‘O franchising está mais preparado para absorver a crise’, diz Cláudia Vobeto, da ABF

Publicado em Consumidor

Comandatuba (BA) – Brasília tornou-se a porta de entrada de franquias no Centro-Oeste. O eixo Brasília-Anápolis-Goiânia vem despertando especial interesse das mais variadas marcas brasileiras, que vêem nesse trecho oportunidades de negócios. A importância da região ganha fôlego pela logística – são cidades no centro do país e que podem contribuir para a integração Norte-Sul das marcas. Assim como tem um grande potencial de consumo – seja pelo funcionalismo público de Brasília ou pelo fluxo gerado no agronegócio goiano.

Segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), a presença das franquias na região cresceu tanto em unidades, como em quantidade de marcas. Brasília e Goiânia expandiram, cada uma, em 10% o número de unidades de franquias na comparação do primeiro semestre de 2016 com 2017. Em número de lojas, 17% cada uma. Com isso, a região Centro-Oeste já é responsável por 7,4% do faturamento do franchising nacional – somente no 1º semestre deste ano, o setor já acumulou R$ 5,5 bilhões.

Em entrevista ao Correio durante a 17ª Convenção ABF do Franchising, a diretora regional da ABF, Cláudia Vobeto, fala sobre o potencial de valorização da região, das vantagens do franchising em tempos de crise e da recuperação do segmento com a melhora dos indicadores econômicos nacionais. Cláudia é dona da marca Posé, franquia do segmento de beleza e estética, que tem lojas espalhadas por todo o Brasil.

Números do setor:

7,4%
É a participação do faturamento do Centro-Oeste no setor de franquias

R$ 5,5 bilhões
Foi o faturamento no primeiro semestre de 2017 do segmento de franquias

2.123
Lojas de franquia existentes em Brasília

436
Marcas atuam em Brasília

 

Claudia defende mais integração entre franqueado e franqueador na crise
Claudia defende mais integração entre franqueado e franqueador, principalmente em período de crise econômica

 

O crescimento da presença de marcas no Centro-Oeste cresceu 20% e em Brasília, 17%, em 2017. As franquias passaram a olhar mais para essa região com a crise?

A gente vem observando uma migração do eixo Rio-São Paulo para o eixo Brasília-Goiânia e para outras capitais que têm possibilidade de exploração do mercado.

Pelos dados da ABF, Brasília é uma das cidades brasileiras em que mais houve chegada de novas marcas. A capital é uma porta de entrada do franchising na região Centro-Oeste?

Brasília é a porta de entrada, a cidade já ocupou o quarto lugar no Brasil na presença de marcas. No entanto, desde 2016, a capital passou Belo Horizonte (MG) e ficamos em 3º lugar em relação a São Paulo e Rio de Janeiro. O eixo Brasília-Goiânia-Anápolis puxa o crescimento do franchising na região. Tem o favorecimento da logística, são cidades que fica mais fácil das marcas levarem os seus produtos e atingirem outras cidades.

Em número de unidades de franquias, Brasília cresceu 10% e o Centro-Oeste, 11%, na comparação do primeiro semestre de 2016 e o de 2017. Em tempos de crise econômica, podemos dizer que esse é um número significativo?

Esse é um número muito significativo. Embora Brasília esteja depois de São Paulo e Rio de Janeiro na quantidade de unidades, é um mercado importante. Cresce na mesma velocidade que cidades como Campinas (SP), que está do lado de São Paulo, onde está a maior concentração de franqueadoras. A gente observa que o movimento é de migração para Brasília e para o Centro-Oeste das principais marcas brasileiras.

O que atrai o franchising para a região Centro-Oeste e, em especial, Brasília? O poder aquisitivo, carência de serviços e produtos…

Eu não diria carência, digo que é oportunidade. A região tem um poder de consumo muito alto, concentrado e um número pequeno de presença de marcas se você comparar com o mercado São Paulo. E Brasília é uma gigante, tem uma enorme capacidade de absorção de novas marcas. Na região Centro-Oeste e mesmo em Brasília – em que a participação é pequena – , a gente vê que o agronegócio foi o único setor que apresentou crescimento. Isso impulsiona dinheiro no mercado. A gente percebe que as empresas estão aproveitando esse momento para expandir nessa região.

A crise do funcionalismo público – falta de reajuste, congelamento de concursos públicos – atrapalha a economia de Brasília?

Embora com toda a crise, Brasília ainda tem um assalariado com salário fixo, que não muda o cenário, essa população pode se endividar porque não tem medo do desemprego.

Apesar da crise, o setor de franquias conseguiu crescer, mesmo que com fôlego menor do que anos antes de 2014. Já o varejo tradicional colecionou quedas consecutivas. Qual foi o motivo para essa diferença de comportamento dos dois segmentos?

O franchising está mais preparado para absorver a crise. Se você vai consumir de um empresário pequeno que está lutando para sobreviver, que não tem uma marca por trás, provavelmente, este comerciante não inovou. Esse comércio não está, por exemplo, apresentando uma capacidade de ter programas de desconto, de bonificação para o cliente… Então ele está ali capengando. Enquanto no franchising a gente não vê isso.

O tempo de reação do franchising em relação a crise é mais rápido do que o varejo tradicional?

Muito mais rápido. O franchising está pautado na inovação. Se você observar, o franchising está trabalhando antes dos fatos. Quer um exemplo? A expansão de lojas no interior do Brasil. Antes de falar em crise, a gente já estava trabalhando com interiorização. O setor está sempre pensando novos modelos de negócios. Na nossa rede, por exemplo, começamos a implantar em 2014 novas modelagens que pudessem absorver uma demanda diferenciada no interior porque as capitais não tinham mais capacidade de expandir e levar para shopping era caro. Então, o que a gente fez? Criou negócios menores e que estão absorvendo uma demanda que estava reprimida porque não tinha quem oferecesse o serviço.

Os franqueados, que estão na rua, acabam sentindo a crise mais na ponta. Como está sendo para o franqueador manter os negócios de seus parceiros saudáveis?

O primeiro fator é que a nossa capacidade de negociação pelo volume das redes é maior com os nossos fornecedores do que em um comércio menor. Nós fizemos isso na nossa rede. Por exemplo, o nosso principal produto, que é a cera depilatória, nós oferecíamos, no início de 2016, a saca de 25 kg por R$ 487. A primeira atitude que a gente teve quando começou a ver indícios de problema financeiro no franqueado, foi chamar o fabricante e falar: “meu amigo, é o seguinte: você tem que garantir um desconto por um ano para o meu franqueado”. Aí conseguimos uma redução para R$ 250. O fornecedor trabalhou sem margem, mas manteve uma rede saudável, que agora tem fôlego para retomar as negociações e vender melhor, retomando o lucro que ele perdeu lá trás. Então, esse é um fator importante, a agilidade que a gente tem de identificar o problema.

Uma outra coisa que as redes vêm fazendo muito: elas estão procurando cada vez mais uma interação com o negócio do franqueado -não uma ingerência.

Então, com as crise, as redes passaram a ficar mais presentes no dia a dia do seus franqueados?

Isso. É preciso avaliar o demonstrativo de resultados (lucro) com o seu franqueado. A gente não observa somente se ele fatura bem, você pode ter um franqueado que está faturando R$ 100 mil e não consegue ter um resultado de R$ 5 mil. E você pode ter um franqueado que fatura R$ 30 mil e está tirando R$ 10 mil de lucro. É fundamental a gente olhar para a gestão do nosso franqueado, saber se ele está fazendo um bom trabalho. Se ele não faz, é o momento que a gente tem que interagir. As redes estão fazendo isso de forma automática…

Seria uma intervenção mais contínua…

Não chega a ser uma intervenção do franqueador no trabalho do franqueado… É dar o choque, para ele entender o que é importante. Hoje a gente vê um movimento interessante: o franqueado já nasce se qualificando. Muitas redes fazem programa de capacitação antecipado. Então, ao analisar o perfil, ele avalia se você tem mais habilidade operacional, mais habilidade de comunicação com o cliente, mais habilidade comercial, etc. Em seguida, a marca passa a desenvolver o franqueado nas fraquezas.

Essa interação não existia antes da crise?

Existe uma importância de se trabalhar junto. Por muito tempo se funcionou assim: um franqueado com expectativa alta demais e um franqueador buscando, sozinho, ter uma marca muito forte que fizesse que ele vendesse bem lá na ponta. Hoje não. Existem dois papéis bem claros: o franqueador cuidando da marca, cuidando do negócio em si, das negociações com os seus fornecedores e um franqueado que precisa ser barriga de balcão, que precisa estar todo dia a frente do negócio fazendo a gestão adequada. Dentro do franchising se qualifica muito também. Dificilmente uma franqueadora de qualidade dá a marca para uma pessoa que não tem capacidade.

A gente observa um movimento de desemprego, de Programas de Demissões Voluntárias em empresas públicas e privadas. O setor de franquias pode ser uma opção para esse grupo que tem dinheiro das rescisões e quer uma nova oportunidade de trabalho?

Existem perfis que podem empreender, que tem capacidade de aprender a ser um empreendedor. Agora, existem perfis que, quando mapeia, a gente identifica que aquela pessoa não nasceu pra isso. A própria franquia vai fazer a seleção e ajudar nesse processo. A gente tem hoje na ABF algumas ferramentas oferecidas pelo Sebrae. Além disso, a gente faz cursos, faz testes para ver se o futuro empreendedor tem essa capacidade.

Existe algum perfil mais adequado?

Geralmente se destacam aquelas pessoas que conseguem conviver com o instável. A pessoa não sai mais do seu trabalho sexta-feira 17h, fecha a porta, vai pra casa e o seu salário está garantido. É ela quem vai fazer o seu salário. Do outro lado, esse desafio de ter que correr atrás, possibilita que pessoas às vezes reprimidas dentro das empresas tradicionais mostrem o seu potencial. No plano público, dificilmente ela consegue desenvolver muitos projetos durante o trabalho dela. Muitas vezes ela tem uma capacidade grande e ali ela fica tolhida por um sistema, por toda uma dificuldade de burocracia das grandes empresas ou até do setor público e não consegue ir pra frente. E quando ela se torna empreendedora, põe as asas para fora: tem oportunidade de fazer o salário dela.

Tem algum segredo para se tornar um franqueado de sucesso?

A maioria das pessoas quando se tornam empreendedoras passam a absorver o negócio como parte da sua vida. Elas têm sucesso quando dizem “isso vai mudar a minha vida”, não quando dizem “isso é um bom negócio e eu vou ter bons lucros” porque ninguém consegue viver por muitos anos só com o lucro. As pessoas buscam coisas que têm afinidade.

A franquia passa essa ideia de segurança para quem está pensando em empreender pela primeira vez…

O franqueador precisa mapear no perfil do interessado se ele tem o perfil empreendedor e quais são as habilidades e competências necessárias para tocar aquele negócio. Não basta querer abrir um negócio, é preciso ter capacitação e afinidade com o mercado. Imagina uma pessoa fazer negócio de comida japonesa se ela gosta é de moda? Não adianta, não vai dar certo.

E a marca pode fazer esse alerta?

Sim. As marcas falam.

Glossário

Franqueador: É a empresa que detém a marca. Ela cede ao franqueado a autorização para explorar o modelo de negócio, a tecnologia e repassa uma série de informações estratégicas sobre a marca. Também é responsável por buscar aprimorar constantemente o negócio e por repassar conhecimento e treinamento à rede de franquias.

Franqueado: É a pessoa que adquire uma franquia e adota um modelo de negócio já estabelecido, buscando, com isso, obter renda e lucro. É quem fica na “ponta” do sistema, fazendo o negócio acontecer, gerindo, operando e implantando a franquia. Para obter a licença da marca, ele deve pagar uma taxa de franquia e também pagar um percentual do faturamento sob a forma de royalties, que servem para serem reinvestidos na manutenção e perpetuação da rede.

* A repórter viajou a convite da ABF