Corujas do Sudoeste

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Crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press. Coruja e seus filhotes no ninho.

 

Severino Francisco

Na semana passada, fiquei feliz por alguns instantes ao perceber que havia vida noturna no Sudoeste. Mas é de lá também que veio, logo em seguida, uma notícia triste. Sete corujas foram mortas por envenenamento desde o início do mês, em dois pontos: na área de preservação do Parque Ecológico Sucupira e na Avenida das Jaqueiras.

 

Saiba quem cometeu tal atrocidade que praticou um crime passível de punição. Confesso que o fato me surpreendeu. De uma maneira geral, os habitantes do Plano Piloto convivem muito bem com os bichos. Acolhem, protegem e denunciam maus-tratos. Ainda bem que moradores do Sudoeste saíram em defesa das corujas.

 

Certa vez, estava passando em uma área próxima ao Libert Mall, na Asa Norte, quando fui atacado por uma coruja. A sensação era semelhante ao da personagem de Os pássaros, de Hitchcock. Tentei me proteger, mas a coruja dava voos rasantes e retomava a ofensiva. Saí do seu território e ela me esqueceu. Escrevi uma crônica em que ela teria declarado: “Esse cronista não entende patavina de corujas. Não sabe que as corujas só falam nos contos de Monteiro Lobato e nas fábulas de La Fontaine”.

 

As corujas são inofensivas ao homem. Só atacam em uma circunstância: se nós invadirmos o seu território e representarmos uma ameaça aos filhotes. Fazem o mesmo que qualquer outro animal. Nós também defendemos os nossos filhotes. Flagrei diversas vezes nos céus pássaros minúsculos em perseguição a tucanos, que costumam investir contra o ninho alheio.

 

Essa é uma das nossas singularidades: as corujinhas que pousam em cima dos totens de sinalização na Asa Norte. Elas estão em vários pontos de Brasília. Estabeleceram uma convivência pacífica com os brasilienses. Compõem um contraste muito interessante com a arquitetura concreta modernista. Encontraram aqui árvores, espacialidade, tocas, buracos e placas.

 

O meu sogro era um cearense bravo, agrônomo e diretor do Departamento de Podas e Jardins da Novacap. Certo dia, os netos acuaram uma cobra no sítio onde morava, próximo a Cristalina. Com mais de 90 anos, a sua voz atroou e foi avaliar a situação: “Alto lá, seus bestalhões. Essa cobra não é venenosa. Vocês matam as cobras, elas são predadoras de ratos, vão desequilibrar o meio-ambiente e provocar uma infestação de roedores”.

 

De maneira semelhante, as corujas são predadoras de cobras e escorpiões. Moro em um condomínio horizontal próximo a uma mata cerrada. À noite, sempre é possível se deparar com uma coruja buraqueira, escondida nas falhas da pavimentação. Quando percebe o farol do carro, muito perto, ela levanta voo, abruptamente, com os olhos alumiados.

 

Nos primeiros tempos, encontrei várias cobras das terríficas espécies jararaca e coral no quintal de casa ou nas ruas. Mas, agora, poucas aparecem. Estava caminhando, encontrei um adolescente morador do condomínio e perguntei a ele se tinha uma resposta. Ele permaneceu em silêncio, concentrado e tenso. Fez alguns segundos de suspense.

 

Mas quando não esperava mais nada, os olhos se acenderam e ele respondeu fulminante à minha indagação sobre a presença menos frequente das cobras: “coruja”. Vamos proteger as corujinhas porque elas também nos protegerão. A superstição de serem bichos de agouro é filha da ignorância. Coruja é proteção.

 

 

 

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