Parece que acaba amanhã, mas nunca se sabe. Essa maré de complicações que a gente viveu nos últimos dias é culpa do mercúrio retrógado, época em que aparecem problemas de clareza nas decisões. Me dizem que já é a terceira vez que a gente passa por isso esse ano e, se eu não notei, é porque devo estar andando mais desligado do que o normal.
Também me dizem que a gente precisa se preparar para períodos como estes, que duram quase sempre em torno de 20 dias, porque tudo o que a gente assina, acorda ou compra tende a dar problema. Talvez por isso tenham clonado meu cartão de crédito e tentado comprar uma geladeira e uma fritadeira a ar que não estavam nos meus planos.
O meu pecado foi comprar uns pastéis no Cruzeiro com o cartão. Não devia ter feito, deu errado. Além da ingestão exagerada de gordura trans, por pouco não paguei pelos eletrodomésticos só porque fiquei com fome e não tinha dinheiro em espécie na carteira. A moça entendida em astrologia me disse que essa é uma fase em que nenhuma decisão séria deveria ser tomada – pelo jeito, nem comer pastel.
Me incomodou um pouco o nome do fenômeno. Mas a moça logo esclareceu que o retrógrado não significava que o planeta que fica mais pertinho do sol estava em rotação invertida ou pegando um atalho na órbita, mas que há uma “impressão” de que ele faz um movimento de retrocesso de quem o vê da Terra. Não melhorou muito: se é uma ilusão de ótica porque tanto fuzuê?
Eu não acredito nessa história de astros e estrelas comandando a nossa vida, como mostram esses estudos astrológicos; mas isso não conta em nada, até porque ando acreditando em muito pouca coisa. Acho que é uma soberba sem medida achar que há um universo inteiro girando, cortado por meteoros e meteoritos, e preocupado com a minha vidinha aqui. Tem gente que acha que tem um astro só para si, mas eu sou mais modesto.
Mas não perco uma conversa com quem leva o estudo a sério, consulta mapas, alfarrábios, usa compasso para determinar personalidades, posições dos astros, reações pessoais. Fazia tempo que eu não via a moça entendida em astrologia. Não é uma astróloga, mas leva a sério tudo o que os astros contam a ela, chega a definir viagens e mudanças de acordo com os mapas periódicos que faz. Até o sofá da sala ela mudou de posição.
Minha curiosidade me fez fazer até um mapa astral, mas não fui muito além de saber que era um ariano cabeçudo, teimoso e mandão (mas com ternura), o que eu já desconfiava. Talvez esteja aí a raiz da falta de crença nos astros: como a astrologia pode ser considerada diante da comprovação da mecânica celeste, de Isaac Newton? Uma coisa elimina a outra.
Dizem que o mercúrio reverso acaba amanhã. Tá bom. Mas alguém precisa explicar porque essa confusão no Brasil tem durado mais que qualquer ciclo místico.
Publicado no Correio Braziliense em 17 de outubro de 2021