A arte e a sensibilidade da política em momentos históricos delicados

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada por Ari Cunha (In memoriam)

Desde 1960, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: memoria.ebc.com

 

Pelas próprias características institucionais do nosso modelo de presidencialismo, tido por muitos como herdeiro de um certo viés monárquico e até imperial, todo aquele que, pela concessão do voto, tem a ventura de subir a rampa do Palácio do Planalto, onde ocupará a cadeira como chefe do Poder Executivo, passa imediatamente a ser não apenas o centro das atenções e das luzes, mas o alvo no qual passam a serem arremessadas todas as lanças eivadas de esperanças e frustrações de uma nação que, nesses cinco séculos de existência, ainda anseia por uma representação política à altura de sua formação histórica e cultural.

Tudo isso sem mencionar a importância territorial e continental do país, que, mais do que lhe outorga o destino, confere ao Brasil e aos brasileiros, quer queira, quer não, um papel de destaque e de importância vital num mundo cada vez mais populoso e escasso de recursos naturais. Tamanho é o destino, como é também a posse de qualquer brasileiro como presidente do Brasil.

Ao ser empossado, o indivíduo se vê despido de si e de seus projetos pessoais e da própria família, passando a se sentir como o mais ermitão de todos a habitar a solidão vasta do Alvorada. É o que alguns chamam de solidão do Poder. Alguns, como foi o caso do ex-presidente Jânio Quadros, não podem suportar as agruras do enorme deserto trazido pelo cargo que assumiu e por uma capital que, naqueles tempos, situava-se no fim do mundo, longe do fervilhar da civilização. Por isso mesmo, mais do que pelos presságios de forças ocultas, que enxergava, nas noites silentes em que se escondia por detrás de uma garrafa, renunciou ao mandato para fugir dos fantasmas que o atormentavam no escuro do cerrado.

Com esse gesto incerto até para ele próprio, precipitaria o país numa direção que, por certo, nem ele sonhava. Do mesmo jeito abrupto e sem expectativas, que adentramos para duas décadas de centralismo político e militar, saímos desse túnel por força e pressão das ruas com o movimento popular das Diretas Já, que, contrariando os militares no poder, encurtou o caminho de volta para a consolidação democrática.

É nessa encruzilhada de nossa história que entra em cena, também de modo repentino e surpreendente, o personagem que faria toda a diferença nesse momento de delicada transição. Escolhido a dedo como vice-presidente na chapa de Tancredo Neves para concorrer no Colégio Eleitoral contra o candidato dos militares, Paulo Maluf, José Sarney veria, num curto espaço de tempo, toda a história do Brasil passar como um foguete diante de seus olhos. “Foi de uma emoção de pânico. Eu nunca pensei na minha vida que eu pudesse ser presidente da República, afirmou Sarney. Em segundo lugar, eu não sabia da doença de Tancredo. Só soube na véspera que ele foi internado. Eu o achava sadio, cheio de vida, inteligente. Uma figura excepcional. E quando ele veio a ficar doente e me comunicam, às 3h da manhã, que eu iria assumir a Presidência, aquilo foi um choque brutal”, confessou.

Com a doença do titular, assumiu a presidência de supetão, para impedir retrocessos que, por certo, viriam pela frustração e poder dos derrotados. “Sempre uma travessia muito difícil na vida da gente. Qualquer pessoa ser presidente da República, entrar para dirigir o Brasil na transição democrática em que os militares ainda eram muito fortes; eu, de um Estado pequeno, sem grupos econômicos para me apoiar e sem a mídia nacional e sem partido. Tudo levava a crer que eu seria um presidente para entrar e ser deposto”, diria anos mais tarde o ex-presidente Sarney.

E com a morte impensada de Tancredo Neves, herdaria a presidência e um mandato que exigiriam esforços sobre-humanos para contornar, ao mesmo tempo, um conjunto de crises que iam da esfera política, passando pela economia, recaindo direto sobre os ombros da população, sobre a forma de um descontentamento geral com a inflação e a falta de liberdades civis.

Eram problemas em demasia, acumulados por mais de duas décadas e que necessitavam, agora, de medidas urgentes e cirúrgicas que, em mãos erradas, poderiam fazer ruir todo o castelo de esperança da redemocratização. O exercício do mandato como o primeiro civil a ocupar essa posição, depois de uma transição incerta e tumultuada, tornava ainda mais delicado o dia a dia como presidente.

Ao Sarney, coube ser o maestro que conduziria a sinfonia coletiva da redemocratização, num trabalho digno de fina ourivesaria, a conjugar e fazer voltar a funcionar todo o imenso e intrincado relógio da democracia brasileira, emperrado por décadas de abandono. A história do Brasil deve fazer a merecida justiça ao ex-presidente José Sarney, por sua capacidade de entendimento e diálogo, numa época de ânimos exaltados e de ameaças. Sarney, por sua bonomia política, soube, como nenhum outro, conduzir, dentro do buliçoso ambiente político, o país à volta da normalidade.

Esse é o seu mister, aprendido ao longo de dezenas de anos como importante e influente personagem da vida política de nosso país. Mesmo no campo econômico, que não era sua especialidade, Sarney soube se cercar de capacitados técnicos que, com o engenhoso Plano Cruzado, conseguiram derrubar uma inflação de mais de 200% para números negativos, mas que, infelizmente, foi boicotado, tempos depois, pelas elites empresariais do país, acostumadas a lucrar com as instabilidades da economia nos mercados paralelos. “Asseguro a nação, com todas as forças da vontade e da coragem, que o legado de Tancredo Neves permanecerá vivo. Assim como não lhe faltei com a minha lealdade no período do seu calvário, saberei honrá-lo após a sua morte e não deixarei murchar a chama de esperança que plantamos no Brasil”, prometeu naquela ocasião o então presidente José Sarney. Prometeu e cumpriu, ajudando o Brasil num momento histórico único e ainda entregando à nação, em 1988, a mais democrática e cidadã Constituição de toda a história do Brasil. Justo o reconhecimento.

A frase que foi pronunciada:

No Maranhão, depois dos 50 (anos), não se pergunta a alguém como está de saúde. Pergunta-se onde é que dói.”

José Sarney

Foto: Reprodução/TV Globo

História de Brasília

Ontem quando a Vasp assumiu a direção do Lóide em Brasília, o Obdego Batista viu, pela primeira vez, um DC-6 com as cores da Vasp descer no nosso aeroporto. Era o LFD que voava para o Norte. (Publicada em 04.02.1962)

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