NA SALA DE GÁS

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A presidente Dilma Rousseff desembarcou na Rússia, mas deixou um rastilho de pólvora no Brasil. Ao chamar para si a discussão sobre se continuará ou não poder, agigantou a crise política que está matando a economia. No mercado financeiro, as declarações da petista à Folha de S.Paulo — “eu não vou cair” — só fizeram aumentar a desconfiança sobre os rumos da atual administração, que, neste momento, deveria estar fortalecida o suficiente para tocar um forte processo de ajuste fiscal e de combate à inflação por meio da alta de juros.

A imagem mais usada ontem pelos analistas para resumir a crise política foi a de que o Brasil se transformou em uma sala cheia de gás, um ambiente propenso a sérios acidentes. A pergunta que todos fazem é se, antes de as janelas serem abertas para limpar o ambiente, alguém acenderá a fagulha que levará tudo pelos ares. O clima de desconfiança se acentuou tanto que o risco de Dilma renunciar ou ser impedida de continuar no comando do país se tornou real. Deixou de ser especulação contida em relatórios confidenciais que circulam pelas mesas de operação de bancos.

Pelos cálculos de Christopher Garman, analista político da Eurasia Group, as chances de Dilma não terminar o mandato já são de 30%. Ele ressalta que, muito provavelmente, o governo sofrerá sérios revezes políticos nos próximos seis ou oito meses, prejudicando a arrumação das contas públicas prometidas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. No entender do especialista, a Operação Lava-Jato, que desbaratou a quadrilha que assaltava a Petrobras, é a maior ameaça ao mandato da petista.

A crise política que mina a cadeira presidencial fez com que o risco Brasil, medido pelo Credit Default Swap (CDS), espécie de seguro usado pelo investidores, voltasse a subir e descolasse de vez dos índices de países latinos que ostentam, como a economia brasileira, o selo de bom pagador (investment grade). A taxa do país alcançou 270 pontos ontem contra 182 da Colômbia, 136 do México, 146 do Peru e 96 do Chile.

No entender dos donos do dinheiro que circula pelo mundo, mesmo pagando os maiores juros do planeta (13,75% ao ano), o Brasil está numa situação para lá de complicada, com a economia mergulhada numa severa recessão e a possibilidade de a presidente da República perder o mandato. Como bem ressalta o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, maio e junho foram meses terríveis para o país e o terceiro trimestre começou sem sinais de estabilização. A piora vai continuar firme e forte.

Desespero

Nesse quadro desesperador da economia, a fatura recairá, sobretudo, sobre os menos favorecidos. Indicadores de posse do governo mostram que a desigualdade social voltou a aumentar com força desde o início deste ano, por causa da perversa combinação de inflação alta com desemprego. A tal nova classe média, composta por quase 50 milhões de pessoas que se aproveitaram do expressivo crescimento da economia entre 2004 e 2010, está começando a ruir. É aí que mora o maior problema para Dilma.

Vendo o poder de compra cair e parte das conquistas se perderem, essa nova classe média, que é bastante pragmática, ampliará as cobranças sobre a presidente, que, pelo contexto atual, terá quase nada a entregar. Os programas sociais mantidos pelo governo não explicam o grosso da ascensão social dos últimos anos. Esse movimento foi sustentado pela inflação muito próxima do centro da meta, de 4,5%, e o crescimento médio de 4% ao ano do Produto Interno Bruto (PIB).

Desde 2011, contudo, o nível da atividade só faz afundar, a inflação disparou, mirando os 10%, e o setor público está longe de garantir bons serviços à população. Quando se olha para a frente, não há perspectiva de retomada do crescimento tão cedo. Na melhor das hipóteses, o PIB só voltará a se expandir próximo de 2% em 2018, o último ano do mandato garantido pelas urnas a Dilma.

Diante de tais perspectivas, não foi por acaso que, ao ser questionado recentemente por um grupo de economistas se as medidas tomadas pelo governo até agora nas áreas fiscal e monetária darão certo, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Tarcísio Godoy, respondeu: “Tudo o que estamos fazendo é para evitar o rebaixamento do Brasil pelas agências de risco e para conter a inflação. Se vai dar certo, eu não sei. Mas vamos focar no que conseguimos ter controle”.

Nos dois dias em que permanecerá na Rússia, Dilma poderá respirar outros ares, tratar que temas bem mais agradáveis com os líderes da China, da Índia e África do Sul, países que, com o anfitrião do encontro e o Brasil, formam o Brics. Mas o movimento para lhe minar a caminhada quando retornar ao Palácio do Planalto está forte. A oposição mais organizada, a popularidade no chão, a base aliada esfacelada e a economia em frangalhos aumentarão a pressão sobre a sala de gás da qual pode vir o pior.

Constrangimento entre servidores

» Causou constrangimento ontem a decisão de Sérgio Mendonça, nomeado pelo Ministério do Planejamento para negociar aumento de salários com servidores, de acatar pedido do secretário-geral de Relações Exteriores do Itamaraty, SérgioDanese, de negociar em separado o reajuste com os diplomatas.

Rebelião de diplomatas

» Em assembleia dos funcionários do Itamaraty, havia vencido a posição de aceitar a proposta de aumento de 21,3% feita pelo governo. Mas, contrários à decisão, os diplomatas decidiram romper com os oficiais e os assistentes de chancelaria. E pressionaram para negociar o reajuste em separado.

Prevaleceu o prestígio

» A divisão entre os servidores do Itamaraty foi parar na Justiça. Os diplomatas conseguiram uma liminar para anular a assembleia que beneficiaria o governo. Mesmo assim, Mendonça se curvou ao prestígio dos diplomatas.

Brasília, 00h01min