Agências reguladoras

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: reprodução

 

Criada, por meio da Lei 9.427 de 1996, com o objetivo precípuo de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica em todo o país, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foi a primeira a ser oficialmente estabelecida. Naquela ocasião, ela foi saudada e alardeada como exemplo de autarquia autônoma e descentralizada da administração pública, capaz, entre outras proezas, de regular esse setor de interesse estratégico para o país e para os brasileiros, acabando, de vez, com o odioso regime de monopólio do Estado.

Com isso, acreditavam seus formuladores, os consumidores estariam a salvo da tradicional má prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica, uma vez que, doravante, seriam garantidas a normalidade e a eficiência dessas prestações, a preços de mercado justos e com total transparência. Como no papel branco e na teoria, tudo cabe, até o impossível, ficaram todas essas pretensões aplicáveis apenas num possível e distante mundo ideal.

De lá para cá, muita coisa mudou, principalmente os objetivos iniciais da Aneel e de outras agências que vieram na esteira do nosso modelo de desestatização. Copiado da Inglaterra e dos Estados Unidos, onde, ao contrário de nossa experiência, as agências reguladoras funcionam muito bem desde o século 19. Essas entidades representam, hoje, para esses países, peças fundamentais para a economia de mercado e de livre concorrência, em que os requisitos de transparência são rígidos e, em caso de irregularidades, são duramente penalizados pela justiça.

Mesmo gozando de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com receitas próprias nossas 10 agências, sorvem dos contribuintes bilhões anuais, embora não tenham conseguido ainda uma imunização total da ingerência política, ficando ao sabor dos ventos e dos maus ares vindos dos poderes centrais, em que interesses pessoais inconfessáveis, facilmente, se sobrepõem aos nacionais. Hoje, a questão é saber quem vai, de fato, regular as agências reguladoras. Dirigidas por órgãos, ditos colegiados, nossas agências são comandadas por um diretor-geral e quatro diretores, todos nomeados pelo presidente da República, o que explica muito sobre os descaminhos tomados por essas entidades ao longo do tempo.

Basta dar uma olhada nos órgãos de defesa do consumidor ou em qualquer outro endereço que coleta e processa as reclamações dos cidadãos, para se certificar de que algo não vai bem com essas agências, sobretudo quando o que está em jogo é o desequilíbrio flagrante entre o que desejam os consumidores e o que ofertam as muitas prestadoras de serviços estratégicos, reguladas por essas entidades. Para a maioria dos reclamantes, a balança que aufere a relação entre consumidores e as concessionárias desses serviços parece pender sempre em favor dos últimos. Segundo alguns analistas, essa discrepância se dá porque as concessionárias têm muito maior poder de lobby junto ao governo e, sobretudo, contam com respaldo junto a muitos grupos políticos com assento no Congresso.

A Aneel, como não poderia deixar de ser, figura também nas listas reclamações dos consumidores por dois motivos básicos: má prestação e inconstância nos serviços e tarifas exorbitantes para o padrão médio da sociedade brasileira. Não é segredo para ninguém que a regulação de um determinado setor econômico estratégico é sempre uma escolha ou opção de caráter político e partidário. A infiltração de dirigentes ligados e indicados por grupos políticos nessas agências é também um fato e uma má causalidade que afeta diretamente os consumidores. Quando se fala em Aneel, um fato logo chama a atenção de todos.

Nesse vazio, o consumidor não tem a quem recorrer. Para as agências, vale a máxima: vieram para confundir. De fato, regulam um mercado voraz, submetido não apenas às forças naturais da demanda e da oferta, mas às pressões variadas de grupos econômicos poderosos com ramificações no mundo político. Uma visão geral do atual momento político pode fornecer novas pistas do que em breve virá sobre a forma menos serviços e qualidade na prestação dos mesmos. Tudo isso feito a custos maiores, tanto para os contribuintes que arcam as despesas dessas agências, quanto para o consumidor direto, na forma de maiores tarifas.

Não será surpresa se, num cenário de curto prazo, esses aumentos em todas as tarifas, inclusive no fornecimento de energia elétrica, recaiam sobre os cidadãos. Essa abdução do governo, contrariando todas as promessas do passado, vai se materializar na rendição de algumas destas agências reguladoras aos novos projetos políticos, ditados pelos adesistas e oportunistas de plantão. Muitos acusam essa agência de trabalhar pela defesa dos interesses das concessionárias. O volume de reclamações fala por si. Um exemplo dessa parcialidade inexplicável, e até surrealista, vem a possibilidade aventada da cobrança de taxas extras pela a chamada Geração Distribuída (GD), produzida por painéis solares e consumida em muitas residências e condomínios pelo Brasil afora. É o que a população identificou, uma taxação da luz do sol, na forma de cobrança pela energia solar gerada por células voltaicas, instaladas sobre os telhados em muitas residências e, nas quais, a Aneel ou qualquer outra empresa pública concorreu para os custos dessa produção. Seria como cobrar pelo ar que respiramos, exemplifica alguns. Com a pandemia, o assunto ficou, momentaneamente, suspenso e, agora, sem vantagens para o consumidor.

O assunto é complexo e deveria ser submetido a amplo painel de discussão pública. O mesmo poderia acontecer com a geração de energia eólica, gerada pelo vento, cujos custos para os consumidores estão embutidos nos incentivos dados às empresas consumidoras. Essa matemática é simples: quanto mais incentivos dados pelo governo a certas empresas, mais aumentam as tarifas de fornecimento de energia elétrica. Outro assunto controverso a necessitar de maiores aperfeiçoamentos é quanto ao modelo de bandeiras tarifárias, que agora completa cinco anos de existência e que, de modo algum, vem agradando os consumidores. Na internet, vídeos têm mostrado operadoras abrindo seus reservatórios e comportas de água, em pleno período de estiagem, para justificarem a adoção de bandeira vermelha nas contas dos consumidores e, com isso, lucrar um extra.

Possivelmente, este capítulo a mais da derrama contra a população parece próximo do fim. Algumas fábricas de telhas estão lançando, no mercado, coberturas especiais que trazem os painéis solares em cada unidade. Quando a tecnologia for mais desenvolvida e os preços desses produtos caírem, praticamente toda a casa terá seu gerador de eletricidade. Certo é que, mais dia menos dia, as grandes empresas de geração e distribuição de energia elétrica terão de se render ao futuro, quando cada unidade familiar produzirá a energia que consome de forma limpa e segura. Essa é uma revolução que virá, mesmo contra fortes interesses econômicos e políticos. Da mesma forma virão os automóveis elétricos, acabando com a produção de motores à base de derivados de petróleo. O caso é saber se esses avanços irão se consolidar num país como o nosso

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