O excesso de confiança do mercado em relação ao governo é um perigo

Publicado em Economia

Apesar das incertezas políticas que deixam Brasília em estado de alerta, os investidores estão apostando todas as fichas que o governo de Michel Temer sobreviverá até o seu final e conseguirá aprovar, mesmo com algum atraso, as reformas trabalhista e da Previdência Social. A confiança é tanta que os analistas já estão projetando que o Ibovespa, índice que mede a lucratividade das ações mais negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), encerrará este ano entre 90 mil e 100 mil pontos. Isso significa dizer que, em relação ao fechamento de ontem (66.968 pontos), o Ibovespa pode subir até 50%.

 

A visão dos investidores é clara: independentemente de o presidente Michel Temer ter de entregar a cabeça de aliados importantes por causa de denúncias da Lava-Jato, a base de apoio dele no Congresso continuará forte o suficiente para sacramentar mudanças importantes nas legislações trabalhista e previdenciária. A perspectiva é de que, a despeito das polêmicas, as votações das duas reformas sejam finalizadas até o fim do primeiro semestre, permitindo uma queda mais forte da taxa básica de juros (Selic). Nesse contexto, ativos reais, como ações, terão forte valorização.

 

Os donos do dinheiro são pragmáticos e não estão preocupados com as críticas de que o governo está jogando pesado para abafar a Lava-Jato. Eles reconhecem que as últimas movimentações do Planalto, sobretudo a que tem como objetivo colocar Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF), aumentaram o poder daqueles que querem conter o andamento da operação que desvendou a roubalheira na Petrobras. Alguns investidores dizem, inclusive, que a Lava-Jato já cumpriu seu papel.

 

Margem de segurança

 

O governo sabe, porém, que não será fácil enfraquecer a Lava-Jato. E, para tentar conter o estrago na sua imagem, o presidente anunciou que afastará todos os ministros cujas denúncias forem acatadas pela Justiça. Como entre o início das investigações e a transformação de um acusado em réu leva-se, em média um ano e meio, os ministros de Temer não correrão muito risco de perderem os cargos, já que o prazo de validade da atual administração não chega a dois anos. Moreira Franco, portanto, salvo novas liminares, está preservado na Secretaria-Geral da Presidência.

 

Na avaliação de Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Corretora, os investidores estão minimizando, inclusive, as delações da Odebrecht, que, até bem pouco tempo, muitos viam como um risco enorme de implosão do governo Temer. “O foco do mercado está nas reformas trabalhista e da Previdência. Se elas passarem no Congresso ainda no primeiro semestre do ano, estará consolidada a força política do governo. Veremos, então, a bolsa de valores em disparada”, ressalta. Pelos cálculos dele, se não houver nenhum terremoto político, o Ibovespa irá para os 90 mil pontos até o fim do ano.

 

Historicamente, o mercado de ações costuma antecipar movimentos da economia, sejam para o bem ou para mal. No caso, os investidores estão incorporando ao Ibovespa a certeza de que, com o apoio no Congresso fortalecido, o governo passará as reformas que terão papel importante para reduzir o desemprego e permitir ao país fazer um ajuste fiscal consistente. Sem os ajustes na Previdência, de nada adiantará a fixação de um teto para os gastos públicos, a primeira das etapas para a arrumação das contas públicas.

 

Risco de relaxamento

 

Silveira lembra que o ajuste fiscal é vital para que o Banco Central possa continuar cortando as taxas de juros. O mercado, por sinal, já está vendo a inflação deste ano abaixo da meta, de 4,5%, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) — a projeção é de um índice de 4,47%. Assim como o Ibovespa incorpora a aprovação das reformas, as expectativas de inflação, também. “Tudo isso está baseado na confiança de que o governo não será abatido por uma crise política. Ou seja, sobreviverá à Lava-Jato”, destaca.

 

O excesso de otimismo do mercado é visto com cautela pela equipe econômica. A preocupação é de que o Palácio do Planalto acredite que todas as batalhas foram vencidas e opte por seguir por caminhos nada ortodoxos. “Cautela sempre é bom. Ainda estamos no início da reconstrução do país. Qualquer relaxamento agora, inclusive na política, pode custar caro”, ressalta um graduado servidor da Esplanada.

 

Um ministro com trânsito no Planalto acrescenta: “O fato de o presidente Temer ter delimitado uma margem de segurança em relação à Lava-Jato é bom. Ao mesmo tempo que dá uma resposta à opinião pública, de que não protegerá ninguém, mostra aos aliados que não os jogará aos leões diante das primeiras denúncias. Isso mantém a base aliada fortalecida no Congresso, algo muito importante para a aprovação das reformas que o mercado tanto espera”, conclui.

 

Brasília, 07h30min