ilustraçãocargatributaria Fernando Lopes/CB/D.A Press

Artigo: Uma reforma no divã

Publicado em Economia

ILAN GORIN*

 No consultório, o psicanalista pede à paciente que entre.

– Bom dia, doutor. Acredito que você já saiba, sou a Reforma Tributária 2021.

– Sim, bom dia, Reforma. O que te traz aqui?

– Nasci há dois meses e desde então tenho questionado a razão da minha existência.  Então, eu queria me abrir contigo para saber o que fazer.

“ Nunca vi uma reforma com desejo de se abrir”, pensou o psicanalista.

– Tudo começou quando meus pais tiveram obrigação de corrigir a tabela do imposto de renda, que já estava congelada há seis anos, mas o governo alegava que não tinha dinheiro para isso. Nem sei por que não tinham, eles estavam com a arrecadação maior exatamente pelo congelamento. Mas inventaram que era preciso cobrar mais impostos para bancar isso. A inflação só foi repassada para a faixa de isenção. Todas as outras foram reajustadas pela metade da inflação. E eles ainda limitaram muito o desconto padrão.

Então, quiseram acabar com os juros sobre o capital próprio e criaram o imposto sobre dividendos. Ao mesmo tempo reduziram a alíquota do imposto de renda das empresas. E ainda dizem, pelos últimos cálculos, que isso vai gerar queda da arrecadação. Essa confusão toda me deixa assim, em crise existencial.  

–  Por que você se sente assim?

– Porque se era para cobrir o reajuste da tabela que nem precisava ser coberto, para que eu nasci? Eles dizem que empresa é uma coisa e acionista é outra, sendo que o bolso é o mesmo ,realmente, essa é uma história da Carochinha.

– Você não gosta de histórias da Carochinha?

– Ah, gosto para lê-las antes de dormir, não para viver em função delas. Será que calcularam as consequências da minha existência, quando me planejaram? Quando disseram que queriam acabar com o JCP, alegaram que ao longo de 25 anos esses juros não teriam favorecido a capitalização própria das empresas. Mas, na realidade, houve o dobro de captação de recursos próprios comparado com o crescimento do endividamento. O problema é que eu nasci de uma mentira, e não me sinto bem por isso.

– O que eu sei é que estou passando vergonha, porque o JCP esta fazendo o maior sucesso na Europa. Em 2022, todos os países europeus vão aderir à ele. Estou aqui como a vilã que acaba com uma figura que nutre a saúde financeira das empresas, que incentiva investimentos para gerar negócios e empregos.Por que só valerá a pena deixar o dinheiro no mercado financeiro, que pagará muito menos tributos.

– Como tem sido a convivência com teus pais em casa?

-Eles fazem com que eu me sinta culpada por essas perspectivas sombrias. As empresas de lucro presumido que regularmente distribuem o lucro que auferem terão que pagar 90% a mais. Além disso, as empresas de lucro real podem ter 35% de aumento.

Doutor, o que você me diz?

– Reforma, é importante que os seus pais também venham aqui para um atendimento. Quem sabe é possível resolver isso de forma mais simples do que você imagina? Nesse sentido, vou sugerir aos seus pais que corram até um cartório e troquem com urgência o seu nome de Reforma Tributaria para Reforma Administrativa. Assim, você começará a reconstruir sua existência com mais propósito.

 

*Tributarista, sócio da Gorin Advocacia