Foto Rojas 2 Roberto Rojas e a esposa, Viviane: "Amor incondicional", diz o ex-goleiro. Fotos: Viviane Rojas/Arquivo Pessoal Roberto Rojas e a esposa, Viviane: "Amor incondicional", diz o ex-goleiro.

Entrevista: Roberto Rojas. Um bate-papo com o melhor goleiro da história da seleção do Chile

Publicado em Esporte

São Paulo — Ele nasceu no Chile, mas escolheu morar no Brasil. É natural de Santiago, porém, não arreda os pés da capital paulista. Aos 61 anos, Roberto Antônio Rojas Saavedra celebra a saúde — e a Copa América — em família com a mulher, Viviane, depois de um período difícil na vida. Em entrevista exclusiva ao blog, o dono das traves da seleção chilena de 1983 a 1989 passa limpo os sete anos de espera por um transplante de fígado depois do diagnóstico de hepatite C, exalta a vitoriosa geração de Alexis Sánchez e Arturo Vidal, atual bicampeã da Copa América (2015 e 2016) e semifinalista na partida desta quarta-feira contra o Peru, às 21h30, na Arena Grêmio, em Porto Alegre, vê futuro no jovem arqueiro Fariñez, da Venezuela, e conta como obteve perdão após cometer o maior erro da vida. Em 3 de setembro de 1989, escondeu uma lâmina na luva no segundo tempo do duelo contra o Brasil, no Maracanã, pelas Eliminatórias para a Copa de 1990, à espera de uma oportunidade para se cortar, prejudicar a Seleção e forçar outro jogo em campo neutro. Quando Rosinery Mello do Nascimento atirou um foguete no gramado, Rojas colocou a farsa em ação e pagou caro. Banido do futebol, voltou ao futebol graças à generosidade de quem considera um pai: Telê Santana.

 

O que explica essa era dourada do Chile. Bi da Copa América, semifinalista pela terceira edição consecutiva, vice da Copa das Confederações…

Alexis Sánchez, Arturo Vidal, Gary Medel, Mauricio Isla… jogam juntos na seleção desde as divisões de base. Além disso, saíram cedo para trabalhar na Europa. O nível técnico e tático deles evoluiu muito. E tem o fator (Marcelo) Bielsa. Ele pegou esse grupo quando eles estavam jogando fora do país e deu a cara dele. É todo um processo. Os sucessores de Bielsa, como Jorge Sampaoli, Juan Antonio Pizzi e agora Reinaldo Rueda mexeram pouco nesse legado. Hoje, não é o mesmo Chile das Eliminatórias ou de 2015, mas é um time ajustado, dispões de boas peças. Sabe tirar proveito coletivamente do individual.

 

Como essa seleção será lembrada?

Como um grupo bom que jamais precisou de estrelas, jogou coletivamente. Uma geração que conquistou resultados ótimos. Do ponto de vista de títulos, nunca houve uma seleção como essa. Nunca se trabalhou tanto quanto nos últimos 10 anos. Antes, não havia apoio, marketing. A estrutura da federação é outra, muito profissional.

 

Vislumbra o Chile na final pela terceira edição consecutiva?

Não me parece que a semifinal vai acabar com jogadores para cada lado. Às vezes, descamba para questões políticas. E uma rivalidade acentuada por causa da nossa história (Guerra do Pacífico por parte do deserto do Atacama) e do que aconteceu nas Eliminatórias para a Copa da Rússia (os chilenos acusam Peru e Colômbia de terem combinado o empate por 1 x 1 que classificou os rivais para a Copa da Rússia e chamam o resultado de Pacto de Lima).

 

Roberto Rojas visita a concentração do Chile em São Paulo

 

O futebol chileno tem um baita treinador como o Manuel Pellegrini. Por que a escolha recorrente por estrangeiros?

Sempre foi complicado técnico chileno trabalhando no Chile. Chegou o Bielsa e descobriu as melhores condições para desenvolver o Chile. Isso deu certo. Quando dá certo, tem que dar continuidade. Melhorar o que está dando certo. Reparar os pequenos defeitos. Hoje, temos novos técnicos no Chile, mas os treinadores estrangeiros sempre foram melhores.

 

Pensou algum dia em ser técnico do Chile?

Eu nunca quis ser técnico. Assumi o São Paulo por causa de uma necessidade (classificou o tricolor para a Libertadores no Brasileirão de 2003). Voltei ao futebol para ser preparador de goleiros. É preciso ser muito especial para ser técnico. Eu não tenho essa capacidade. Ser especial é ter capacidade para administrar imprensa, jogadores, organizar treinamentos…

 

“Quero que essa seleção chilena seja lembrada como um grupo bom, que jamais precisou de estrelas, jogou coletivamente. Uma geração que conquistou resultados ótimos. Do ponto de vista de títulos, nunca houve uma seleção como essa”

 

Por falar nisso, concorda com a ausência do Bravo na Copa América?

Tem dois aspectos. Ele rompeu o tendão de Aquiles no Manchester City. A recuperação de uma lesão desse tamanho é complicada. Reinaldo Rueda analisou isso. Não poderia contar com um goleiro com 60%, 70% de rendimento. Entre um goleiro sem ritmo e um campeão argentino (Arias) pelo Racing, escolheu quem está em alto nível. Fora de campo, Bravo passou por um desgaste grande com o elenco. Coisas de vestiário devem ficar dentro do vestiário. Começaram a sair coisas, personagens extracampo, família, perda de confiança. O grupo analisou essa situação e pediu ao técnico para não contar mais com ele. É o que se fala.

 

Está gostando dos goleiros na Copa América?

Não houve goleiro que ganhou um jogo sozinho. O Fariñez, da Venezuela, é um goleiro jovem. Alisson foi pontual contra o Paraguai. Os goleiros não estão trabalhando muito porque os atacantes não estão sendo incisivos. Temos excelentes centroavantes, mas parecem cansados. Por que (Éverton) Cebolinha está muito acima da média? Ele está na metade da temporada aqui no Brasil, em outro nível físico.

 

Rojas, a esposa Viviane e o neto Enzo com Arthuro Vidal em São Paulo

 

Há 30 anos, você foi protagonista da farsa do Maracanã ao se cortar depois que um foguete foi atirado no gramado. Como obteve perdão e reconstruiu a sua vida?

Eu assumi o erro. Quem tem consciência assume a curto ou longo prazo. Sou pai, chefe de família. Como eu poderia cobrar um filho meu sem tentar corrigir o meu passado? Assumi o que cometi (Rojas admitiu que premeditou no intervalo do jogo contra o Brasil, em 1989, o uso de uma lâmina para se cortar quando tivesse uma oportunidade). Eu decidi reconstruir a minha vida depois de ficar muito tempo escondido dentro de casa e recuperei o respeito.

 

Quem tratou você com mais carinho?

Quando você assume os erros, as portas se abrem. Em 1993, o Telê Santana convidou-me para trabalhar com ele sem eu jamais ter falado com Telê. Conversou comigo, em Santiago, dizendo que ele queria trabalhar comigo. Eu disse: ‘como assim?’. Ele repetiu que ele gostaria de trabalhar comigo. Como eu diria não? Ali começou uma nova etapa na minha vida. Tem gente que comete muitos erros e conseguem dormir. Eu não conseguia. Eu costumo dizer depois disso tudo que assumir o erro é a primeira porta para voltar a ser a pessoa que era. Raí, Müller, Telê Santana e o comandante Rolim na época (dono da TAM) fizeram de tudo por mim e voltei ao futebol como preparador de goleiros do São Paulo. Todos foram solidários.

 

“Quando você assume os erros, as portas se abrem. Em 1993, o Telê Santana convidou-me para trabalhar com ele sem eu jamais ter falado com Telê. Conversou comigo, em Santiago, dizendo que ele queria trabalhar comigo. Eu disse: ‘como assim?’. Ele repetiu que ele gostaria de trabalhar comigo. Como eu diria não?”

 

A reconquista da sua saúde e a sua mulher são os seus maiores troféus?

Fiquei sete anos na fila de transplante de fígado. Fiquei mal por muito tempo até passar pela intervenção. Sou muito grato à minha mulher (Viviane Rojas). Além de esposa, é minha enfermeira, secretária, meu tudo. Não sei nem o nome dos remédios que eu tomo, mas elas sabe. Ela foi fundamental na minha recuperação. Um amor incondicional me tirou dos momentos difíceis. Estamos juntos há 10 anos. Você pode ter título, medalha pessoal, mas se não tiver uma família, uma sustentação sólida, a vida não valerá a pena.

 

Se você encontrasse o Neymar, qual conselho daria a ele?

Ele sempre teve uma vida extracampo muito agitada. As exigências mudam. Ele atingiu a fama e ficou independente financeiramente muito novo. Não dá para ter uma vida tão ativa 24 horas por dia e ser atleta. Ele faz coisas extracampo que não são do futebol. Ele precisa entender que tudo o que conseguiu foi por meio do futebol, não fora de campo. Tem que rever o caminho, mas aí entra a questão familiar. Isso é fundamental para recolocá-lo no trilho. O Neymar como jogador é indiscutível, mas o extracampo expõe demais.

 

 

 

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