Errar é poético

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Carlos Tavares

A discussão desencadeada pelo livro Por uma vida melhor, escrito pela professora Heloísa Ramos, sobre as formas de falar e escrever o português não deixa de ser uma boa oportunidade para se rever certos ensaios da mesma ópera por autores diversos. A começar pelo personagem de Lima Barreto, que deseja impor o tupi-guarani como língua oficial em Triste fim de Policarpo Quaresma, por volta de 1911, quando foi publicado, em reação à gramática normativa da língua portuguesa.

No auge do movimento modernista, em 1924, Mário de Andrade chegou a escrever uma Gramatiquinha da fala brasileira onde seria registrado tudo do jeito que se pronunciava no dia a dia. Mas essa briga é mais antiga ainda, entre a ordem e a desordem do idioma. José de Alencar, por exemplo, escreveu: “Sinhá mandou dizer que volte tudo para casa e já. Acabou-se o passeio”. Quando o correto seria: “Sinhá mandou dizer que voltem todos para casa, e já. Acabou-se o passeio”. O

Outros que violentaram o vernáculo e chutaram as regras para o alto em célebres páginas de versos, contos e romances, foram Fernando Pessoa, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade. Por exemplo: “No meio do caminho tinha uma pedra/Tinha uma pedra no meio do caminho”. O gramático de gravata borboleta diria que o certo é assim: “No meio do caminho havia uma pedra/Havia uma pedra no meio do caminho”. Já em João Guimarães Rosa, coitado do vernáculo oficial: “Ôce fique, ôce vai”. Nonada, viver é muito perigoso!

Mas não é esse o caso da professora que assina a obra distribuída pelo Ministério da Educação nas escolas públicas. Os estatutos da linguagem literária são outros. Não se pode exigir de um escritor que ele siga à risca as normas e regras da sintaxe, da morfologia, da gramática como se estivesse compondo uma equação logorítmica.

O problema do livro de Heloísa é que ela quer transformar a discussão sobre o falar certo ou errado e escrever certo ou errado em luta de classes. Não se trata de ser pobre ou rico, não se trata de Sul e Norte, de regionalismos. Esta é uma discussão estritamente linguística, não envolve as questões gramatical ou sintática, o que a educadora propõe é uma nova versão piorada da Gramatiquinha de Mário de Andrade.