Coluna no Correio: Ilan já está devendo

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Ilan Goldfajn assumiu ontem a Presidência do Banco Central sob aplauso de banqueiros e investidores, mas, em seu discurso, deixou em aberto o compromisso de levar a inflação para o centro da meta em 2017, promessa feita por seu antecessor, Alexandre Tombini. Também não explicitou como desmontará a montanha de quase US$ 70 bilhões que o BC detém em contratos de swap cambial, operações que funcionam como uma venda futura da moeda norte-americana. Ilan será cobrado por suas omissões. Não há mais espaço para tergiversações.

 

O novo presidente do BC já está com o relógio correndo contra ele. A inflação voltou a subir e o desconforto das famílias está no limite. A recessão ainda fará muito estrago, sobretudo no mercado de trabalho, com mais desemprego. O índice de calote continuará apontando para cima e o rombo das contas públicas está longe de uma solução. Em resumo: a situação econômica do país vai piorar por mais um tempo, mesmo com todo o esforço da nova equipe econômica de criar um ambiente menos hostil. Ilan já está devedor.

 

Como bem ressalta Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, definir nomes fortes para a equipe econômica, como o de Ilan, é apenas uma parte do trabalho do governo para resgatar o país da severa crise na qual está mergulhado. O presidente interino, Michel Temer, entrou no segundo mês de mandato sem ainda apresentar medidas concretas para reverter o estrago das contas públicas, mas já cometeu equívocos como o de assumir uma fatura que quase R$ 100 bilhões até 2019 com o reajuste do funcionalismo público. “Esse descompasso pegou muito mal”, diz.

 

Credibilidade

 

A boa notícia é que Ilan se comprometeu a dar maior transparência às ações do BC. Acredita que uma comunicação clara e consistente será fundamental para o controle das expectativas de inflação, sobretudo em períodos que o custo de vida ameaçar estourar o teto do limite de tolerância previsto em lei, de 6,5%. Um dos maiores erros de Tombini foi justamente a dificuldade em falar com os agentes econômicos. Os erros frequentes na comunicação ao mercado minaram a credibilidade da instituição, que perdeu, nos últimos anos, a guerra contra a inflação.

 

Tombini, na sua despedida, frisou que, a despeito de todas as dificuldades enfrentadas pelo BC, especialmente na área fiscal, em quatro dos cinco anos e meio que ficou à frente da instituição a inflação ficou dentro das bandas da meta. Ele esqueceu de dizer, porém, que, desde 2012, o governo de Dilma Rousseff interveio nos preços das tarifas públicas. Forçou a redução da energia elétrica e segurou o quanto pôde os reajustes dos preços dos combustíveis. Por isso, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) se manteve próximo do teto. Não tivesse a petista recorrido a essa manobra, o indicador teria ficado, sim, acima de 6,5%.

 

Ilan, por sinal, garante que não haverá, com a atual equipe econômica, qualquer espaço para se recorrer à nova matriz econômica que prevaleceu no governo Dilma, permitindo pedaladas e manobras fiscais. Daqui por diante, prevalecerá, nas palavras dele, o bom e velho tripé econômico — câmbio flutuante, metas de inflação e ajuste fiscal — que permitiu ao Brasil se livrar de vez da praga da hiperinflação. Os investidores, afirma Cládio Mauch, ex-diretor de Fiscalização do BC, estão ávidos para que tal discurso prevaleça. Mas, por enquanto, acredita ele, estão todos na expectativa.

 

Tolerância

 

Ilan deve se preparar para a cobrança do mercado em relação ao compromisso de levar a inflação para o centro da meta. Acredita-se que, ao não especificar um prazo para a convergência do IPCA ao objetivo definido em lei, ele deverá recorrer ao que os analistas definem como meta ajustada. Os 4,5% ficariam para 2018, na melhor das hipóteses. Os economistas gravaram bem o que disse o novo presidente do BC: “Os limites de tolerância estabelecidos (em lei) servem para acomodar choques inesperados na inflação, que não permitam a volta ao centro da meta em tempo hábil”. Leram isso como o primeiro passo efetivo para que Ilan jogue a toalha em relação ao prometido por Tombini.

 

No fundo, o que Ilan quer dizer, endossado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é que a recessão já está tão forte que não adianta forçar a mão agora nas políticas monetária e fiscal para apressar a convergência da inflação à meta. Inclusive, a taxa básica de juros (Selic), de 14,25%, pode começar a cair ainda neste ano, mesmo com o IPCA acima do teto. Para isso, bastará o Congresso aprovar o limite para o aumento de gastos públicos. Já será, na visão da equipe econômica, a senha para o BC e os investidores comprarem o ajuste fiscal. É esperar para ver.

 

Brasília, 07h01min