ANA DUBEUX
ANA MARIA CAMPOS
LEONARDO CAVALCANTI
RENATO SOUZA
Assim que o nome do delegado Fernando Segóvia foi anunciado como o novo diretor-geral da Polícia Federal (PF), surgiram as especulações sobre os motivos da escolha do presidente Michel Temer para a função estratégica na condução das investigações da Operação Lava-Jato. A troca desperta rumores porque justamente o presidente Temer e vários peemedebistas estão entre os alvos de investigações de desvios milionários. Segóvia nega vinculações políticas, promete aprofundar o combate à corrupção e garante que o tempo será a resposta a essas dúvidas.
Mas ele adota um tom afinado com o que pensa Temer em relação a seu principal algoz, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Em entrevista ao Correio, diz que a investigação que levou à denúncia contra Temer, no caso JBS, foi açodada e poderia ter sido muito mais bem-feita com tempo e sem vazamentos.
Segóvia critica vaidades de procuradores, mas não quer briga com o MP. Pelo contrário. Defende união no trabalho com a equipe da procuradora-geral atual, Raquel Dodge, com quem já se reuniu. O novo diretor-geral da PF, aliás, também está em sintonia com uma outra diretriz de Dodge, a de que os órgãos de fiscalização devem se dedicar aos casos de corrupção, sem se descuidar dos demais temas da segurança pública, que estariam renegados em tempos de Lava-Jato.
O que muda na sua gestão?
Na troca de diretorias, coloquei pelo menos dois delegados da geração de 2001, ou seja, que ingressaram naquele ano. Agora estamos tentando colocar mais mulheres nos cargos de diretoria. Mas percebi que não houve preparação delas ao longo dos anos. São mulheres supercapacitadas, mas que não tiveram acesso aos cargos de gestão. Temos a proposta do empoderamento feminino na Polícia Federal. A última informação que eu tive é que o número de delegadas representa 20% do efetivo atual.
Todas as diretorias e superintendências serão trocadas?
Não. Estamos avaliando uma a uma. Existe uma questão fundamental, que é a proposta de trabalho. A afinidade com o programa que vamos implementar no Brasil, nas mudanças, é muito importante. Principalmente de filosofia de trabalho. E é lógico que vem a questão da confiabilidade. É um cargo de absoluta confiança. Dependendo do que ocorrer na superintendência regional, pode representar até a queda do diretor-geral. Então, tem que estar alinhado com a filosofia nova, com a perspectiva que a gente vai dar. A cerimônia de transmissão do cargo será na segunda-feira pela manhã. Então, segunda à tarde e terça-feira serão de reuniões com os superintendentes regionais.
O que muda em relação à filosofia anterior?
Na verdade, são diretrizes que vamos tentar implementar dentro da PF. A polícia está um pouco desfocada. E qual seria essa falta de foco? Essa miopia dentro da segurança pública como um todo. A gente está olhando muito para baixo. Quando se fala em combate ao tráfico de armas, estamos lá em baixo, olhando para o fuzil com o traficante do Rio de Janeiro. O ministro da Justiça pediu que a gente implementasse o combate ao crime transnacional, que é o grande problema no Brasil. As últimas políticas eram voltadas para problemas mais caseiros, sem uma visão mais ampla de segurança pública.
Como assim?
Se hoje você perguntar sobre segurança pública para 100 brasileiros, todos vão dizer que é um problema. É uma área no país que está de mal a pior. Então, se a gente não criar parcerias com as polícias militares, polícias civis, fizer escritórios de força-tarefa, como vamos implementar agora no Rio de Janeiro, ficará difícil. Será criada uma força-tarefa federal, para, aí sim, criar um ambiente para enfrentar o problema em cada um dos estados. Uma ótica federal em que a gente teria uma parceria com o Ministério Público nos crimes federais e com o MP estadual nos crimes estaduais.
O ministro da Justiça falou de corrupção na polícia do Rio de Janeiro. Concorda com as afirmações dele?
Olha, eu acho que existem problemas na segurança pública no país inteiro. A questão de corrupção dentro da polícia é fato. É algo que está sendo combatido pelas corregedorias. As corregedorias funcionam. Algumas mais fortes, outras mais enfraquecidas. Dentro da Polícia Federal, é um pilar. Ao longo desses últimos 20 anos, isso tem dado todo um diferencial no nosso trabalho. Quando você não tem corregedoria forte, a corrupção e a quebra de hierarquia começam a se instalar.
A corregedoria é a única direção que tem mandato efetivo. O corregedor será trocado?
Não. Conversei com o atual corregedor. O que está no cargo atualmente é excelente. Ele concordou em permanecer no cargo.
A estrutura da Lava-Jato será alterada?
A estrutura da operação vai se manter. Algumas pessoas podem ser substituídas por questão de confiabilidade e questão de alinhamento com o pensamento que vamos implementar nessas operações. Nós precisamos hoje ampliar as investigações de combate à corrupção. Mas isso será feito em conjunto com o Ministério Público Federal. A reunião que tive com a doutora Raquel Dodge, que durou mais de três horas, foi justamente para a gente alinhar alguns pensamentos iniciais. Na verdade, era uma visita da cortesia, um café, um aperto de mão, que acabou se tornando uma reunião de trabalho por conta dos temas palpitantes.
Na era Janot, a Polícia Federal manteve uma relação conflituosa com o MP nas investigações que tramitavam no STF?
Sim, totalmente conflituosa. Esse conflito cria problemas para as investigações. Essa parceria tem que ser afinada a tal ponto que os dois, que são os pilares dessa investigação preliminar, trabalhem em conjunto. Despindo-se da vaidade, de alguns problemas até interpessoais e pensando no público. No momento em que você para, afasta essa questão da vaidade e realmente entra na atuação profissional, o trabalho flui.
O Janot é vaidoso?
Não sei. Só sei que ele aparecia muito na mídia e dava a impressão de que queria realmente aparecer. Agora se ele é vaidoso ou não…
Mas não era importante que a liderança do MP mostrasse ao país o que estava ocorrendo?
Era importante, sim, se houvesse investigações concluídas. Eu acredito que houve uma certa pressa ao se encerrar algumas investigações. E a gente conclui isso de uma maneira bem simples. Só de observar, mesmo não estando dentro da investigação. Para quem tem 20 anos de polícia, como eu que dou aula dentro da Academia Nacional de Polícia. Alguns fatos chamam bastante atenção.
Que fatos são esses?
Por exemplo, no dia do anúncio, em que a Rede Globo expõe ao país as vísceras da investigação, que era numa quarta-feira, você vê que o Wesley e o Joesley saem do Brasil na segunda-feira, dois dias antes, aplicando dinheiro, fazendo negociatas do mercado… Para quem foi realmente arrumada essa data dessa operação? A quem interessava tanto você colocar uma data tão exata para que tudo isso fosse engendrado dessa tal maneira?
Precisava continuar?
Lógico. Eu acredito que uma investigação, especialmente essa, da maneira como estava sendo conduzida… Era uma única mala. A primeira das malas, sem rastreador. Se fosse uma investigação da Polícia Federal, sem interferência nenhuma, eu garanto que não seria uma investigação de um mês, com uma única mala.
Mas a impressão que passa é de que quem vazou foi o próprio Joesley…
Mas este tipo de vazamento pode anular uma delação. Existem hoje ministros do STF que dizem que se houver, pode ser anulado. As pessoas perguntam se a PF está blindada. E está, pois é garantido o sigilo do inquérito. Se mantiver o sigilo das investigações, a PF continuará blindada e era isso que deveria ter acontecido.
Qual foi o motivo desse açodamento que o senhor aponta?
Exatamente o que ocorreu, não tenho informações. Mas com toda estranheza do mundo, uma operação foi realizada de forma rápida, precipitadamente. Em uma rapidez que seria incomum para uma investigação dessa natureza, com esse tipo de sensibilidade, do qual o senhor Joesley sabia as datas. Ele sabia porque investiu (no mercado de valores). Você vê que existe uma precipitação, um jogo todo está ali por trás, que está havendo alguma coisa que não era natural.
Até que ponto isso não era natural? Essas declarações são gravíssimas…
Não é uma declaração. São os fatos que aconteceram. Estou falando de fatos que aconteceram que têm que ser investigados. O Brasil tem que ser passado a limpo, ele todo. Não é uma questão de uma pessoa ou outra. Não é porque o doutor Janot fez ações em prol do país, que estavam certas, eram um momento político delicado e que precisavam ser feitas. Mas eu acredito que ele tem que esclarecer esses fatos também. O acusador tem que ser transparente, mais do que todos.
“O Brasil tem que ser passado a limpo, ele todo”
O procurador Marcelo Miller saiu do Ministério Público e foi trabalhar em um acordo de delação premiada da JBS. O senhor acha que isso contaminou o trabalho do procurador-geral?
Olha, as ações da procuradoria também precisam ser verificadas. Há investigações sendo feitas agora e tudo isso vai aparecer futuramente. Neste exato momento, prefiro aguardar as investigações porque não gosto de fazer especulações.
O presidente Michel Temer especulou que o procurador-geral Janot teria recebido dinheiro. Quando o senhor foi convidado, houve um pedido para que isso seja investigado?
Eu acredito que o presidente queira soluções para todos os casos. O brasileiro quer que todos esses fatos sejam esclarecidos. O presidente não me perguntou sobre esse assunto. Falamos de outros fatos, sobre segurança pública, sobre uma polícia forte e republicana. O principal papel da Polícia Federal é não ter nenhum tipo de atuação política. Qualquer desvirtuamento de uma investigação, para qualquer lado que seja, é perigoso para a democracia e perigoso para o país. Esse foi o teor da conversa com o presidente Michel Temer. Ele disse que nós precisamos reestruturar a Polícia Federal e colocá-la nos trilhos da constitucionalidade e da legalidade, sempre com foco na busca da verdade real. E é isso que vamos fazer, doa em quem doer.
Na última gestão, não era assim?
Foi um pedido que ele fez acreditando que essa é a Polícia Federal de que o Brasil precisa. Nós não trabalhamos com fatos e ilações. Todos os fatos que vierem e suscitarem investigações para qualquer tipo de desvio serão apurados. Se chegar a notícia de influências políticas, nós vamos apurar. Nós temos muito trabalho a ser feito. Nós temos tráfico de armas no país, temos tráfico de drogas, temos ameaças terroristas no mundo inteiro. Nós temos que nos preparar para coisas maiores. A corrupção é um problema gigantesco que temos que enfrentar. Mas não vamos correr atrás de suposições, de teorias de conspiração.
A Polícia Federal tem estrutura para todas essas ações atualmente? Precisa de mais gente?
Quanto mais gente tiver, melhor. Desde quando eu era superintendente, caminhamos com objetivos claros e dentro da capacidade de trabalho. É impossível combater todos os crimes com 11 mil homens. Temos que cuidar de diversas áreas, fora as atividades administrativas, como passaporte e segurança privada.
“A corrupção é um problema gigantesco que temos que enfrentar. Mas não vamos correr atrás de suposições, de teorias de conspiração”
Na Lava-Jato, os delegados e agentes reclamavam que estavam sem condições de pagar diárias para viagens das investigações. Isso vai ser resolvido?
Na verdade, a PF não tem esse problema. Na reunião de transição, foi passado que o orçamento para este ano está resolvido e para o ano que vem, já foi recomposto.
Então isso é alguma pressão de grupos dentro da PF?
Acredito que seja alguém querendo desestabilizar de alguma maneira a relação entre a Polícia Federal e o governo federal. A nossa transparência com o Ministério da Justiça e com a Presidência da República será a maior possível. Eu até cheguei a fazer uma declaração de que precisamos de concurso público. Temos um deficit dentro da corporação e seria necessário contratar mais para melhorar nossa capacidade. Tem pessoal nosso que está na fronteira há mais de cinco anos, algo que é muito desgastante.
E esse pedido será atendido?
Ele disse que pensaria. É um bom sinal, pois abrimos um canal de diálogo.
No Rio de Janeiro, vemos o ex-governador Sérgio Cabral preso e agora a operação da PF contra membros da Assembleia Legislativa. Muita gente acredita que as afirmações do ministro da Justiça, Torquato Jardim, são reais. Realmente o poder no Rio está contaminado pelo crime organizado?
Nosso trabalho dentro dessa investigação é sério. Temos profissionais de alto gabarito realizando esse trabalho no Rio de Janeiro. Se vemos que estão sendo investigados membros do Tribunal de Contas, com prisões, tendo aval da Justiça, realmente existem indícios de crimes neste momento.
O deputado Picciani chegou a desafiar o ministro da Justiça e acabou preso. Foi uma resposta?
Não trabalhamos com essas briguinhas. Trabalhamos com fatos. Temos que trabalhar construindo provas. Não adianta chegar com suposições na Justiça.
O caso do reitor da Universidade de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, que foi preso sem ter sido indiciado e acabou se matando, foi um erro da PF?
Infelizmente foi um caso trágico. Foi muito mais do que uma lição para membros da polícia e do Poder Judiciário. A delegada (Erika Marena) que estava conduzindo a investigação é experiente e respeitada dentro da PF.
Inclusive ela foi a mais votada na lista tríplice dos delegados para a direção-geral…
Houve uma votação dentro da associação dos delegados, da qual ela foi a mais votada. Mas foi uma votação totalmente atípica, pois não tinha nenhum dos delegados da administração. Foi mais uma eleição sindical.
A delegada Erika Marena errou neste caso do reitor?
Eu acredito que ela está pensando muito se eram necessários todos aqueles passos. Mas, se houver qualquer tipo de questionamento quanto à conduta dela, vamos apurar dentro da corregedoria. Qualquer outra afirmação agora é especulação. Mas qualquer dúvida que seja levantada pela família ou advogado será investigada.
Por que o Brasil chegou a esse cenário de corrupção que temos hoje?
Talvez por justamente não ser de praxe investir na transparência, especialmente dentro do serviço público. Vários mecanismos que vemos em outras democracias poderiam ser aplicados no Brasil. Um exemplo é o financiamento de campanha, que chegou a se discutir, mas agora afundou.
Quando o senhor fala em ampliar as investigações, seria em nível internacional?
Sim. Inclusive tive contato com alguns embaixadores. Vamos fazer reuniões aqui no Brasil e no exterior. Vamos ampliar o trabalho de inteligência. Não adianta prender, desmantelar quadrilha sem trabalho de inteligência.
O senhor disse que o foco está voltado para baixo. O que o senhor pensa em relação à descriminalização das drogas? O Estado perde tempo investigando traficantes menores e acaba não indo na origem do problema?
Estamos fazendo uma operação no Paraná prendendo justamente uma grande quadrilha de entorpecentes. Esse é o foco da PF. Se você me pergunta se eu sou a favor ou não da descriminalização, digo que sou um servidor público, um policial, que tem o dever de cumprir a lei. Se a sociedade disser que é crime, nós vamos combater. Se não for crime, vão continuar fazendo o que quiserem.
O crime organizado é o maior desafio da PF hoje?
Sim. Tanto o combate às organizações criminosas nacionais quanto às internacionais. Drogas que vão para a Europa e para outros continentes passam por aqui. Somos um corredor para escoamento da droga e o segundo maior consumidor de drogas.
O nome do senhor foi uma indicação do ex-presidente José Sarney ou do ministro Eliseu Padilha? Foi uma indicação política?
Eu conversei com várias pessoas para entender de onde partiu a minha indicação. Eu acho que o ex-presidente Sarney até seria um dos meus algozes, que não queria que eu estivesse sentado nesta cadeira na Polícia Federal. Nos quatro anos em que eu estive no Maranhão, não tive nenhum encontro com ele. Vim conhecê-lo aqui em um congresso, em 2013 ou 2014. Quando eu cheguei ao estado, o governador era o Jackson Lago. Ao chegar no Maranhão, o doutor Luiz Fernando, que me convidou na época, me chamou para conversar e com o Leandro Daiello que era chefe da Coordenação-Geral de Polícia Fazendária, aqui em Brasília. O Daiello foi convidado para assumir São Paulo e eu, a PF no Maranhão. Aquela unidade estava com problemas de estrutura e com profissionais desmotivados. Eu aceitei como um desafio. Missão dada é missão cumprida. Foi a mesma coisa que eu falei agora.
Em São Luís, o senhor morou em uma casa de um amigo de Sarney?
Eu fiquei procurando casa quando cheguei em São Luís, em duas imobiliárias que me apresentaram. Olhei um monte de casas e, no fim, gostei de uma, assinei o contrato, paguei normalmente o boleto bancário.
Foi um aluguel normal?
Eu já forneci até a cópia do contrato, tenho o extrato de todos os pagamentos. Isso é coisa de quem tenta me destruir, meus inimigos internos que não querem a Polícia Federal unida. Fico tranquilo.
São influências políticas?
Com certeza. O enfraquecimento da Polícia Federal ajudaria muita gente.
Como será a relação da PF com o Ministério da Justiça agora?
Maravilhosa.
Mas nem sempre foi assim…
Eu acredito nas palavras do próprio ministro da Justiça, que é professor de direito constitucional da UnB, da qual eu sou egresso, que a Polícia Federal tem uma independência muito grande na questão judicial. É a Polícia Judiciária da União. E faz parte da política de segurança pública na qual o Ministério da Justiça é o grande gestor. Existem campanhas e políticas de segurança que o ministério tem que gerir.
O senhor é a favor da PEC 412, que prevê a autonomia da PF?
Assim que fui nomeado, eu me reuni com diversas associações e sindicatos. Ficou acertado que todas as propostas que forem unanimidade entre essas entidades serão apoiadas pela direção da Polícia Federal.
Mas a PEC é uma bandeira dos delegados que é combatida por agentes e escrivães…
Se você perguntar aos agentes, papiloscopistas e peritos, existem pessoas que acham que a autonomia é boa e viável. Talvez eles não gostem desse projeto. Então penso que o que tem que se discutir são as ideias.
Existe uma dificuldade em se unir os integrantes da PF. É possível colocar agentes, escrivães e delegados do mesmo lado?
Eu acredito que houve uma intenção, até pré-ordenada de haver essa cisão interna. Algumas pessoas foram plantadas para fazer essa divisão.
Plantadas no sindicato ou na própria direção?
Não gosto de especular. Mas existem pessoas que acreditavam que, se houvesse esse tipo de cisão, seria uma forma de dividir para governar. E conseguiram, de certa forma. Houve um tempo que conseguiram desunir as carreiras. Essas pessoas, hoje, tenho sentido dentro da Polícia Federal, que, se não entrarem em um processo correto de realinhamento e união, vão ficar escanteadas.
A PF sempre foi uma instituição respeitada. O combate à corrupção ajudou a estabelecer a confiança da sociedade na instituição. Mudar o foco agora não poderá ser visto como um recuo nos objetivos da polícia?
Eu acredito que não, porque nós não vamos recuar. Essa é a grande diferença. Inclusive, vamos ampliar. Os críticos falam: “Duvido, colocaram ele lá para acabar com a Lava-Jato”. O que você mais vê em mídia social é esse tipo de comentário. Eu falo que não tenho que responder nada a ninguém. Vou responder com ações e as ações é que vão dizer o que a Polícia Federal é e o que vai ser daqui para frente.
Dá, então, para unir a classe?
Mais de 90% do nosso pessoal, inclusive aposentados, estão mandando mensagens dizendo que querem voltar a trabalhar, só de eu acenar essa campanha de união, trabalho em conjunto, equipe, de respeito interno de todos. Essa rixa foi aumentando a tal ponto que, na campanha para a associação dos delegados, em 2013, da qual resolvi participar, percebemos que isso estava indo para um lado de acirramento interno. A conversa que se tinha dentro da Polícia Federal era de que uma hora haveria um desastre, uma troca de tiros entre delegados e agentes.
Como o senhor avalia a decisão do STF de autorizar a prisão a partir de condenação em segunda instância?
Todo mundo fala que eu sou muito político, extremamente envolvido na política, mas eu não sou político. Eu não faço política e não gostaria de me manifestar até porque o STF vai decidir esse assunto. A gente vai cumprir a lei e vai continuar prendendo, executando os mandados conforme as determinações judiciais.
Em relação ao poder de investigação do MP, o senhor acha que, quando o MP atua sozinho, a investigação pode falhar? É importante que exista a participação da Polícia Federal?
Com certeza. A PF é especializada em investigação criminal. É o nosso cerne, nosso âmago, nós nascemos policiais. O cara que faz concurso para promotor, procurador tem outro viés muito mais jurídico do que o nosso. O policial tem que ter aquela veia investigativa, você sente que o policial foi feito para aquilo, é muito maior do que uma veia jurídica. A vocação é a diferença. Quando você vê um policial vocacionado, percebe a dinâmica. É o que a gente brinca lá dentro, tem 30% da polícia que não para. Você fala e o cara não para, está virando noite, ouvindo (escutas). Mas há os vocacionados em qualquer profissão.
Policiais dizem que o MP prioriza investigações de repercussão e as outras, igualmente importantes, mas sem repercussão, deixam para a polícia investigar…
À época, inclusive, da discussão da PEC 37, da qual eu era representante da PF, no Congresso Nacional, e depois na mesa de negociação do Ministério da Justiça, esse era um dos pontos que a gente levantava. A gente falava: nós não temos gente suficiente para investigar todos os crimes que acontecem no país, vocês, muito menos. Nem quantidade, nem equipe, mas nós é que temos as equipes de investigação. Querer brincar com o filé mignon e largar o osso para a Polícia Federal não é justo. Eu acho que não é nem por questão de quem quer escolher investigação. Eu acho que é parceria, essa parceria tem que acontecer em todos os estágios, em todas as investigações.
Não ter sido o primeiro nome do ministro da Justiça criou uma saia justa para o senhor?
Sinceramente, não. Foi uma escolha pessoal do presidente. Ele me chamou para conversar, me ouviu, no Palácio do Planalto por mais de duas horas. A gente conversou sobre segurança pública, pois ele foi secretário de segurança pública. Ele queria saber minha visão da PF, o que eu achava que precisava fazer e qual seria o foco da segurança pública. O que eu poderia fazer pela instituição. Depois, o ministro da Justiça me ligou falando para ir ao gabinete dele. Eu fui e também conversamos por mais de duas horas. No fim, ele falou: o presidente da República lhe convidou para assumir a PF e agora, depois dessa entrevista, o senhor tem o meu aval.
Então, o presidente da República acha que a Polícia Federal fugiu do foco em alguns momentos?
Sim. Ele pediu para voltar a uma visão mais republicana.
E o senhor concorda?
Eu acredito que houve deslizes ao longo do caminho, que a gente vai trabalhar, intensamente. Será um foco central.
Nas investigações conduzidas pela PGR, com o foro do Supremo, houve erros da Polícia Federal?
Isso só apurando caso a caso. Se houver algum tipo de informação, a gente vai apurar, uma a uma. Em algumas investigações, a gente tinha participação, em outras, não.
A Carne Fraca também é exemplo de uma condução midiática?
Eu diria que talvez tenha faltado avaliação dos riscos da operação. A maneira que foi anunciada por parte da comunicação… Houve alguns erros.
É possível que a Polícia Federal atue no combate às “fake news” nas eleições do ano que vem?
Vamos trabalhar. Nós temos muita gente capacitada, vários peritos de informática, uma equipe muito grande que trabalha nessa área. Agora, a gente tem que se preparar. Se é um crime que vai acontecer no país, nós temos que estar à frente. Temos que nos preparar e se antecipar para, quando começar o processo eleitoral, nós termos todas as ferramentas para debelar esse tipo de crime.
O ex-procurador-geral Rodrigo Janot entrou com ação no STF para impedir a PF de fechar delações. A PF tem competência para fazer esses acordos?
Tem. Isso inclusive está na lei. Essa era uma visão do ex-procurador-geral. Nós discordamos disso. Todos nós somos profissionais do direito e estamos nos defendendo no Supremo. Eu já conversei inclusive com a doutora Raquel Dodge que essa questão não deveria ser ajuizada. A PF deveria sentar com o Ministério Público e tratar disso internamente. Todas as instituições que combatem a criminalidade no Brasil devem se unir.
O senhor está otimista em relação a isso?
Sim, estou. Eu sou otimista, senão nem seria policial, não acreditaria no Brasil nem encararia o desafio de combater o crime organizado.
Filho de Brasília
Fernando Queiroz Segóvia Oliveira, 48 anos, é um típico cidadão brasiliense. Cresceu na Asa Sul, estudou em colégios tradicionais dos anos 1980, como La Salle e Objetivo e gostava de — e ainda adora — jogar bola nos campos de futebol entre as quadras residenciais. Filho de funcionários públicos, nasceu na capital em janeiro de 1969, quando a cidade ainda se firmava como o centro do poder. Já falecido, o pai, Izael Segóvia Oliveira, foi chefe da Segurança do Itamaraty, o que levou a família a passar uma temporada em Portugal. A mãe, Malva de Jesus Queiroz Oliveira, é professora da rede pública aposentada e chegou a exercer o cargo de secretária de Educação do DF no governo de Wanderley Vallim, em 1990. Ela, que teve outros dois filhos — o primogênito morreu ao cair de um prédio no Núcleo Bandeirante —, gosta de contar que Fernando veio ao mundo pelas mãos do obstetra Egino Sarto, sobrinho do Papa Paulo VI. O novo diretor-geral da Polícia Federal entrou na Universidade de Brasília (UnB) aos 16 anos. Quase cursou medicina, influenciado pela família, mas achou que não tinha muita vocação para passar a vida dentro de hospitais. No vestibular, foi aprovado na UnB, Ceub e UDF, mas optou pela universidade pública porque teria como professores nomes gabaritados da área jurídica, como ministros dos tribunais superiores. Na UnB, fez amigos de toda a vida, como o também delegado Sandro Avelar e o ministro do STJ Sebastião Reis. Do primeiro casamento, teve Isabela, de 20 anos, e Isadora, 16, mas ele diz considerar Luana, 13, como a caçula das três. A menina é filha de Tatiana Kalil, sua mulher, com o também delegado da PF Rômulo Berredo. Corintiano, ele é fã de séries policiais da Netflix. Futebol e polícia, aliás, são seus temas preferidos.
Brasília, 12h01min