Saga A fila para retirada do ingresso em uma loja do Rio, horas antes de Cruzeiro x Flamengo ingresso em uma loja do Rio, horas antes de Cruzeiro x Flamengo

A difícil experiência de ser um sócio-torcedor do Flamengo fora do Rio de Janeiro

Publicado em Esporte

O colega jornalista Venê Casagrande publica nesta quarta-feira em seu blog que o Flamengo lançará, nesta quinta-feira (23), um programa sócio-torcedor batizado de “Onde estiver estarei” voltado para rubro-negros que não moram no Rio de Janeiro. Torço para que dê certo. A seguir, publico uma história enviada ao blog Drible de Corpo por um sócio torcedor aqui do Distrito Federal contado a saga dele para assistir ao confronto entre Flamengo x Cruzeiro, em 8 de agosto, no Maracanã, pelo duelo de ida das oitavas de final da Copa Libertadores da América. Ele pediu para não ter a identidade revelada devido aos absurdos aos quais se submeteu para chegar a tempo no estádio. Confira a seguir…

 

“O Flamengo se propõe a ser um time nacional. Pelo tamanho de sua torcida, tinha condições até de ser mundial. Mas na hora de capitalizar esse apoio, o clube parece ser incapaz até de faturar até mesmo dentro dos limites do município do Rio de Janeiro. Digo isso, porque, como flamenguista, decidi me tornar sócio-torcedor, mesmo morando em Brasília. Não por influência da administração do Flamengo. E, sim, apesar dela.

De cara, o torcedor de fora do Rio de Janeiro que pretende entrar no programa, já sai atrás na principal vantagem do ST: o desconto em ingressos. Não tenho a oportunidade de ver o time em casa até duas vezes por semana. Logo, não consigo igualar a conta entre o valor da mensalidade (no meu caso, R$ 40) e os benefícios recebidos.

Mesmo assim, acabei atraído pela prioridade na compra de ingressos, vantagem que prometia ser bastante útil, sobretudo nos últimos anos, quando acreditava-se que a equipe — com situação financeira bem resolvida — disputaria várias partidas importantes.

Comprei o ingresso para o jogo Flamengo x Cruzeiro, válido pelas oitavas de final da Libertadores da América, no primeiro dia de venda para o meu plano de ST, em 23 de julho, mais de duas semanas antes do confronto. Depois, perceberia que toda essa antecedência nem teria sentido, afinal, os bilhetes passaram longe de se esgotar. Mas esse foi apenas o primeiro momento que senti que não valia a pena ser sócio-torcedor. O pior ainda estava por vir.

Vários dias antes da partida, o Flamengo vinha avisando por e-mail que, “de acordo com orientação dos órgãos de segurança do Rio de Janeiro”, os sócios-torcedores não poderiam utilizar o cartão-ingresso como método de acesso ao Maracanã. A restrição, aliás, vale para todos os jogos eliminatórios. Assim, seria preciso trocar o voucher do ingresso comprado pela internet pelo ingresso físico.

Para quem mora no Rio de Janeiro, apenas um leve incômodo. Para quem é de fora, um verdadeiro transtorno. Meu voo chegaria ao Rio às 19h15 do dia da partida. O prazo já era curto. Para piorar, houve um atraso e acabei desembarcando no aeroporto do Galeão às 20h05. A essa altura, só dois pontos de troca estariam abertos (lembrando que não haveria troca no Maracanã por motivos que desconheço em absoluto): uma loja no aeroporto Santos Dumont e outra na rodoviária Novo Rio. Optei pelo segundo. Levei 40 minutos para chegar lá.

Quando cheguei, a pequena euforia que eu ainda tentava manter se esvaiu. Virou desespero. A uma hora do apito inicial, estava a 30 minutos do Maracanã (contando com o trânsito) e diante de uma fila onde eu, certamente, passaria mais de uma hora. Foi, então, que o jeitinho brasileiro se manifestou. Os vendedores da loja onde ocorria a troca ofereceram a oportunidade de furar a fila, caso eu comprasse uma camisa oficial de R$ 249. Sem nenhum orgulho, confesso que cedi à pequena corrupção. Afinal, era isso ou perder o jogo depois de tudo que já havia passado para chegar ali.

Com o ingresso em mãos, corri para o Maracanã. Desembarquei de um táxi em frente à entrada Oeste da arena. Meu ingresso era para a Leste. Dei uma volta de 180º naquele que já foi o maior estádio do mundo, com o adendo de que, no meio do caminho, havia um pedaço isolado para entrada de torcedores do Cruzeiro, o que me obrigou a aumentar o trajeto, percorrendo ainda algumas ruas da zona Norte carioca.

Ainda esbaforido, entrei no estádio faltando um minuto para a bola rolar. Logo na entrada, já percebi uma atmosfera bem diferente daquela que costumava ver no Maracanã, principalmente em jogos dessa dimensão e durante fases tão boas quanto a atual. Havia muitos lugares vazios e uma certa apatia da torcida — que, via de regra, é de longe a mais empolgada do planeta. Dez minutos depois, o Cruzeiro abriu o placar e o silêncio só era rompido pela eufórica torcida celeste que, mesmo em número muito menor, fazia mais barulho.

À exceção dos setores onde estavam as torcidas organizadas, só era possível ouvir músicas de apoio ao Flamengo antes das cobranças de escanteio. Então, Diego cruzava nas mãos de Fábio e as canções eram interrompidas antes mesmo da conclusão. As vaias e xingamentos eram mais comuns — o que é bem pouco usual no Maracanã. Aos 32 minutos do segundo tempo, novo gol do Cruzeiro e, mesmo a tanto tempo do fim e em um confronto de dois jogos, vários torcedores começaram a deixar o estádio. Depois do apito final, os remanescentes chamaram o time de sem vergonha e vaiaram um pouco mais.

Para mim, a conclusão é de que não valeu a pena. Jamais pela derrota. Ganhar ou perder é parte do jogo. Não valeu a pena viajar tantos quilômetros e ir ao Maracanã para encontrar uma torcida digna de Mané Garrincha — mais preocupada com selfies do que com o espetáculo dentro das quatro linhas. E absolutamente não valeu a pena ter virado sócio-torcedor e literalmente pagar para enfrentar tantos transtornos.

Agora, pergunto ao Flamengo: apesar dos mais de R$ 3 milhões de renda, valeu a pena tantos maus tratos aos sócio-torcedores? Mais do que isso, valeu a pena afastar do estádio aqueles que não têm condições de arcar com a mensalidade e com os ingressos de alto custo? O próprio rubro-negro já sentiu que preços mais baixos são sinônimos de casa cheia. Cheia de gente e cheia de apoio.

Espero que, em campo, a derrota para o Cruzeiro sirva para arrumar o time para o jogo da volta e para os demais confrontos decisivos do mês. Fora dele, espero que a insatisfação dos torcedores — sócios ou não — passe o recado de que há muito a ser ajustado. Antes de se preocupar em montar um elenco milionário, o Flamengo precisa se preocupar em satisfazer seu maior patrimônio, de valor inestimável: a torcida.”