A polêmica da língua

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Valha-nos, Deus! A briga pega fogo. De um lado, o livro didático adotado pelo MEC. Ele não considera erro escrever “os livro” ou “nós pega o peixe”. De outro, os críticos. Pais, estudantes, políticos, profissionais se indignam porque têm a escola como lugar de conhecimento. Ela deve, portanto, ensinar a norma culta. Enquanto a batalha rola, vale analisar os exemplos citados. Ambos ignoram a concordância.

O que é isso? É isto: aonde os mandachuvas vão, os subordinados vão atrás. Em bom português: artigos, adjetivos e pronomes concordam com o substantivo em gênero e número (o livro, os livros; a casa, as casas; livro colorido, livros coloridos; casa colorida, casas coloridas; meu livro, meus livros; minha casa, minhas casas). O verbo concorda com o sujeito em pessoa e número — eu pego, tu pegas, ele pega, nós pegamos, vós pegais, eles pegam.

Ao dizer “os livro”, todos entendem. O mesmo ocorre com “nós pega o peixe”. A polêmica não se resume ao entende-não entende. Vai além. Trata-se da obediência ao pacto linguístico. Entre as tantas formas de falar e dizer existentes, uma sobressai. É a norma culta. Vestibulares, concursos, empresas a exigem. As demais devem ser ridicularizadas? Claro que não. Cada uma tem sua hora.   Um caso de concordância

Os exemplos do livro são pra lá de simples. Há casos mais complexos. Um deles: Comer pouco, dormir bem e praticar atividades físicas … ops! a. faz bem à saúde? b. fazem bem à saúde?  

Escolheu a letra a? Acertou. A regra: sujeitos constituídos de inifinitvos mantêm o verbo no singular. Mais amostras?

Fazer as provas e participar das atividades escolares é dever do estudante.

Pagar as contas, fazer economia e educar os filhos norteia a vida dos imigrantes que querem vencer no país que os acolhe.

Chegar, ver e vencer era o lema de Júlio César.   Olho vivo

“A gramática”, dizem os gozadores, “é um sistema de ciladas.” Ao menor descuido, pega o desavisado pelo pé. Uma armadilha tem tudo a ver com a regra anterior. Com infinitivos, o verbo vai para o plural se houver contraste entre os sujeitos:

Viver e morrer fazem parte da vida.

Trabalhar e descansar não são luxo. São necessidade.

Cair e erguer-se não humilham ninguém.   Há mais

Acabou? Não. Há mais um pormenor importante. Os sujeitos constituídos de orações desenvolvidas (com verbo conjugado) também levam o verbo para o singular: Que ele estude, progrida no emprego e chegue à direção da empresa não constitui surpresa.   Resumo da opereta

O domínio da norma culta não cai do céu nem salta do inferno. Exige estudo. A língua é como se fosse uma grande escada. Cada assunto aprendido corresponde a um degrau vencido. Quanto mais alto estivermos, mais ampla a nossa visão. Quem chega ao topo conquista a liberdade plena. Aí, entre as opções da língua, escolhe a mais adequada ao recado que quer transmitir. Língua é isto: um sistema de possibilidades. Como se inclinar por uma ou outra sem conhecê-las?