Título do Chelsea expõe a dificuldade dos times brasileiros de sair da caixinha em jogos de alto nível

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A superioridade do Chelsea traduzida em festa no gramado: título inédito em Abu Dhabi. Foto: Chelsea FC

 

Partidas de futebol em alto nível lembram cada vez mais aquele aparelhinho de GPS do seu carro. Quando o caminho escolhido para a viagem está manjado, equivocado, errado ou engarrafado, é preciso estar pronto rapidamente para recalculá-lo, reprogramá-lo com o veículo em movimento.

Com ou sem técnico estrangeiro, esse me parece um dos defeitos não somente dos times brasileiros, mas também da Seleção em duelos como a vitória do Chelsea sobre o Palmeiras, por 2 x 1, na final do Mundial de Clubes da Fifa. Quanto tempo Tite perdeu, por exemplo, para entender o que a Bélgica fazia no primeiro tempo das quartas de final da Copa do Mundo de 2018, na Rússia, e sair da caixinha, como fez na etapa final. É disso que estou falando. O tal do “eu jogo assim, e assim será do início ao fim independentemente da proposta do meu adversário”.

O condutor Abel Ferreira escolheu uma rota, mas foi fiel demais a ela. Ninguém esperava um Palmeiras com posse de bola, imposição tática, técnica ou, usando uma das palavrinhas da moda, amassando o Chelsea. O plano de jogo do português era o 6-3-1, com Rony e Gustavo Scarpa auxiliando os laterais na recomposição, Danilo, Zé Raphael e Raphael Veiga à espera da roubada de bola para uma transição rápida e Dudu isolado na frente para as esticadas de bola. O problema é ser refém da rota e não recalculá-la quantas vezes for necessário com o carro em movimento, ou seja, durante a partida.

Eleito melhor técnico do mundo pela Fifa, Thomas Tuchel apresentou mais de uma saída diante da desafiadora proposta de jogo apresentada pelo Palmeiras. Ele percebeu no primeiro tempo que Abel Ferreira induziu o Chelsea a deixar a bola com Thiago Silva para o zagueiro tentar as ligações diretas com Lukaku, até então encaixado na marcação de Luan. O Palmeiras tentou controlar a intensidade dos campeões da Champions League para cumprir o próprio plano. Porém, do outro lado, estava um treinador com repertório, capacidade de reinvenção.

Thomas Tuchel precisava recalcular o caminho escolhido pelo Chelsea para conquistar o título. A troca necessária do lesionado Mason Mount por Pulisic, aos 30 do primeiro tempo, foi o primeiro sinal de que se rascunhava um novo plano para tirar o Palmeiras da zona de conforto.

Outra transformação ficou perceptível no início do segundo tempo. O volante Kante passou a dar um passo atrás a fim de receber a bola de Thiago Silva, partir com ela dominada e acelerar o jogo em busca de alternativas. Uma delas era repassá-la a Kovacic.  A outra, fazer a bola chegar a Lukaku de duas formas: pelo meio na tentativa de que ele fizesse o pivô ou acionando Hudson-Odoi na esquerda para pressionar Marcos Rocha e obrigar Gustavo Gómez a sair da compacta linha de três beques para fazer a cobertura. Bingo. Assim saiu o gol de cabeça do impecável centroavante Lukaku no início da etapa final.

Quando Thiago Silva colocou a mão na bola dentro da área e presenteou o Palmeiras com o pênalti muito bem cobrado pelo excelente Raphael Veiga, Abel Ferreira teve a senha para recalcular a rota. Talvez, ele poderia ter aproveitado a mudança de atmosfera do estádio e colocado Deyverson ou Rafael Navarro para pressionar os zagueiros do Chelsea. Só que não. O único plano de Abel começou a se desmanchar.

Desmantelou-se porque o plano exigia esforço hercúleo na marcação de quem, na verdade, deveria ser marcado. Dudu, Rony e Raphael Veiga estavam exaustos do vaivém para controlar o Chelsea. Quando Abel Ferreira decidiu recalcular o caminho alviverde para o título, deparou-se com um problema do Palmeiras: a escassez de bons estepes no banco de reservas.

Enquanto Tuchel colocava em campo Sarr, Ziyech, Saúl, Pulisic e Werner, Abel contra-atacava com Dayverson, Jailson, Wesley, Atuesta e Rafael Navarro. Depois de abrir mão de um centroavante o jogo inteiro, terminou a partida com dois em campo na base do desespero. Era tarde demais.

Abel Ferreira havia mostrado que tem dificuldade para mudar a rota do Palmeiras dentro de uma partida naquela derrota por 2 x 0 para o River Plate, no Allianz Parque, pela semifinal da Libertadores de 2020. Passou o jogo inteiro nas cordas sendo golpeado por Marcelo Gallardo.  O Chelsea não foi tão agressivo porque a linha baixa do Palmeiras funcionou enquanto deu.

Quem tem zagueiros bons, mas estabanados em lances isolados, como Thiago Silva e Luan, deve sempre estar pronto para o pior. Ambos cometeram pênaltis que poderiam, sim, ter sido evitados.  Thiago Silva, então, nem se fala. Repetiu incrivelmente as lambanças cometidas com as camisas da Seleção e do Paris Saint-Germain. Igualzinho. Abrir mão da posse de bola tem seu preço. O Chelsea pressionou, aproveitou a falha de Luan e fez picadinho do plano de Abel Ferreira.

O derrotado da vez é o Palmeiras, mas poderíamos estar falando daquele Brasil do Tite nas quartas de final da Copa de 2018; do vice na Copa América do ano passado contra a Argentina; e de tantos outros times brasileiros escravos de um único modelo de jogo. O futebol brasileiro está carente de técnicos capazes de recalcular a rota a todo instante sob pressão, ou seja, enquanto o jogo está passando ali na frente deles. O futebol pós-moderno é assim. Poucos têm esse atributo. Quem possui se diferencia. Abel Ferreira ainda é jovem e certamente tirará lições do amargo vice em Abu Dhabi.

 

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