luz Mané seria autossuficiente em energia. Fla x Vasco teve apagão. Foto: Arthur Menescal/Esp.CB/D.A. Press

Sobre malandros, manés e um elefante que incomoda muita gente

Publicado em Esporte

Como se constrói um mané?

Fazendo discursos pelos quatros cantos do quadradinho do Distrito Federal de que Brasília é a capital do país e não poderia ficar fora de uma Copa do Mundo.

Gente presa na Operação Panatenaico, um dos braços da Lava-Jato, que investiga o superfaturamento das obras do Estádio Mané Garrincha, cansou de trazer o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, ao Distrito Federal. Idas e vindas para convencê-lo, a cada encontro particular, a colocar Brasília — e não Goiânia — na lista das 12 cidades sede do torneio. Todos sabem que Goiânia tem futebol. Brasília, ainda não.

Como se constrói um mané?

Inventando a reforma do Estádio Bezerrão, em nome do desenvolvimento do Gama. Naquele 19 de novembro de 2008, gente presa na terça-feira estava lá, na tribuna de honra, ao lado de Ricardo Teixeira e do então diretor da Nike no Brasil, Sandro Rosell. O também ex-presidente do Barcelona foi preso nesta terça, na Espanha, por lavagem de dinheiro com amistosos da Seleção Brasileira.

Era necessário também reformar o Cave, dar um trato no Abadião para servirem de centro de treinamento para as seleções… E a cereja do bolo: jogar o velho Mané Garrincha abaixo. Aliás, nem para destruí-lo gastaram direito. Lembram que não conseguiram implodir o estádio?

Como se constrói um mané?

Lembro como se fosse hoje. Eu estava em Goiânia, em 2011, pelo Correio Braziliense, para cobrir o Superclássico das Américas entre Brasil e Argentina. Ricardo Teixeira foi até o Palácio das Esmeraldas entregar um prêmio de consolação ao governador Marconi Perillo. Com Brasília na Copa de 2014, restava a Goiânia ser uma das sedes da Copa América de 2015. Refrescando a memória: a Copa América de 2015 foi no Chile. A de 2019 será no Brasil. E Goiânia, que perdeu nos bastidores a Copa para Brasília, ficou fora das duas. Brasília é a escolhida da Região Centro-Oeste.

Como se constrói um mané?

Criando um papo-furado de que Brasília, como capital do país, teria de erguer um estádio grande, gigante, para 70 mil pessoas, a fim de brigar com Rio de Janeiro e São Paulo para receber o jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014.

Foi o que argumentou gente presa nesta terça-feira…

Não preciso ir tão longe… Sabe onde foi o jogo de abertura da Copa de 1990 entre Argentina e Camarões? Em Milão, que, como você bem sabe, não é a capital da Itália. Sabe onde foi o jogo de abertura da Copa de 1994, entre Alemanha e Bolívia? Em Chicago, que não é a capital dos Estados Unidos. Mas o velho “vai que cola”, colou. Ganhou força. Viralizou. Virou megalomania.

E a Copa de 2014 foi aberta onde todos sabiam que seria: na Arena Corinthians,  em São Paulo.

Como se constrói um mané?

Dizendo que a construção de um estádio para a Copa traria desenvolvimento ao pobre futebol do Distrito Federal. Gente presa nesta terça-feira prometeu mundos e fundos ao Gama. Gente presa nesta terça prometeu mundos e fundos ao Brasília, que até chegou a ser campeão da Copa Verde lá dentro do Mané, em cima do Paysandu.

E o futebol candango, onde está? Na quarta divisão, “comemorando” a inédita vitória de seus dois representantes — Ceilândia e Luziânia (que é de Goiás) — na estreia da Série D de 2017.

Como se constrói um mané?

Anunciando que a construção do Mané Garrincha colocará Brasília no centro dos grandes eventos esportivos do país. Leia-se: Campeonato Brasileiro.

Esqueceram-se que as vindas de clubes de ponta do país ao DF teriam prazo de validade.

Os times do Brasileirão estão proibidos de mandar jogos fora dos seus estados.

Não haverá jogo das séries A, B e C no Mané em 2017. Talvez, nem da D. O Luziânia manda suas partidas no Serra do Lago. O Ceilândia prefere o Abadião.

Como se constrói um mané?

Importando gramado caro da Dinamarca, dos Estados Unidos. Pagando caro para engenheiro agrônomo famoso por ter cuidado do tapete do Camp Nou deixar o piso do Mané verdinho na Copa.

Como se constrói um mané?

Gente presa nesta terça-feira disse por aí que o Mané Garrincha poderia ser como o lendário Wembley, a casa da seleção da Inglaterra. É assim na terra da rainha, sim. Quem acreditou que também seria no Brasil?

De fato, Brasília foi a cidade que mais recebeu jogos das seleções principal, olímpica e feminina desde a inauguração do Mané, em 2013. Mas tudo demais enjoa.

Brasília não foi sede de nenhum jogo das Eliminatórias para a Copa de 2018. Nem será. A partida contra o Equador vai para Porto Alegre, terra de Tite. Merecido pelo trabalho de reconstrução da Seleção. O duelo com o Chile será no Maracanã, onde o Brasil sequer jogou na Copa de 2014.

Como se constrói um mané?

Anunciando a aceleração da privatização do Mané Garrincha. A tática não funcionou no Maracanã, que tem como clientes Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Por que funcionará justamente na terra do Brasiliense, do Brasília, do Ceilândia, do Gama???

Como se constrói um mané?

Discursando que o Mané Garrincha seria autossuficiente no quesito energia. Gente presa nesta terça-feira chegou a garantir que a tecnologia de captação de luz solar faria o estádio “emprestar” energia para a CEB.

Pois neste ano, o Flamengo teve que pagar o aluguel de um gerador para segurar a energia durante uma partida contra o Grêmio pela Primeira Liga. Durante o confronto entre Flamengo e Vasco, pelo Campeonato Carioca, a luz caiu.

Como se constrói um mané?

Fazendo papel de malandro diante de uma plateia que só mostrou indignação, de verdade, quando ameaçaram tirar o nome de Mané Garrincha do estádio. Lembram? Queriam que fosse apenas Estádio Nacional de Brasília.

Mas eu já sabia. Você também.

O estádio mais caro da Copa de 2014, que custou R$ 1,6 bilhão, é um elefante branco, vermelho, como queiram.

Alimentá-lo custa caro.

O dinheiro investido não tem volta.

Ninguém sabe o que fazer com isso.

Fomos todos manés. Somos todos manés.