Um amigo deu o alarme: ninguém mais quer saber de notícia. Ele vinha da formatura da filha, agora médica, e se espantou com a carapaça que os jovens estão deixando crescer diante de tanta radicalização. Os fatos estariam sufocando a vida desses rapazes moças de forma tão acachapante que eles preferem não mais ler jornais, ver TV aberta e ligar o rádio só para ouvir música – e rede social evolui na sua irrelevância para formar mentes.
Nunca se viu tanta gente cheia de razão como agora; até amigos assumem postura de padres catequistas para tentar convencer o resto com um derrame de informações distorcidas que espanta, não pela obtusidade do agente, mas pela falta de respeito: nos chamam de idiotas o tempo todo.
Em 1967, Caetano Veloso já perguntava, em Alegria Alegria: “Quem lê tanta notícia?”. Era fichinha. Calcula-se que, ano que vem, serão produzidos 40 trilhões de gigabytes – ou 40 zetabytes – de informação; equivale ao conteúdo de 10 milhões bibliotecas como a do Congresso dos EUA, que tem 19 milhões de livros e 56 milhões de manuscritos – em um ano!
No meio disso haverá teses que poderão ganhar um prêmio Nobel no futuro, mas também tudo sobre a misteriosa gravidez da mulher de Thammy Gretchen, além de um bocado de xingamentos de quem defende um lado ou outro na política brasileira. E nessa toada, o mundo vai ficando cada vez mais estúpido e as pessoas se distanciando de notícias que deveriam fortalecer a sociedade, como os jovens médicos.
Outro dia, no meio de uma conversa que seguia amena, o sujeito virou para mim e não se conteve: “Você é um comunista!”. Eu achei que havia alguém atrás de mim, mas não; era comigo mesmo. Não respondi, porque queria ver até onde iria aquilo. O sujeito soltava perdigotos pelo ar num volume que assustaria a vigilância sanitária; ao poucos a saliva foi se transformando naquela baba bovina rodrigueana, pendendo do canto da boca.
Olhos saltados, estranhamente opacos, acompanhavam o que eu achava, até então, que era uma encenação. Não era. O pacato servidor público aposentado havia se transformado numa besta – não no sentido dos nossos irmãos jumentos, mas na acepção religiosa, que define toda manifestação demoníaca. Muitas vezes a veemência é a porta da frente da ignorância; e ali estava um sujeito possuído.
Eu nem me lembrava mais do gatilho que provocou aquela ira. Mais tarde, outro companheiro presente disse que eu tinha dito que as ameaças contra a democracia que tínhamos ouvido recentemente eram uma forma de corrupção. Mas o motivo não importava; onde anda o famoso contraditório de quem não concorda com o que a gente diz e defende outro ponto de vista? Na ignorância, parece.
Indignado, levantou-se e foi embora, não antes de reforçar sua posição: “Não me sento com comunistas!”. Pronto, já éramos a gangue dos quatro do boteco, embora ao contrário dos chineses, ninguém ali queria promover uma revolução cultural ou algo do gênero. No final, ficamos sem saber: é caso para psicólogo ou exorcista?
Publicado no Correio Braziliense, em 10 de novembro de 2019