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O peso das Forças Armadas no Orçamento federal

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) resolve passear de tanque blindado por Brasília justamente no dia em que o Congresso Nacional deverá votar o projeto de lei do voto impresso, é bom lembrar o quanto as Forças Armadas pesam no Orçamento da União.

O novo compromisso na agenda de Bolsonaro foi nesta segunda-feira (09/08) pelo Palácio do Planalto, informando que amanhã (10) de manhã, um comboio com veículos blindados, armamentos e outros meios da Força de Fuzileiros da Esquadra, que partiu do Rio de Janeiro, passará por Brasília, a caminho do Campo de Instrução de Formosa (CIF), não deixa de ser curioso em meio à discussão do Orçamento curto que está em debate pela Esplanada dos Ministérios.

Vale lembrar que os gastos do Ministério da Defesa são predominantemente com pessoal e essa despesa não para de crescer e consome quase todo a previsão de gastos da pasta, superando a casa de 80%. E, para piorar, as Forças Armadas ainda pleiteiam um orçamento de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), o que implicaria em um aumento de 0,6 ponto percentual do PIB sobre os gastos de 2020, o que representaria uma fatura anual adiciona de R$ 51,8 bilhões.

Essa proposta, que faz parte do Plano Estratégico Setorial da Defesa, que, se aprovado pelos parlamentares, vai disputar os recursos do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que está sendo elaborado pelo Ministério da Economia e que precisa ser concluído até o fim deste mês. Aliás, o Orçamento já não tem espaço para o novo Bolsa Família e o pagamento dos precatórios e o malabarismo contábil desesperado está correndo solto e a criatividade do governo está esbarrando em pedaladas fiscais.

Conforme dados da Associação Contas Abertas levantados junto ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), o orçamento autorizado para a Defesa neste ano foi de R$ 115 bilhões autorizados e 86,2% (R$ 99,1 bilhões) é a previsão para os gastos com pessoal. Em 2019, esse percentual foi menor: 72% dos desembolsos da pasta, somando R$ 80,8 bilhões dos R$ 112 bilhões pagos. E, no ano passado, o gasto com pessoal subiu para 77,9%, para R$ 86,4 bilhões dos R$ 110,8 bilhões efetivamente pagos pela pasta.

Considerando os valores de 2021 até o último dia 18, os gastos com pessoal e aposentadorias responderam por 82,3% dos R$ 52,9 bilhões em despesas pagas pela Defesa. Os investimentos somaram R$ 2,8 bilhões, o equivalente a 5,3% dos pagamentos da pasta.

O especialista na área de Defesa Marcos José Barbieri Ferreira, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembra que as diretrizes dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que são mais militarizados, são de um orçamento para a Defesa em torno de 2% do PIB e cerca de 20% desse montante são destinados para investimentos. No Brasil, isso não acontece e os investimentos são, na verdade, a variável de ajuste, porque, devido ao enorme peso das despesas com pessoal e aposentadorias e pensões, que representam cerca de 30%, pelas estimativas de Ferreira.

Logo, esses dados refletem as discrepâncias dos gastos com a Defesa do governo brasileiro que precisam ser melhor alocados em vez de ampliados. Vale lembrar que os privilégios dos militares aumentaram na gestão de Bolsonaro. Além de ficarem fora do grosso da reforma da Previdência em 2019, os militares foram a única categoria que teve reajuste nos últimos dois anos. Enquanto isso, os rendimentos do funcionalismo civil foram congelados como moeda de troca para a aprovação do Orçamento de Guerra contra a pandemia da covid-19. Aliás, a presença de militares em um governo civil nunca foi tão expressiva desde a redemocratização e muitos deles estão envolvidos em escândalos de corrupção que estão sendo revelados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado Federal ao ponto do presidente da Comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM), fazer a declaração sobre o lado podre dos militares que provocou a reação dura do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que era o coordenador do governo federal das ações no combate à covid-19 quando era ministro-chefe da Casa Civil, e foi vista como forma de intimidação do Senado por Aziz.

De acordo com dados do Tribunal de Contas da União (TCU) de julho no ano passado, houve um aumento de 122,7% no número de oficiais das Forças Armadas em cargos do Executivo na gestão de Bolsonaro. O contingente passou de 2.765, em 2018, para 6.157, em 2020. Esse aumento desproporcional da presença de militares no governo chama a atenção de acadêmicos, porque vai na contramão de democracias consolidadas que não costumam ter tantos militares em cargos civis. Especialistas, inclusive, defendem que esse assunto também precisa ser debatido pela sociedade, que precisa ser consultada se concordam com os investimentos que são escolhidos sem um plebiscito, na contramão da transparência.

Uma das principais críticas é o Plano Estratégico Setorial do Ministério da Defesa, que foi enviado ao Congresso no ano passado, que prevê a vinculação de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) para as Forças Armadas. Apesar de fontes próximas aos militares reclamarem do sucateamento das frotas e armamentos, não há um detalhamento claro de como esses recursos seriam efetivamente aplicados. “É preocupante pensar que esse aumento de despesas com a Defesa pode ser direcionado para gastos com pessoal, aposentadorias e pensões, que consomem quase todo o orçamento da pasta” alerta Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas.

Ferreira, da Unicamp, reconhece que as limitações atuais do Orçamento não dão espaço para esse aumento nas despesas com Defesa para 2% do PIB, especialmente, porque a prioridade do momento é o combate à pandemia.  “Existe uma oportunidade para que o debate amplo de que Forças Armadas a sociedade brasileira quer seja feito, como ocorre na Suíça, onde o governo faz plebiscito para compra de equipamentos e renovação de frota, por exemplo”, aconselha.

Procurado, o Ministério da Defesa, garante que “tal ampliação não pressupõe novos aumentos de gastos com pessoal” e sim em “investimentos estratégicos”. “Cabe ressaltar que tal patamar tem o intuito de atender ao aprestamento do contingente militar, a manutenção das mais de 1.600 organizações militares (OM) em todo o território nacional, a manutenção/operação de meios e armamentos militares e o cumprimento de compromissos contratuais de projetos estratégicos firmados, além da modernização e obtenção de novos meios militares, a fim de permitir o cumprimento das missões constitucional e subsidiárias das Forças Armadas”, informa o órgão, por meio de nota.

A Defesa ainda diz que os investimentos em Projetos Estratégicos “são fatores relevantes para o desenvolvimento e o progresso do Estado brasileiro” e ser um instrumento “eficaz e efetivo” para contribuir com a economia doméstica, garantindo empregos e renda em diversos setores da economia e fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação. “Ademais, esses investimentos são necessários para garantir a manutenção da soberania nacional”, reforça a pasta.

Na avaliação de Castello Branco, no entanto, esse compromisso de que o aumento das despesas da pasta não será destinado para incrementar a folha de salários precisará ficar muito claro. “Caso o Congresso aprove esse Plano Estratégico, é  preciso mais transparência sobre em que tipo de investimento esses recursos serão aplicados e em que período, porque nem mesmo países desenvolvidos, como a Alemanha, gastam 2% do PIB com Defesa”, reforça o especialista em contas públicas. “Neste momento de pandemia não há nenhum motivo para justificar gastos com Defesa mais elevados”, acrescenta.

De acordo com o cientista político norte-americano David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), essa polêmica sobre ameaças à democracia envolvendo o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, fazendo pressões sobre o Congresso para aprovar o voto impresso conforme denúncia do jornal O Estado de São Paulo, pode enterrar qualquer chance de articulação do ministro ou dos militares para a aprovação desses 2% PIB no Orçamento de 2022. Para o brasilianista, esse episódio mostra Braga Netto se mostrou um péssimo articulador, “para o bem das contas públicas”.  “Depois desse episódio, dificilmente haverá argumento para o aumento de gastos nessa proporção”, conclui.

“Fantasia”

Castello Branco, inclusive, classifica essa meta de 2% do PIB como uma “fantasia” dos militares e defende mais transparência e um maior debate para evitar que esses recursos adicionais, se forem aprovados, sejam direcionados apenas para ampliar gastos com pessoal em vez de  investimentos efetivos. “O bolo é pequeno e, atualmente, a Defesa não é prioridade. E, para aumentar os gastos da pasta será preciso reduzir alguma outra despesa. E, nesse sentido, é necessário tomar cuidado para que, se aprovado, esses recursos sejam destinados a investimentos e não para gasto com pessoal, que é a despesa que vem aumentando na pasta”, reforça Ferreira, professor da Unicamp.

Conforme dados do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), os gastos do Brasil com a Defesa entre 2020 e 2021 ficou em 1,4%, mesmo percentual da Alemanha. Os desembolsos do Brasil com a Defesa em 2020 somou US$ 19,7 bilhões, o que fez o país passar da 13ª para a 15ª posição no ranking das 40 economias com os maiores gastos militares no mundo.

Esse montante é próximo ao orçamento militar de Israel (de US$ 21 bilhões, que vive em clima de guerra constante devido ao conflito eterno com os palestinos). Em proporção ao PIB, o Brasil chega a gastar mais do que o Japão, que dispensa 1% de toda a riqueza produzida pelo país asiático sede dos jogos olímpicos.

Procurado, o Ministério da Economia, que está preparando a proposta do PLOA de 2022 para enviar ao Congresso no fim de agosto, preferiu não comentar sobre a proposta do Plano Estratégico da Defesa.