Reproduz Desempregado, Beto Campos fará estágio no Flamengo. Foto: Reprodução/Bruno Alencastro/Agência RBS

Entrevista: Beto Campos, técnico campeão gaúcho pelo Novo Hamburgo

Publicado em Esporte

Ele trocou a autoelétrica da família pelo futebol. Procurou roda no meio do mato nos tempos de jogador. Empurrou ônibus que não pegava depois do treino. Comandou treino em metade do campo depois de uma negociação com peladeiros de uma cidade gaúcha. As experiências como jogador e técnico ajudaram Gilberto Cirilo Campos — o Beto Campos — a protagonizar o maior feito dos Estaduais em 2017: o título inédito do Novo Hamburgo. Na entrevista a seguir ao blog, o senhor de 52 anos conta como superou Grêmio e Intel na campanha do título, explica por que decidiu deixar o “Noia” e revela que fará um estágio no Flamengo nas próximas semanas. Segundo Beto Campos, o amigo Rodrigo Caetano, diretor executivo de futebol rubro-negro, abriu as portas do Ninho Urubu para o tão desejado intercâmbio.

 

O Tite gosta de tomar uma caipirinha depois de uma conquista. Qual é o seu ritual?

Não fujo muito disso, não. Gosto de fazer um churrasquinho com a família também (risos).

 

Seu nome é Gilberto Cirilo Campos. Quem o batizou de Beto Campos?

Eu mesmo. Desde criança, sou chamado de Beto. Quando virei treinador, pensei em Beto de Campos, mas preferi Beto Campos. Técnico, geralmente, usa nome e sobrenome. Eu sempre fui chamado de Beto. Seria estranho virar Gilberto Campos.

 

Do presente ao passado: valeu a pena trocar a autoelétrica da família pelo futebol?

Com certeza. Era um negócio do meu pai, irmão, cunhados… Todos trabalhando na mesma área. Eu estava começando. Quando eu tinha 17, 18 anos, surgiu essa oportunidade de fazer um teste no São Borja. Desde lá, eu sempre estou envolvido no futebol. São 35, 36 anos.

 

Deu problema largar o negócio da família?

Não, a família deu força. Virou o sonho da família. Quem sonhava em ser jogador de futebol viu em mim a chance, uma realização pessoal.

 

Qual era a sua função na autoelétrica?

Eu mexia com a parte de rebobinagem. Trabalhava com alternadores dos carros. Tinha muitos clientes.

 

E os clientes lamentaram a sua mudança de vida?

Claro que a gente fez uma amizade. Era uma cidade pequena (São Borja). Mas quando viram a gente começar a jogar, a ter sucesso, a fazer os meus gols, o pessoal elogiava.

 

“Eu atuava bastante como falso 9. Trabalhava muito nas costas dos volantes. Muito do que se faz hoje, eu já fazia”

 

 

E você começou no futsal…

Aprendi muito no futsal. A fazer o pivô, a jogar de atacante. Fomos campeões e eu, artilheiro.

 

Por falar em artilharia, quando você trocou o futsal pelo futebol de campo, virou centroavante de vez. Mas aí reclamavam da sua estatura para a posição (1,77m)?

Aqui no Rio Grande do Sul, centroavante tem que ser grande. Ainda mais numa época em que os gramados não eram como são hoje. O futebol era mais pegado, com chuva. O Campeonato Gaúcho era muito mais difícil de jogar. Eu atuava bastante como falso 9. Trabalhava muito nas costas dos volantes. Muito do que se faz hoje, eu já fazia.

 

Foi um bom centroavante?

Mesmo não tendo jogado em times grandes, eu atuei em 16 clubes em 20 anos. Um ano só eu não joguei a Série A aqui do Rio Grande do Sul. Fui artilheiro por onde passei. Tive propostas do Inter e do Grêmio, mas era uma época em que o jogador tinha o passe preso. Eu considero que tive uma performance boa  onde eu joguei, inclusive pelos títulos que ajudei a conquistar.

 

Quem é melhor como jogador: Beto Campos ou seu filho Willian, que também é jogador?

Beto Campos fez mais gols. Meu filho mesmo diz isso. Ele fala: ‘pai, se eu jogar 50% do que o senhor jogou eu fico empregado um bom tempo.

 

“Eu mexia com a parte de rebobinagem (na loja do pai). Trabalhava com alternadores dos carros”

 

Quem viu você comemorando título à frente do Novo Hamburgo, talvez não saiba que o Beto Campos já procurou até roda no meio da estrada?

É verdade. Foi nos anos 1990, lá no São Luiz de Ijuí (RS). Nós vínhamos lá de Livramento depois de uma vitória, retornando para Ijuí, todo mundo feliz no ônibus. Daqui a pouco, uma das rodas passou pela janela. Foi uma coisa horrível. Todo mundo parou. Nós fomos para o meio do mato procurar a roda. Um outro jogador acabou achando.

 

Como se não bastasse procurar roda, você também empurrou ônibus nos tempos de boleiro?

Isso foi num treino. O técnico disse que a gente sofreria muito, mas subiria de divisão para a Série A do Campeonato Gaúcho. Aí, em um dia de chuva, fomos para o treino. Quando terminou a atividade, o ônibus não pegou, rapaz. Todo mundo desceu para empurrar. Quase atolamos no barro… Virei para o técnico e disse: “Pô, professor, não precisa sofrer tanto, né?”.

 

Quando virou técnico, negociou até com peladeiro para dar treino a time profissional?

Em 2005, o Três Passos estava voltando ao futebol. O campo era municipal. O pessoal da comunidade estava acostumado a usá-lo. O portão ficava aberto para eles. Não estavam acostumados a dividir o campo com elenco profissional. Como o meu trabalho seria em um espaço reduzido, acertei com eles para usarem metade do campo e eu usaria a outro. Deu certo.

 

Até que ponto isso tudo que você viveu ajudou a levar um time modesto como o Novo Hamburgo ao título do Campeonato Gaúcho?

Tudo isso que eu vivi como jogador e depois no início da minha carreira como treinador dá um aprendizado muito grande. Ensina a não achar que qualquer dificuldade seja maior do que é realmente para se chegar a um objetivo. Eu trabalhei muito com essa ideia aqui no Novo Hamburgo. Ensinei o time a ser forte psicologicamente para suportar o campeonato. Eles deram uma resposta muito positiva. Compraram a ideia.

 

“Eu vejo minha carreira parecida com a do Tite em seu começo. Tite começou no Veranópolis, teve um acesso em 1992, eu jogava contra como treinador. Cheguei a enfrenta-lo também como jogador. Ele me inspira porque o nosso começo é muito parecido. Não tento fazer igual, mas tenho o Tite como exemplo de que é possível”

 

Compraram a ideia e muitos deles já colhem os frutos do título…

Sim, o Jardel, por exemplo, foi para o Londrina. O nosso goleiro Matheus tem pré-contrato com o Juventude, mas o Grêmio tem interesse. O João Paulo e o Juninho foram para o Juventude. O lateral-direito Léo acertou com o Joinville. Sete atletas estavam bem encaminhados para sair.

 

“Não surgindo nada, eu quero fazer alguns estágios. Tenho um bem encaminhado no Flamengo. Existe essa possibilidade de, nos próximos dias, fazer um estágio lá no Flamengo”

 

E a sua situação? Houve sondagem do Vitória?

Realmente houve uma sondagem do Vitória. Meu nome estava lá, entre outros (Petkovic assumiu o cargo na última quinta-feira). O que está definido é que eu acertei com a diretoria do Novo Hamburgo a minha saída.

 

Por que não ficar para a Série D?

Esse foi o melhor momento para sair. Não tenho nada definido com time algum. É o momento que tenho para sentar com algum clube, conversar. Não quero começar um trabalho para a Série D do Campeonato Brasileiro e para a Copinha (Supercopa Gaúcha) e depois sair. Não gosto disso. Gosto de começar e terminar um trabalho.

 

A sua expectativa é assumir um time da Série A?

Quero assumir um time com uma estrutura boa, com uma situação boa, em um campeonato bom para dar sequência no meu trabalho. Independentemente de ser na Série A, na B ou de salário, o que eu desejo é fazer um bom trabalho.

 

Enquanto a proposta não vem, podemos dizer que vai tirar uns meses sabáticos?

Não surgindo nada, eu quero fazer alguns estágios. Tenho um bem encaminhado para fazer no Flamengo. Eu joguei com o Rodrigo Caetano (diretor executivo de futebol do clube carioca). Eu e o meu empresário (o ex-jogador Cassiano Mendes da Rocha) conversamos com ele, e existe essa possibilidade de, nos próximos dias, fazer um estágio lá no Flamengo.  Posso fazer uns estágios no exterior também, mas tudo vai depender do que acontecer daqui em diante. Se eu assumir um novo desafio isso não será possível.

 

“Independentemente de idade, se (Vinicius Junior) estiver bem, tem que jogar. Pelo que eu vi, ele é diferenciado”

 

Muito se fala em escola gaúcha. Qual é a sua linha nessa lista que tem Carlos Froner, Ênio Andrade, Luiz Felipe Scolari, Tite, Mano Menezes…

Não cheguei a trabalhar com o Carlos Froner, mas é da minha cidade, São Borja. Eu vejo minha carreira parecida com a do Tite em seu começo. Tite começou no Veranópolis, teve um acesso em 1992. Eu jogava contra ele como treinador. Cheguei a enfrentá-lo também como jogador. Ele me inspira porque o nosso começo é muito parecido. Não tento fazer igual, mas tenho o Tite como exemplo de que é possível.

 

Luiz Felipe Scolari e Tite sempre vão agradecer a Nossa Senhora do Caravaggio pelos títulos, lá em Farroupilha. Você também costuma ter esse momento de fé?

Quando eu subi o Caxias, fizemos uma promessa de andar de Caxias do Sul até lá. Neste ano, eu vou lá de novo. Moro em Santa Cruz do Sul, a 150km de Farroupilha, e vou de carro até lá. Depois do estágio no Flamengo, quero pagar as minhas promessas.

 

Muricy Ramalho e Abel Braga também são suas inspirações?

São dois treinadores que trabalharam durante muito tempo aqui no Rio Grande do Sul e eu acompanhei de perto. Eu sempre gostei muito da postura dos dois, da autenticidade, dos treinos, das entrevistas, da simplicidade. Eu não fujo muito disso.

 

Quando o Renner foi campeão gaúcho, revelou o goleiro Valdir Moraes. Na conquista do Juventude, surgiu Lori Sandri. No título do Caxias, o técnico era o Tite. Qual é o legado do Novo Hamburgo para o futebol gaúcho e brasileiro?

O legado não é jogador, não é o Beto Campos. É o renascimento do interior do Rio Grande do Sul. A gente sabe a dificuldade de chegar a uma semifinal. A conquista do Caxias fazia 17 anos. Nós passamos pelos dois. Eliminamos o Grêmio, um dos melhores times do Brasil, e depois dois jogos contra o Inter. Se fosse apenas um jogo, diriam que o Grêmio e o Inter estavam em um dia ruim, mas foram duas partidas contra cada um deles.

 

Quais são as suas preferências táticas?

Eu usei dois sistemas aqui no Campeonato Gaúcho: o 4-2-3-1 e depois o 4-1-4-1 nas semifinais e na decisão. Não alteramos muitos jogadores, mudamos o posicionamento.

 

“O legado não é jogador, não é o Beto Campos. É o renascimento do interior do Rio Grande do Sul. Nós passamos pelos dois (Grêmio e Inter). Se fosse apenas um jogo, diriam que o Grêmio e o Inter estavam em um dia ruim, mas foram duas partidas contra cada um deles”

 

Qual é o time que o inspira?

Eu gosto muito de ver o Barcelona. É um trabalho de anos, um estilo. Mas hoje, o Real Madrid encanta.

 

Pra terminar, vou colocá-lo numa fria. O Vinicius Junior está inscrito no Brasileirão e até relacionado para a partida contra o Atlético-MG. Você colocaria o menino de 16 anos na pista, para jogar, ou seguraria mais um pouquinho?

Independentemente de idade, se estiver bem, tem que jogar. Lógico que respeitando quem está na posição. Pelo que eu vi, ele é diferenciado. Por isso, é preciso ter cuidado.