WhatsApp Image 2021-04-14 at 10.30.06 Samir incentiva colegas de time a ir além do salário cuidar do patrimônio. Foto: Arquivo Pessoal/Samir Samir incentiva colegas de time a ir além do salário cuidar do patrimônio. Foto: Arquivo Pessoal/Samir

Entrevista: Samir | Revelado pelo Fla, zagueiro da Udinese joga de terno no campo dos negócios

Publicado em Esporte

Samir Caetano de Souza Santos roeu o osso no time do coração, o Flamengo, no início da era Eduardo Bandeira de Mello. O então presidente assumiu o clube apertando os cintos. Mesmo numa equipe modesta, o zagueiro de 26 anos ganhou a Copa do Brasil 2013 e o Carioca 2014. Cria da base, ajudou a reforçar o caixa ao ser vendido para a Udinese, da Itália, aos 22 anos, por 4 milhões de euros. Mas o talento de Samir vai além da convocação, em 2019, para a Seleção Brasileira, no projeto de Tite para a Copa do Qatar-2022. O beque é tão bom que joga de beca, ou melhor, terno, em outro setor — os mercados imobiliário e financeiro. Apaixonado por construção e arquitetura, não para de investir em novos empreendimentos. Organizado, tem o patrimônio e outras aplicações administradas por uma firma de Ronaldo Fenômeno — a R9 Family Office. A vida de executivo é um dos temas da entrevista ao blog.

 

Como surgiu o interesse por investimentos e mercado financeiro? Fala com jogadores sobre como gerir patrimônio?
Surgiu há uns três anos. Começou pelo setor imobiliário. Um amigo, que é do ramo, disse que era um dos melhores investimentos, principalmente, o aluguel de imóveis. Sentei com ele e disse: “me fala mais sobre isso”. Ele tinha alguns terrenos e um amigo dele era dono de uma construtora, aí, deu tudo certo. Hoje, tenho imóveis construídos e estou aguardando a licença da prefeitura (do Rio) para construir mais. Sou apaixonado pelo ramo imobiliário e por arquitetura. Converso muito com outros jogadores sobre ter uma renda variável e não depender apenas do nosso salário. É importante estar atento ao mercado financeiro. Hoje, você tem os bitcoins, que é algo muito novo. Mas, essa parte da minha vida, eu deixo sob responsabilidade da R9 Family Office, que é a empresa que cuida de muitas coisas, inclusive, faz a gestão financeira. No imobiliário, eu toco. Meu amigo ajuda a fazer a gestão dos imóveis. Ele é os meus olhos no empreendimento no Brasil.

 

Qual foi a sua postura diante da pandemia? O que mudou nesse período?
Estamos muito vulneráveis, todas as classes. Eu e mais dois brasileiros aqui da Udinese somos os únicos que não tivemos covid-19. Ainda não sei se vou ao Brasil no fim desta temporada, por causa dos problemas dos voos. Aqui na Itália, estamos conseguindo nos mover. Mudou muito a nossa rotina. Agora é do trabalho para casa. A falta de torcida também tem feito muita diferença. Eu fico pensando nas pessoas que não conseguem se manter nesse período. É muito triste.

 

Qual é o papel da R9 Family Office na gestão do seu patrimônio?
Estamos juntos há dois anos. Eu tinha muitos problemas para gerir a vida extracampo. Meus pais, que estavam no Brasil, e eu, ficávamos muito perdidos. Depois que conheci a empresa, que pertence ao Ronaldo, pude ver como ela é muito qualificada, com grandes profissionais, e a minha vida mudou. Meus pais deixaram de ter dor de cabeça. Posso ficar focado no futebol. O resto eles que tocam por lá. Reservas de hotel, cuidar de passaporte, renovação de CNH. Vai da parte financeira ao pagamento de conta de luz. Estou muito feliz com essa parceria.

 

O que você destaca de mais diferente entre os mercados brasileiro e europeu?
A qualidade do brasileiro é indiscutível. Temos a cultura do drible, da ginga. O europeu é mais centrado. Estou na Itália há cinco anos e trabalhamos muito a parte tática. Muitos brasileiros não se adaptam. Quando cheguei na Udinese, não pude jogar por questão de vaga de extracomunitário. Fui emprestado ao Hellas Verona e isso foi muito importante para o meu crescimento. A diferença mais marcante entre o futebol brasileiro e o europeu é a questão tática. Aqui a gente ocupa os espaços, o campo fica curto, temos de pensar rápido. Quando vejo o futebol no Brasil, parece mais lento. Mas, tecnicamente, somos os melhores.

 

Como projeta a aposentadoria em termos de acúmulo de patrimônio? Pensa em abrir um negócio? Viver de renda?
Eu procuro acumular renda, patrimônio, para ter um poder de escolha. Estou trabalhando para isso. Procuro investir em segmentos como o de imóveis, que acho mais seguro. Mas é importante diversificar os investimentos. Se um não render, o outro segura. Abrir um negócio é mais complicado. Você tem que estar presente. Todo mundo precisa de moradia. A ideia é construir e alugar para gerar renda. Quero fazer isso para aproveitar o futebol até o dia de parar e depois cuidar da família.

 

Você jogou no Flamengo da Era Bandeira de Mello em um tempo de sacrifício para que o atual elenco desfrutasse de tantos títulos. Queria estar saboreando o filé?
Tenho de dar os parabéns ao presidente Eduardo Bandeira de Mello. Vou contar um fato que, talvez, poucas pessoas saibam. Desde quando ele assumiu, se não me engano, em 2013, até quando eu saí, eles atrasaram o salário uma única vez. E, mesmo assim, fizeram uma reunião no vestiário avisando que o salário atrasaria e colocaram uma data para o crédito. E cumpriram. Hoje, o Flamengo está muito bem. Tenho muita alegria de ter participado dos títulos de 2013 (Copa do Brasil) e 2014 (Carioca). Eu poderia ter ficado e conquistado outros títulos. Fico aqui de longe, assistindo aos jogos!

 

Qual é o lugar do Bandeira na história do Flamengo? E do Rodolfo Landim?
Hoje, o Flamengo é o que é por causa do Eduardo Bandeira de Mello. Ele ajeitou a casa. Falou que pagaria as dívidas do Flamengo, pagou, e disse que o Flamengo seria uma potência em até cinco anos. É o que estamos vendo. Casa em ordem, pagamento em dia e harmonia. Conheço pouco da gestão do Landim, mas também faz um grande trabalho. O Bandeira revolucionou o Flamengo e Landim dá continuidade.

 

Vou contar um fato que, talvez, poucas pessoas saibam. Desde quando ele (Eduado Bandeira de Mello) assumiu (o Flamengo), se não me engano, em 2013, até quando eu saí, eles atrasaram o salário uma única vez. E, mesmo assim, fizeram uma reunião no vestiário avisando que o salário atrasaria e colocaram uma data para o crédito. E cumpriram.

 

 

Qual é o segredo do sucesso do Flamengo?
Precisava de uma pessoa que entendesse de negócios para revolucionar o Flamengo. Era um grupo de empresários. Eles não visavam o dinheiro do Flamengo, queriam que o clube virasse potência. Dedicaram-se para isso. Amortizaram dívidas e colocaram o Flamengo nos trilhos. Hoje, o Flamengo paga milhões para jogadores, em dia, e tem um dos melhores centros de treinamento do Brasil. Isso era inimaginável. O Bandeira dizia: ‘não vou prometer bons jogadores, não, a meta é deixar o Flamengo no azul’. Com a casa arrumada, o resto é só alegria.

 

Você se machucava muito no Flamengo. Hoje, é um dos mais frequentes em campo na Udinese. O que mudou?
Sim, eu me machucava demais. Às vezes, por ser muito novo e não conhecer o meu corpo. Não fazia trabalhos de prevenção, academia… Sou um jogador muito forte e preciso ter flexibilidade. Faço muita força para sair do lugar. Não fui orientado pelas pessoas que trabalhavam comigo. Isso atrapalhava. No período de descansar, eu queria ir para a rua. Não completei 100 jogos pelo Flamengo. Isso atrapalhou o meu desenvolvimento. Aprendi na Europa. Se eu voltasse ao Brasil, hoje, seria outra pessoa. Eu chegava em cima da hora no treino. Aqui, não, chego uma hora antes. Tomo café, faço fisioterapia, academia, aquecimento e chego quente no treino. Demoro mais fora do campo do que dentro. Quando acaba, volto na fisioterapia, piscina. No Flamengo, eu chegava, trocava de roupa, fazia o aquecimento e ia a campo. Na Udinese fizeram meu estudo corporal. Nesta temporada, tenho 27 jogos de 34.

 

Você é zagueiro, mas foi lateral e até ponta. A Itália elevou seu patamar?
Aqui é uma escola muito boa para defensor. Cheguei aqui na Udinese e, 10 dias depois, fui emprestado ao Verona. Fiquei lá seis meses. Eu poderia ter falado ‘não vou’, mas fui. Fiz gol na estreia, disputei apenas três partidas, mas foi muito importante. Vivi em outro lugar, aprendi a cultura, a mentalidade italiana no futebol. Thiago Silva também cresceu aqui. Jogou só ao lado do Maldini e do Nesta (risos). Você tem que estar sempre em campo, não importa onde o treinador o coloca. Fui lateral-esquerdo quando voltei para a Udinese. Sou versátil. Joguei de ponta, que aqui se chama “quinto” no 3-5-2.

 

Você foi convocado pelo Tite, em 2019, mas não voltou. Por que?
A Seleção só tem jogadores que atuam em clubes top. Casemiro (Real Madrid), Alisson, Fabinho e Firmino (Liverpool), Philippe Coutinho (Barcelona), Neymar (PSG). Cheguei pela Udinese. Sem menosprezar o time em que estou, mas, para estar na Seleção, é disputar Champions League, Europa League, com grandes jogadores. É onde você enfrenta jogadores que fazem a diferença e estarão na Copa. Eu preciso dar o salto de qualidade. Sair da Udinese, ir para um time grande, que me dê visibilidade, me consolidar e ter uma nova chance de voltar à Seleção.

 

Luxemburgo e Jayme de Almeira disseram ao Tite que você é forte, capaz de sair jogando, mas tem dificuldades no um contra um quando é cortado para o lado direito. Concorda?
Por eu ser canhoto, a gente tem dificuldade de girar para a nossa direita, mas não é nada que possa me causar grandes problemas. Luxemburgo foi o melhor treinador que tive. Jayme de Almeida deu oportunidade no profissional do Flamengo. Os dois ficaram no meu coração. Com o Jayme, aprendi a ser mais humano. Com o Luxemburgo, a ser mais profissional. Agradeço por terem passado coisas boas ao Tite. Espero mudar o que eles pensam.

 

A Itália não para de naturalizar brasileiros. Você recebeu convite?
Por estarem aqui há muito tempo, criam esse afeto pela Itália. Eles veem um caminho mais curto para disputar a Copa. Tem o Jorginho, Emerson Palmieri, Rafael Tolói. Na Seleção, se você piscar, sai. É oportunidade de jogar em uma seleção que seja um pouco mais fácil que a do Brasil. Por um sonho, optaram por isso. Nunca tive convite. Se tivesse, talvez, não aceitaria. Mas não sei o dia de amanhã. Se não tiver chance de disputar um Mundial pelo Brasil, a gente vai pela outra via.

 

A Inter está perto de evitar o décimo título seguido da Juventus. É a melhor notícia o Campeonato Italiano?
É legal a quebra dessa hegemonia. Se a Juventus fosse campeão nesta temporada seria o décimo título. É muito ruim entrar em um campeonato sabendo que a Juventus será campeã. A mudança é importante. A Inter está fazendo um campeonato maravilhoso. Vai ser muito difícil eles perderem esse título, já está na mão.

 

A torcida do Flamengo sonha com a sua volta. Fez até campanha. Você tem 26 anos. Retornaria ao Brasil tão jovem?
Só tenho a agradecer ao Flamengo por tudo o que sou hoje. Se estou aqui, há cinco anos, é porque plantei lá e colhi. Fui campeão no Flamengo. Fiz história. Meu sonho, sim, é voltar para o Flamengo. Tenho mais dois anos de contrato. Ninguém chamou, ainda, para renovar. Se um dia o Flamengo precisar do meu serviço, a gente senta para conversar e vê o que fica bom para todo mundo. O Flamengo é a minha casa, sou do Rio de Janeiro. Imagina voltar ao Flamengo, essa máquina. A cada 20 jogos ganha um título (risos). Se bater na porta, a gente escuta. Hoje, sou segundo capitão da Udinese e quero cumprir o meu contrato.

 

 

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