caiu de R$ 1,79 bilhão para R$ 539 milhões, um encolhimento de 70%. Para piorar a situação, os repasses constitucionais da União tiveram redução sensível, sendo que, no mesmo período, houve um forte recuo na arrecadação de impostos.

Com os cofres vazios, o que resta ao GDF nestes tempos de vacas magras é partir para medidas criativas e modernizadoras que levem ao enxugamento da máquina do Estado. De nada adianta ajustar as contas do Tesouro por meio da contratação de mais empréstimos, tomados a juros extorsivos. O endividamento apenas alivia questões de momento, empurrando para um futuro ocupante do Palácio do Buriti os mesmos problemas encontrados pela atual gestão.

Diante de uma situação de desarranjo das contas públicas, como é possível explicar para a sociedade que o GDF tem um Centro Administrativo novinho (Buritinga) construído a preços exorbitantes? Mais um assunto para investigação. Enquanto aquele monumento ao desperdício é deteriorado pela ação do tempo, o GDF continua pagando aluguel para ocupar prédios particulares.

A pressão de diversas categorias do serviço público por reajustes deverá aumentar, trazendo ainda mais incertezas para as finanças locais. Talvez tenha chegado o momento de usar a inteligência, reduzindo gastos com parte do funcionalismo que poderia exercer suas funções de casa, dentro da filosofia moderna de home office, economizando com instalações prediais, luz, água, cafezinho, transporte e outros gastos. Em países sérios funciona. Basta uma gestão rígida paga por produtividade. Na era dos drones e dos aplicativos Waze, por que ainda se utilizar dos caríssimos helicópteros para serviços de monitoramento do trânsito e outros serviços? Mudança exige coragem e planejamento bem-feito.

A frase que não foi pronunciada

“Envelhecer é igual a dirigir. Nem tudo depende só de você.”

Dona Dita, sentindo a frieza dos jovens.

Release

» Brasil deveria sobretaxar bebidas açucaradas para combater a obesidade? Essa é a pergunta que a Organização Mundial de Saúde não quer calar. A recomendação seria benéfica para toda a população.

Droga

» Por falar nisso, quem é vidrado em açúcar tem por obrigação ler Sugar blues, de William Dufty. Livro surpreendente que desvenda tudo o que há por trás de séculos de segredos e tradições dessa droga que dissolve dentes e ossos da humanidade.

Novidade

» STF vai decidir se jogos de azar são constitucionais. Por enquanto, desde 1940, trata-se de contravenção penal. O assunto está nas mãos do ministro Luiz Fux. A decisão terá repercussão geral em todo o país.

Preferência

» Instalado, na Câmara dos Deputados, um grupo de trabalho, que tem a finalidade manter aos taxistas a exclusividade no transporte individual de passageiros. O projeto de lei que trata do assunto é o 5.587/2016. Na opinião do deputado Carlos Zarattini, do PT paulista, o Uber é uma ameaça de extinção para os taxistas. Se a população prefere o Uber, quem deve se adaptar à nova realidade?

Na lupa

» Na onda das empreiteiras, o Ministério Público deve ter material suficiente contra empresas que asfaltam a cidade. Basta uma chuva para a reprodução de buracos. As crateras são suficientes para deixar o automóvel dias em uma oficina. O contribuinte que paga os impostos não deveria pagar o prejuízo.

História de Brasília

Desemprego. Há nova onde de desempregados em toda a cidade, e isto sempre constituiu uma ameaça em todo o mundo. Braços parados desvirtuam espíritos, e quando isto acontece numa coletividade, os males são muito maiores. (Publicado em 17/9/1961)

Vale para os EUA, vale para o Brasil

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Entre a eleição do magnata Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos e a eleição de Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio Janeiro, respeitadas as diferenças, existe um ponto em comum que parece marcar todo o mundo Ocidental na atualidade e que pode ser identificado como um desencanto generalizado da sociedade com os políticos e as políticas tradicionais vigentes.

Na verdade, nada resiste ao desgaste do tempo. O que parece é que, na forma e no conteúdo, a democracia secular, do tipo representativa, começa a dar sinais de esgotamento e fadiga de ideias. Não se trata aqui de um esgotamento do modelo em si, mas do perfil de candidato que esse modelo parece atrair. A larga porta aberta pelo sistema democrático aos mais variados pretendentes, mesmo aqueles sem expertise para o cargo, acaba resultando num jogo de azar em que a parte perdedora será sempre a população. São os candidatos e não propriamente o modelo que tem necessitado de reparos.

Grosso modo, a eleição do novo presidente dos EUA equivaleria, para nós brasileiros, elegermos um bicheiro de sucesso, dono de muitos pontos de aposta, rico e influente, como tem sido boa parte desses zoo empresários entre nós. No Rio de Janeiro, diante dos descalabros visíveis, o povo achou melhor escolher logo um salvador. Aqui, os votos a esse candidato celeste foram dados como uma espécie de dízimo em que se espera a indulgência posterior.

Já nos EUA, os votos foram colocados no pano verde da mesa de apostas enquanto se aguarda que a roleta pare de girar. Lá e cá o povo desconfiado achou mais seguro apostar na fezinha. Quem sabe não vem do além e da sorte a saída para a crise, inclusive moral, que assola o Ocidente? Para quem entende dos meandros da política nacional, a eleição de Crivella, no Rio de Janeiro se insere em um amplo esquema que visa, em última análise, instalar no Palácio do Planalto um legítimo representante dessa Igreja, para, numa fase posterior, transformar o Brasil numa grande nação de fiéis.

Lá, ao Norte do Rio Grande, a eleição de Trump, creem os ficcionistas, foi bancada por Putin, da Rússia, que financiou diretamente a divulgação de e-mails e outros segredos de Estado que estavam em posse de Julian Assange da Wikileaks e de Edward Snowden. De posse desses segredos, Putin, um especialista em espionagem na KGB, estaria a par de informações sobre o relacionamento de Trump com a máfia dos jogos que operam nos EUA e outras informações comprometedoras sobre seu passado. A chegada desses e de outros diferentes candidatos ao controle do Executivo decorre de um fator apenas: a desilusão.

A frase que foi pronunciada

“Nenhum político deve esperar que lhe agradeçam ou sequer lhe reconheçam o que faz; no fim de contas, era ele quem devia agradecer pela ocasião que lhe ofereceram os outros homens de pôr em jogo as suas qualidades e de eliminar, se puder, os seus defeitos.”

Agostinho da Silva, filósofo português

À saúde

» Dentro da proposta Arte e Reabilitação totalmente apoiada pela Dra. Lúcia Willadino Braga (que além de neurocientista toca flauta transversal muito bem), o Coral do Senado fez um concerto riquíssimo. No repertório, músicas brasileiras e sul-americanas, e a interpretação de partes da ópera Carmen, de Bizet, com encenação. Os pacientes aplaudiram efusivamente.

Vans

» Da precariedade dos serviços de transporte público oferecidos pelas empresas particulares aos habitantes da capital se originam todo tipo de mazelas. A principal delas é o reaparecimento das vans de transporte pirata que a população acreditava ser coisa de um passado triste.

Risco

» Quem mora nas bordas do Plano Piloto notou que essa modalidade arriscada de transporte voltou com a força total e repete os mesmos equívocos de outrora. Disputas acirradas contra a concorrência, principalmente contra o transporte público regulamentado, passageiros conduzidos amontoados e sem cinto de segurança e velocidade excessiva têm sido observados com frequência.

Bragueto

» Aos poucos vamos sepultando a principal construção que permitiu a fixação da população em Brasília. Infelizmente, prosseguimos destruindo indefinidamente uma coisa para criar outra. O ideal, e talvez mais barato a longo prazo, seria um transporte público em que o secretário de Transporte e Mobilidade falasse tão bem da sua pasta que fosse capaz de ir e voltar ao trabalho nas mesmas condições da população. De ônibus e metrô.

Impacto ambiental

» Com as obras viárias do Trevo de Triagem Norte (TTN), realizadas no fim do eixo Norte, o assoreamento do Lago Paranoá e, principalmente, o desaparecimento do espelho d´água sob a Ponte do Bragueto segue, em ritmo acelerado. Depois da construção do Setor Noroeste, chegou a vez das obras desse trevo lançar toneladas de terra no já sofrido lago. Com a chegada das chuvas, os rios de lama encontram caminho livre em direção ao Lago.

História de Brasília

Cidades-satélites. Há apenas a planificação para as cidades-satélites. Em todas elas, entretanto, a vida é insuportável, e todos os problemas de ordem humana têm que ser enfrentados com possível solução. (Publicado em 17/9/1961)

Uma cidade que vai se desmanchando

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com Circe Cunha com MAMFIL

Sem uma fiscalização efetiva e rigorosa, nenhuma cidade tem futuro promissor. Deixada aos caprichos de cada um de seus habitantes, a tendência é que os espaços públicos desandem progressivamente para o caos. Uma vez instalada as primeiras desordens, é dada a largada para uma sequência desenfreada de múltiplas irregularidades que vão num crescendo de difícil retorno.

É fácil identificar uma cidade onde os órgãos de fiscalização e controle não funcionam. Elas estão espalhadas por todo o Brasil e já fazem parte da nossa triste paisagem. Praticamente nenhuma metrópole brasileira ficou imune aos processos de degradação paulatina. Sujeira, poluição visual, calçadas irregulares e perigosas, iluminação precária, puxadinhos desengonçados por todo lado. Toda essa confusão urbana é bem conhecida e, de certa forma, estamos nos acostumamos aos desarranjos.

Turistas que vêm de países onde a fiscalização é onipresente veem nossas metrópoles como retrato acabado do Terceiro Mundo: perigoso e precário. Brasília, principalmente sua área tombada, vai, pouco a pouco, caminhando para se igualar às demais cidades de nosso país naquilo que elas tem de pior. Circular pelas avenidas W3 Norte e Sul, duas das principais e mais antigas artérias da capital e que a décadas vêm aguardando uma reforma séria e profunda, confirma a tese de que a cidade parece entregue à própria sorte.

Cada comerciante, daqueles que ainda teimam em permanecer nestes espaços comerciais, na ausência dos fiscais, interferem nos espaços públicos como querem. Constroem suas próprias calçadas, montam seus outdoors na dimensão que acham mais visível, montam largos estacionamentos em áreas verdes, espalham mesas e cadeiras escondidinhas por plantas.

Alguns mais empreendedores constroem coberturas sobre os prédios comerciais e cobrem com generosos telhados coloniais. Tudo na maior boa vontade e longe dos olhos cegos da fiscalização. Na falta de um projeto público consistente, os arquitetos e urbanistas sem diploma vão fazendo o que podem, desconstruindo o bairro tijolo a tijolo.

Enquanto a desordem vai brotando aqui e ali, os brasilienses vão assistindo a explosão do comércio de lata por todo o lado. Em algumas localidades, como nas vizinhanças do edifício principal da Caixa Econômica no SBS, a multiplicação dos comércios fixos e fora do padrão é assustador. Não parece Brasília.

Em decorrência da crise econômica e do desdém dos fiscais, a capital do país vai experimentando o modismo dos truck foods. O que parece modernidade esconde um futuro de caos e um grande perigo para a saúde pública. Só Deus sabe em quais condições os alimentos sobre rodas são conservados e preparados. É comum observar nesses trailers a falta de luvas, toucas e outros uniformes de uso obrigatório para quem manipula alimentos. A oferta de água é precária.

Por todo lado é visível a presença desses trucks, numa concorrência desleal com os comerciantes fixos. Alguns proprietários desses caminhões, livres dos olhos da lei, chegam a cercar seu estabelecimento com gambiarras de luzes, onde instalam mesas e cadeiras. Nesses ambientes improvisados, sob a leniência do GDF, instalam suas caixas de som e seja o Deus quiser. Aos infelizes moradores das áreas vizinhas às centenas de bares espalhados pelo Plano Piloto, resta implorar pela vinda de algum salvador da ordem pública.

A frase que não foi pronunciada

“A arquitetura é uma ciência, surgindo de muitas outras, e adornada com muitos e variados ensinamentos: pela ajuda dos quais um julgamento é formado daqueles trabalhos que são o resultado das outras artes.”

Vitrúvio

Flipiri

» Hoje termina o Festival de Literatura de Pirenópolis. Os homenageados são Ziraldo e Nurit Bensusan, e outros autores, como Ignácio de Loyola Brandão e Tiago de Melo Andrade. Ilustradores que darão o ar da graça: Geni Alexandria, Elder Rocha Lima, Ziraldo, Roger Melo e Christie Queiroz. A Flipiri é promovida pelo Instituto Cultural Casa de Autores e pela Prefeitura Municipal de Pirenópolis. A programação completa está disponível no site http://www.flipiri.com.br/.

História de Brasília

Acabamento das superquadras. Não há superquadra iluminada, e a maioria está sem urbanização. Os canteiros de obras, algumas paralisadas, continuam emperrando o desenvolvimento do serviço.
(Publicado em 17/9/1961)

Ordem e progresso pelo malhete

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com Circe Cunha e MAMFIL

Na raiz dos protestos e das badernas que vão grassando por todo o país, o que aparece em primeiro plano é a ação deletéria dos governos petistas, que por mais de uma década empreenderam uma administração articulada e absolutamente corrupta e que levaram não só à quebra econômica do país, mas à instabilidade social. Justiça seja feita. Baderna é baderna. Tanto de políticos roubando e se apoderando dos bens públicos quanto de cidadãos que depredam e desrespeitam a ordem pública.

A incúria administrativa, aliada à corrupção sistêmica visando a perpetuação no poder a qualquer custo, resultaria, inevitavelmente, no debacle nas finanças públicas. Com a falência econômica do Estado, vieram os protestos e, com eles, a desordem generalizada que vai tomando conta de todo o Brasil. Para piorar a situação, o antigo governo e maior causador dessa ruína, no lugar de reconhecer os erros e ajudar a reconstruir o país, ainda encontra espaço para açular os movimentos sociais, atrelados ao petismo, contra o atual governo e a favor da desestabilização do Estado.

As ocupações e as depredações do patrimônio público, com enfrentamento, cada vez mais violentas entre os manifestantes e a polícia, crescem de tal forma, que não será surpresa se essas agitações sociais resultarem em sérios conflitos, inclusive com mortes de ambos os lados. Os acontecimentos atuais resultam de uma matemática social clássica, podendo ser observada em outros países, como é o caso da Venezuela, que também teve a infelicidade de experimentar governos do mesmo naipe.

O que se colhe aqui e alhures são as consequências de se subordinar o Estado aos ditames de um partido e seus acólitos. Não é por outro motivo que os especialistas enxergam, nessas manifestações todas, o começo do que está por vir. Na opinião daqueles que conhecem os estragos feitos na máquina do Estado, não será possível reverter essa situação de penúria e agitação antes de um prazo de, pelo menos, uma década. Até lá os brasileiros ainda terão de conviver com a instabilidade social provocada pelos protestos generalizados. Transformado numa espécie de seita de fanáticos, o que o petismo conseguiu, ao fim de 10 anos foi retirar do altar do Estado a figura da racionalidade, do bem comum, do respeito ao patrimônio público, respeito à Constituição, às leis, substituindo-a por uma imagem que mistura milagreiros do sertão e personagens do tipo Macunaíma. Deu no que deu.

De toda forma, desta fase traumática atual poderão ser colhidas experiências válidas, para que no futuro as novas gerações aprendam que com o direito supremo do voto não pode haver tergiversações. Ao fim desse processo doloroso para todos, o que se espera é que as águas bentas da Operação Lava-Jato e outras do gênero venham em socorro de povo crédulo, lavando as escadarias do poder e desobstruindo os caminhos à frente.

A frase que foi pronunciada
“Para Karl Marx, a ditadura do proletariado seria apenas um estágio na evolução dialética. Abolidas as classes e a propriedade privada, assistiríamos ao fenecimento do Estado e à floração da liberdade. Infelizmente, Marx era bom filósofo, medíocre profeta e mau político.”
Roberto Campos

Palácio da Poesia
» Atenção minha colega jornalista Diná Oliveira. Soube que o evento dos 30 anos da Casa do Cantador foi um sucesso. Por favor, transmita nossos cumprimentos a todos os amigos que têm a capacidade de transformar a vida e o destino em arte.

Assaltos
» Na 715 Norte, o número de assaltos aumentou, o que está incomodando bastante a vizinhança. Em frente a um prédio de oficiais da Marinha, três pessoas em diferentes dias e horários foram abordadas por ladrões em menos de uma semana.

SOS
» Instituições de ensino, como a Escola Americana e Escola das Nações, as mais caras de Brasília, estão juntas nos apuros das últimas semanas. Na primeira, uma panela de pressão estourou, machucando um aluno, um pai e um funcionário. Na segunda, a água está contaminada e o corpo docente e discente sofreram com uma misteriosa doença.

Fica a dica
» Mesas de Natal nunca vistas! Se quiser algo elegante, sofisticado e sem frescuras, Célia Estrela é a melhor pessoa para dar brilho à sua festa. Basta procura-lá no Facebook.

Ah, bom!
» Primeiro o susto com a imagem de uma invasão na Universidade de Harvard. A multidão de alunos na entrada. Depois todos acomodados na famosa biblioteca. Eles só queriam estudar.

História de Brasília
Asa Norte. Já há 64 blocos habitados, e não há rede de esgotos. Há fossas. Não há rede telefônica. Há para os privilegiados. A urbanização é precária, pela falta de verbas. (Publicado em 17/9/1961)

Suprema verdade

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Gradativamente, a sociedade vai aprimorando a percepção sobre os mecanismos que propiciam e induzem a plena democracia. Obviamente, esse aprendizado lento e contínuo só pode acontecer se forem atendidas algumas premissas básicas. Talvez a principal delas seja justamente o direito à informação absoluta sobre todos os fatos que se desenrolam dentro da máquina do Estado.

A coisa mais pública, dentro de uma República que se preze, é a informação. Quanto mais cristalino é um Estado e um governo, mais aperfeiçoada é também a estrutura democrática. Em outras palavras, só pode existir democracia de fato numa República na qual seus cidadãos têm pleno acesso a tudo o que diz respeito ao Estado. Quem lida com as coisas de Estado tem de deixar a cara à mostra para todos.

Nada mais contraditório do que uma autoridade de qualquer um dos Poderes que pretenda manter em torno de si e de sua vida uma cortina de espessa. Todos que, de alguma maneira, vivam do Estado são para ser expostos em vitrine pública, sob a luz forte da sociedade.

Quem possui vida privada e a ela tem excepcionais direitos é o cidadão comum. Dessa forma, qualquer situação que suprima aos cidadãos o direito à informação incorre em desvirtuamento do poder público. Quem quer se pôr a salvo da curiosidade da população deveria tomar rumo contrário a tudo o que diz respeito à República.

Ao restringir o direito de qualquer indivíduo às informações de que necessita, a República deixa de ser o que ela é na sua origem. Reuniões a portas fechadas, encontros e agendas secretas, acordos feitos sob sigilo, empréstimos e contratos realizados longe da visão do cidadão, conchavos à meia luz, julgamentos e decisões sem o conhecimento público, gastos com cartões corporativos de maneira sigilosa, sob o argumento de segurança nacional e outras modalidades do gênero têm sido comuns ao longo de toda a nossa história como nação. O que tem resultado desses segredos todos, em quase 130 anos de República, é o divórcio litigiosos entre a classe política e a sociedade, a ponto de a população precisar sair às ruas para dizer, em alto e bom som, que nenhum político ou partido representa, de fato, a nação. Com a Lava-Jato e congêneres, a maré do Brasil baixou a tal ponto que agora quem nadava nu começa a ser visível para todos.

A frase que foi pronunciada

“Acima da lei, acima do teto! Quanto mais alto se voa, maior a queda.”

Manifestante na Câmara

Toque

» Quem frequentou os cines Marcia, Karim Nabut e outros tantos nos áureos tempos de Brasília deve as boas memórias a Abdala Karim Nabut, que saiu devagarinho desta vida, com a elegância e discrição de sempre.

Dica
» Para as férias, segue uma sugestão de leitura. O romance O Labirinto das Moiras, da médica e escritora Tânia Calciolari. “De certa forma, acredito que você já me conhece. Eu sou o Destino. E como entrei aqui? Bom, deve saber que não preciso de convite para entrar em parte alguma. Na verdade, eu já estou em toda parte.” (pág. 6)

Leitor

» O voto distrital baratearia em muito as campanhas políticas para deputados estadual e federal, e senadores. Isso porque o candidato buscaria seus votos em seu domicílio eleitoral. Em seu domicílio eleitoral o candidato é mais conhecido. Por que iria um candidato de Uberaba buscar votos em Montes Claros? Muitas vezes, porque seus vizinhos aprenderam a não confiar nele e, portanto, tem que se buscar votos alhures. Esses custos a mais recaem no contribuinte. O voto distrital premia os que têm uma vida aprovável pela população local. Assinou J.R.

Haja criatividade!

» Mais uma sugestão para a engenharia de trânsito na entrada do Lago Norte. Até hoje os motoristas não respeitam a direita livre! Uma fila enorme se forma no horário do almoço, sem necessidade.

Novidade

» Travis Busbee, da Universidade de Harvard, é coautor de um projeto de impressão em 3D para uso humano. O primeiro caso foi de um paciente que recebeu uma mandíbula impressa em três dimensões. O detalhamento das peças contribui para o sucesso do uso. A rejeição do organismo ao corpo estranho está sendo vencida.

História de Brasília

Conservação do Lago. Concluir a estação de tratamento de esgotos, que se encontra quase que paralisada. Enquanto isto, o esgoto está sendo atirado no Lago. Antes, diretamente. Agora, com tratamento preliminar, mas sempre perigoso. (Publicado em 17/9/1961)

Obrigada por aguardar

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aricunha@dabr.com.br

com Circe Cunha e MAMFIL

Obrigada por aguardar

Só quem já tentou algum dia cancelar um simples chip da Claro e similares pode imaginar o quão surreal é a tarefa. A começar pelo script. Todas as alternativas de convencimento estão listadas. Vai perder os pontos, não há custo adicional em congelar a conta por três meses, é possível fazer uma conta partilhada e por aí vai. Impossível convencer os atendentes a cumprir uma simples e justa vontade da consumidora. Encerrar a conta. Romper o contrato conforme é previsto.

Os atendentes do call center são adestrados. Proibidos de usar o bom senso na conversa com o cliente, que é levado em mais uma tentativa de convencimento a permanecer como tal, sendo ignorado na sua singela vontade de acabar com uma relação consumerista. É levado a um mundo encantado do faz de contas, com ofertas maravilhosas e velocidades espetaculares.

Após aguardar longos minutos travando uma batalha vernacular, dialética para ser respeitado no pedido, tem início uma jornada fantástica. Nunca faça apenas uma ligação. Anote a ordem da chamada na primeira vez: 1 para isso, 2 para aquilo. Use diferentes aparelhos para ligar várias vezes. Anote o nome de todos os atendentes. Marque dia e hora para pedir a gravação na audiência. E aí prepare-se para tricotar, arrumar aquela pasta de documentos ou assistir a um filme enquanto cuida do cancelamento do maldito chip. Nunca cuide só disso. Faça qualquer coisa ao mesmo tempo.

Depois de não ter conseguido, por vias honestas, o cancelamento, há que se inventar uma razão imbatível como: “Meu marido está indo para os Estados Unidos trabalhar com o presidente Trump”. Alguns ainda esperneiam dizendo que o chip funciona perfeitamente nos EUA também. Só um pigarro basta para desmoronar a empreitada. Aguarda daqui, transfere a linha para lá, começam por conferir lentamente seus dados. Lembre-se: nunca seja atendido por uma pessoa só. Desligue o telefone e recomece o processo. Assim, seus dados vão se solidificando no sistema. E continua a via-crúcis. Primeira etapa vencida, razão do cancelamento gera o fim das alternativas do script.

A partir daí vem a segunda etapa: nome da mãe, endereço, CPF, data de nascimento. Nesse momento surgem dúvidas. Eles dizem que os dados estão divergentes e você pensa: mentir a idade para um call center? Com que finalidade? Desliga e liga novamente. Touché! O dado estava certo. É difícil, mas o fato de o operador acreditar que você é você mesmo é um indicador importante para apontar o tempo restante da empreitada. Afastadas todas as dúvidas de que você é mesmo o insolente que, em algum momento, ousou cancelar um serviço dessa magnífica empresa. Passa-se então para o nível seguinte. (Vale lembrar que os tribunais estão cheios de causas trabalhistas ganhas nas quais os empregados protestam por ser obrigados a mentir para os clientes e manter o lucro da empresa.)

Faz-se, então, mais um longo período de silêncio, como se a ligação tivesse caído. De cá parece não haver ninguém ouvindo. Mas há. A dica é relembrar o oratório Elias, de Mendelssohn. E cantar com a voz solta! Com vibrato, glissando e fortíssimo. Em poucos instantes o atendente volta. Não aguenta tanta erudição e agora quer resolver sem a espera.

Quando restabelece a comunicação, o atendente lhe adverte que o cancelamento desse serviço será prejudicial para você e que haverá perdas desnecessárias, pontos perdidos, créditos cancelados e outras possíveis benesses desativadas. Repete todo o script em uma voz de partir o coração. Um repetente de palavras que deixa o calor do lar para ir trabalhar em um lugar inóspito desses, onde ele está proibido de conversar, opinar, dar dicas, bater um papinho. É muito triste. Até tentaram colocar um salzinho na voz do robô que atende no SAC, mas tirar o ânima da voz de quem tem vida é desolador. Um acinte ao direito de personalidade.

Quando a ligação retorna, o atendente avisa com uma locução verbal desnecessária , tipo estarei transferindo seu pedido para o atendente dos cancelamentos. Aqui só conferimos os dados. Ouve-se então a chamada interminável para outro ramal. Nesse ponto, finalmente, você passa a acreditar ter liquidado de vez com o Minotauro em seu labirinto. Seus problemas estão chegando ao fim. Enquanto isso, prossegue a chamada para o ramal que você foi transferido. Uma gravação faz com que você esqueça de ligar novamente, e depois da espera, você começa a imaginar que correria não estaria havendo naquela sala de atendimento da empresa, com todos atabalhoados buscando um meio de ajudá-lo com presteza. Um devaneio. Mais alguns minutos e a ligação cai. Poderia ter sido proposital? Eles ousariam tamanha tortura? Nesse ponto, você passa a ter a certeza de que no lugar de nervos estão fibras óticas no corpo daquela gente.

Nova chamada, novo atendente. Todo o processo reiniciado. Não adianta reclamar. Nessa nova tentativa, você tenta estabelecer um diálogo humanizado e começa a falar das razões íntimas que o levou a desistir do pequeno chip. Evoca a mãe doente, a necessidade de se desfazer de algumas despesas. Nessa tentativa de sensibilizar o que pode ser um atendente robô, com o coração de lata, você começa a agir já sob o que parece ser a síndrome de Estocolmo, buscando em seu algoz alguma identificação. Fala como deve ser triste passar tantas horas em um lugar estafante como esse enquanto os filhos ficam com a vizinha.

Agora, seu novo atendente, vendo o número de protocolos do seu CPF, começa a perceber claramente que você está a se render. Seguem-se novos questionários e a decisão derradeira. Você será transferido para o departamento das soluções racionais. Feita a transferência, é preciso aguardar ser atendido. O telefone chama, chama. Enfim, o Francisco aparece falando como gente. Faz todo o processo, garante que cancelou o chip e de repente pi, pi, pi, pi. Agora é esperar a assessoria de imprensa da empresaperguntar como pode me ajudar. E eu repetir como todas as vezes. Resolva o problema dos clientes de todo o Brasil!

HISTÓRIA DE BRASÍLIA

Andamento de papéis. Melhorar a máquina burocrática, porque, atualmente, um “habite-se” demora às vezes três meses para ser dado, quando devia possuir pessoal em condições de prestar pronto serviço. (Publicado em 17/9/1961)

Isso é o Brasil

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com Circe Cunha com MAMFIL

Se é difícil para os estrangeiros entenderem o Brasil, para a população que aqui vive, majoritariamente, composta por trabalhadores de baixa renda, é perda de tempo buscar sentido racional para o que acontece no dia a dia, principalmente com relação à escalada dos preços. Mesmo para os padrões americanos e europeus, os valores cobrados por diárias de hotéis e restaurantes de padrão médio no Brasil são extremamente mais elevados do que os preços desses mesmos serviços no exterior. São inúmeros os impostos e tributos que incidem sobre todos os bens de consumo. No ciclo fechado dos impostos, o único beneficiário direto é o governo, ou, mais precisamente, a gigantesca máquina administrativa do país que absorve o grosso da renda.

Além disso, o povo brasileiro não exerce a cidadania como outros povos. Associações, institutos, até agora, ninguém foi capaz de unir a população para cobrar do Estado o cumprimento de suas obrigações. Na década de 1960, sem Twitter, Facebook ou WhatsApp, as donas de casa conseguiam se mobilizar propondo boicote instantâneo aos produtos com preços abusivos ou a estabelecimentos com atendimento a desejar. Hoje, curiosamente, com todo esse aparato tecnológico, o máximo que se vê são piadas engraçadíssimas, mas sem efeito prático algum.

Difícil explicar em qualquer língua que apesar de possuirmos enormes jazidas de petróleo e contarmos com uma empresa com grande expertise na exploração, refino e distribuição desse mineral, temos o combustível mais caro e misturado do planeta. Como fazer entenderem outros povos quando afirmamos ter o maior rebanho de bovinos e frangos do planeta, se, nos supermercados, esses são artigos que só podem ser comprados por uma minoria?

Impossível que os estrangeiros entendam que somos o celeiro do mundo e temos milhões de quilômetros quadrados de terra perfeitamente agricultáveis, exportando grãos diversos para todos os cantos do planeta e nas gôndolas dos supermercados e nas feiras de rua o quilo do feijão, que é o alimento básico da população, chega a custar mais de US$ 6?

Qual a explicação para o fato de possuirmos 7.491 quilômetros de extensão de litoral e 200 milhas náuticas de mar territorial e termos uma produção e um consumo irrisório de pescado e derivados do mar? Como explicar os preços exorbitantes desses produtos para o consumidor? Como pode encontrarmos no mercado peixes vindos da China? Pior. Como um povo que vê na Constituição artigos que lhe garante saúde, transporte e educação e apesar disso ter que buscar plano de saúde, escolas particulares e usar o próprio carro por falta da mobilidade e esse mesmo povo reage com samba e futebol?

Nossos cientistas precisam deixar o Brasil para poder trabalhar e desenvolver projetos. Quem entende isso? Somos a Pátria Educadora que não educa; e que permite campanhas, comerciais, novelas e programas totalmente deseducativos. Nada foi feito efetivamente contra as baixarias na televisão. Talvez porque baixaria já não seja a mesma coisa. Valores e preços são substantivos que se misturam.

As mesmas interrogações se repetem para tudo o que produzimos e consumimos. Se repetem também para a complacência ao saber que há corrupção no samba, no futebol, na educação, na saúde, no transporte e, mesmo assim, a troca de informações nos meios eletrônicos se resumem em piadas ou, no máximo, colheres batendo em panelas. Melhor resumir essas questões com a frase enigmática: Isso é o Brasil.

A frase que foi pronunciada

“Os estrangeiros, eu sei que eles vão gostar, tem o Atlântico, tem vista pro mar. A Amazônia é o jardim do quintal e o dólar deles paga o nosso mingau.”

Raul Seixas

Até quando?
Por falar nisso tudo, a Secretaria de Educação do DF ainda não adotou nas escolas o livro de Marcelo Capucci e Marcos Linhares, Faço, separo, transformo. Tem gente em Londres que já se interessou. Precisa ser assim? Nunca vamos valorizar os nossos escritores, atores, músicos, cientistas, pintores, escultores…

História de Brasília

Estão falando muito em moratória para o comércio em Brasília. Será um descalabro. Basta que a Novacap pague suas dívidas, e o comércio de Brasília funcionará que é uma beleza (Publicado em 12/9/1961)

* Expecionalmente, republicamos a coluna de 9 de agosto de 2016