MPF e MPT iniciam capacitação a funcionários de shopping que só contratava evangélicos

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Em ofício, o Shopping Vida mandava os candidatos a uma oportunidade de trabalho enviar currículos com o carimbo da igreja que pertencem. Um aparente privilégio ilegal a evangélicos e discriminação a pessoas de outras religiões, segundo MPF e MPT. O primeiro evento de capacitação foi inter-religioso. Acontecerão mais cinco, além de duas audiências amplas

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) na Baixada Fluminense iniciaram nesta sexta-feira (2), em parceria com a comissão de combate à intolerância do MPF, formada por sacerdotes e sacerdotisas da região, a curso de capacitação para os funcionários do Shopping Vida, em São João de Meriti (RJ).

O primeiro encontro, presencial, reuniu 30 funcionários da empresa e a presença de Tata Luazemi, sacerdote de candomblé de Angola do Abassá Lumyjacarê Junçara, em Nova Iguaçu, do pastor Jorge Costa, do Ministério ADJAM (Assembleia de Deus em Jardim Metrópole, São João de Meriti) e do padre Luciano Adversi, da paróquia Santa Luzia, em Nova Iguaçu.

O encontro foi inaugurado pelo procurador da República Julio José Araujo Junior, que destacou a importância do TAC (termo de ajustamento de conduta) e o papel fundamental da capacitação para evitar que novas violações ocorram. Ele destacou a necessidade de enfrentamento à discriminação no mercado de trabalho, quanto ao acesso a vagas, e de respeito à diversidade religiosa no atendimento.

O procurador do trabalho Rafael Garcia enviou um vídeo destacando o papel do MPT e a importância do TAC para prevenir novas violações e ajudar a criar um clima organizacional respeitoso à diversidade. Também falaram o padre Luciano, que rechaçou a ideia de cristofobia no Brasil e destacou a tolerância. O pastor Jorge, por sua vez, mostrou os desafios de sua igreja para romper com o discurso de ódio e praticar efetivamente o respeito ao próximo. Tata Luazemi, por fim, realçou que a intolerância não pode ser separada do racismo religioso, e relatou episódios que demonstram a persistência de crimes de ódio contra representantes de religiões de matriz africana.

Entenda o caso

O TAC foi assinado em 6 de agosto do ano passado após ter sido constatado direcionamento de vagas de emprego a integrantes de igreja evangélica. Em ofício, o shopping solicitava que os candidatos enviassem seus currículos com o carimbo da igreja a qual pertencem, o que configuraria, no entendimento dos órgãos, aparente privilégio ilegal a evangélicos e discriminação a pessoas de outras religiões.

O documento, assinado pelo procurador da República Julio José Araujo Junior e pelo procurador do Trabalho Rafael Garcia Rodrigues, dispõe que a administração do Shopping Vida adotará processo seletivo impessoal, sem questionar a religião dos candidatos durante o seu curso, bem como não utilizará a religião como critério para tratamento ou oportunidades durante o contrato de trabalho. Além disso, o TAC estabelece que a administração do shopping divulgará a oferta de vagas de emprego por meio de sítios eletrônicos e/ou redes sociais, em processos seletivos transparentes.

O termo é fundamentado em leis e tratados internacionais de garantia da liberdade religiosa e dos direitos humanos, como a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê que “é proibida toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”.

Além das medidas de abstenção, o acordo obriga a fixação de cartazes, pelo prazo de um ano, em locais de fácil visualização do shopping, com avisos sobre a possibilidade de ser apresentada denúncia ao MPF e ao MPT acerca de eventual prática de racismo religioso no local. Esta cláusula foi parcialmente violada, o que gerou a aplicação de multa e recolocação dos cartazes no último mês de maio.

O TAC estipula também que o shopping cederá o seu espaço para duas audiências sobre a liberdade religiosa, envolvendo diversas denominações, inclusive grupos de matriz africana.

Além disso, a administração do Shopping Vida fará ampla campanha educativa interna na empresa, com distribuição de cartilhas educativas aos funcionários, além de capacitação de todos os seus funcionários, com a participação e supervisão do MPF e do MPT, para que sejam coibidas, no ambiente de trabalho, situações que caracterizem discriminação religiosa. Todas essas cláusulas estão em vigor, e os eventos estavam previstos para abril e maio, porém tiveram de ser adiados em razão da epidemia.