TREINO DO PALMEIRAS EM BELO HORIZONTE Conflitos com Eurico Miranda fizeram Felipão resistir ao Vasco. Foto: César Grecco/SEP Conflitos com Eurico Miranda fizeram Felipão resistir ao Vasco.

Dezoito anos na vida de Felipão: do não ao desafeto Eurico Miranda ao “jogo do título” em São Januário

Publicado em Esporte

Luiz Felipe Scolari poderia ter trabalhado em São Januário numa das melhores fases da centenária história do Club de Regatas Vasco da Gama. Luiz Felipe Scolari pode ser campeão neste domingo, em São Januário, na pior fase da centenária história do Vasco. Em 2000, Felipão rejeitou convite do desafeto Eurico Miranda. Dezoito anos depois, tem a chance de fazer a festa do Palmeiras na casa do time do coração do ex-presidente cruz-maltino, ampliar o risco do quarto rebaixamento do clube carioca e deletar a imagem de 2012, quando saiu do estádio demitido depois de uma derrota por 3 x 1 para o Vasco.

Nos bons tempos, o Vasco se dava ao luxo de sonhar alto. Assim como Palmeiras de hoje, turbinado pelo patrocínio da Crefisa, contava na época com com um forte mecenas — o Nations Bank. Graças à verba, montou timaços e destruiu sonhos de Felipão. Na Copa João Havelange de 2000, desbancou o Cruzeiro nas semifinais. Três anos antes, conquistara o Brasileirão de 1997 contra o time paulista.

Atolado em um interminável tempo de vacas magras, o Gigante da Colina apequenou-se. Se não vencer neste domingo, será um mero coadjuvante da volta olímpica alviverde. Foi assim também em 2015, no título do Corinthians, de Tite, conquistado dentro de São Januário, em uma noite de quarta-feira.

Na época das vacas gordas, o vice de futebol Eurico Miranda apontou o dedo para Luiz Felipe Scolari e abriu negociação para tê-lo como técnico. Cansado de esperar o “sim” de Felipão, o cartola abriu mão do sonho de consumo distribuindo alfinetadas. “Eu já tinha combinado tudo com ele, mas, como ele sumiu, nós desistimos. O Vasco precisa de alguém de nível, como é o Oswaldo (de Oliveira), um vencedor”, explicou, referindo-se ao treinador que havia levado o Corinthians ao título do Brasileirão em 1999, e Mundial de Clubes da Fifa (em cima do Vasco), no início de 2000.

 

Eu já tinha combinado tudo com ele, mas, como ele sumiu, nós desistimos

Eurico Miranda, em 2000, sobre a negociação com Felipão

 

Luiz Felipe Scolari alegou a esposa dele, dona Olga, foi fundamental na reviravolta. Ele fechou com o Cruzeiro e viu o então presidente Zezé Perrela tripudiar do dirigente vascaíno. “Morri de rir quando o Eurico Miranda disse que iria contratar o Felipão”, ironizou.

Ironia do destino, os caminhos de Luiz Felipe Scolari e do Vasco se cruzaram nas semifinais da Copa João Havelange do ano 2000. Em São Januário, o Cruzeiro arrancou empate por 2 x 2 em um jogo polêmico. A delegação do Cruzeiro alegou que o vestiário de São Januário não estava em condição de receber a equipe mineira. As duas diretorias trocaram farpas. Para completar, Oswaldo de Oliveira achou de dar um abraço em Felipão antes do duelo. Virou um dos motivos para Eurico demiti-lo no dia seguinte. “Não gostei desse abraço em Felipão”, esbaforiu Eurico.

A razão principal da queda, no entanto, havia sido a agenda de treinos do Vasco. Oswaldo deu folga ao elenco. Eurico exigia treino por causa da final da Copa Mercosul contra o Palmeiras. Embalado pela virada épica contra o Palmeiras na final do torneio continental, o Vasco despachou o Cruzeiro, de Felipão, no Mineirão, por 3 x 1, e marchou rumo à final.

 

Morri de rir quando o Eurico Miranda disse que iria contratar o Felipão

Zezé Perrela, presidente do Cruzeiro em 2000

 

Felipão e Eurico Miranda trocaram mais farpas. A maratona insana de jogos do calendário de 2000 deveria ser evitada graças a uma assinatura de Eurico Miranda, segunda a qual o Vasco se comprometia a entrar em campo com um intervalo de dois dias. Felipão atacou: “Vocês (imprensa) têm o documento de que estou falando. Está dito quem é. Precisa ter honradez, dignidade para que essa assinatura valha. Porque se não vale, é o caos da pessoa e da sociedade. Fui mais uma vez ludibriado, como em 1997”, reclamou, referindo ao efeito suspensivo que colocou Edmundo em campo na final do Brasileirão entre Palmeiras e Vasco. O atacante havia sido expulso na partida de ida.

Até Romário foi motivo de discórdia entre Felipão e Eurico. Numa tentativa de ver o filho na Copa, dona Lita fez um apelo público ao técnico da Seleção para leva-lo à Copa de 2002. Em 2014, o técnico culpou Eurico pela ausência do Baixinho na lista.

 

Lembra de um episódio em que a mãe do Romário (dona Lita) deu uma entrevista dizendo: Felipão… meu filho. Ouvi aquilo e mexeu comigo. Mas ao término da entrevista entra quem? Eurico Miranda. E disse: aquele sem vergonha do Felipão… Todo meu sentimento de culpa pela mãe acabou. Algumas coisas podem modificar o que a gente pensa

Luiz Felipe Scolari, em 2014, sobre ausência de Romário na Copa-2002

 

“Lembra de um episódio em que a mãe do Romário deu uma entrevista dizendo: Felipão… meu filho. Ouvi aquilo e mexeu comigo. Mas ao término da entrevista entra quem? Eurico Miranda. E disse: aquele sem vergonha do Felipão… Todo meu sentimento de culpa pela mãe acabou. Algumas coisas podem modificar o que a gente pensa”, explicou na época.

A prova de que “as coisas mudam” é o retorno de Luiz Felipe Scolari a São Januário neste domingo. Em setembro de 2012, saiu do estádio demitido pela diretoria do Palmeiras depois de perder por 3 x 1 para o Vasco. Dois meses antes, ele havia levado o clube paulista ao título da Copa do Brasil, mas o risco de rebaixamento — confirmado no fim daquele ano — fez a diretoria trocá-lo por Gilson Kleina. Neste domingo, o senhor de 70 anos pode deixar São Januário sendo bicampeão brasileiro. Em 1996, faturou o título pelo Grêmio.

 

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