Com o fim do prazo de adaptação, empresas são obrigadas a detalhar impostos em notas fiscais

Publicado em Sem categoria

O prazo de mais de dois anos para a adaptação da lei nº 12.741/12, que obriga as empresas a colocar no cupom fiscal e em painéis visíveis o valor referente aos impostos, parece que não foi suficiente. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), apenas dois em cada dez estabelecimentos comerciais brasileiros estão cumprindo o que determina a lei. São sete milhões de empresas que ainda não se adaptaram, em um universo de nove milhões. A data final para as lojas acaba amanhã (3/2), quando expiram todas as medidas provisórias e portarias que postergaram o início da validade da norma. Assim, o consumidor poderá conferir e cobrar se as empresas estão colocando o valor aproximado que corresponde aos sete tributos previstos.

O Correio analisou 45 documentos fiscais de vários tipos de estabelecimentos – restaurantes, farmácias, mercados, joalherias, lanchonetes, cervejaria, loja de colchões e loja de produtos naturais. Eles foram emitidos entre os dias 9 e 23 de janeiro. Desses cupons, 23 cumpriam a exigência da lei e mostravam o valor dos tributos, os demais não vinham com a informação, muitos, nem em cartazes. Essa dificuldade dos lojistas em se adaptar a norma preocupa associações de defesa do consumidor e entidades de transparência, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o IBPT.

Na opinião de Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Conselho Superior do IBPT, os empresários tiveram um prazo extenso – dois anos- para o amadurecimento e a conscientização sobre a lei, dessa forma, eles já deveriam estar adaptados e cumprindo a lei. “Ninguém pode ter desculpa que não deu tempo. Jamais teve uma lei que instituía uma obrigatoriedade que demorasse tanto tempo para ser exigida”, comenta. Para Amaral, os lojistas deixaram para a última hora. “Eu vejo uma conduta passiva do empresário brasileiro, por mais dificuldade que ele tenha, como um sistema não informatizado, por exemplo, dava para ele se adaptar”, justifica. Ele lembra ainda que o IBPT disponibiliza um software gratuito que faz os cálculos dos impostos.

O presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), Honório Pinheiro, elogia a lei, mas discorda que o prazo de dois anos foi suficiente. “96% dos nossos asssociados são de pequeno porte, eles têm muitas dificuldades na execução dessa lei, até porque o sistema tributário brasileiro é complexo. O imposto que mais pesa no comércio é o ICMS, que é diferente em cada estado. E é importante lembrar que não é só colocar nas notas fiscais, é preciso adaptar também os livros contábeis”, analisa. Pinheiro afirma ainda que a informatização é um gargalo nos pequenos negócios. “Muitas não têm sistema informatizado, o painel ajuda nesses casos”.

Prevista para começar a valer seis meses depois da publicação, a lei n° 12.741/12 só começou a ser efetivamente exigida em junho de 2014, porém, com a ressalva de que a fiscalização deveria ser “orientadora”, o que significa que os estabelecimentos não poderiam ser autuados, nem multados pelo Procon até o dia 31 de dezembro do ano passado. Por isso, os Procons ficaram com pouco espaço de atuação neste período. “Durante esses dois anos, o Procon ficou com esse trabalho informativo, existia a lei, mas ela não tinha eficácia. Agora que vamos começar a fiscalização”, afirma Luciana Manes, assessora jurídica da direção-geral do Procon do Distrito Federal. Segundo Luciana, o órgão fará um trabalho de conscientização de clientes e fornecedores. “Outro dia nos deparamos com uma situação inusitada, um consumidor veio ao atendimento nos perguntar onde ele pagava os impostos, aí explicamos que o valor estava embutido”.


Participação dos consumidores é essencial

A preocupação das associações de consumidores é que a lei saia do papel e seja cumprida. Desde sua publicação no Diário Oficial, houve muita pressão do setor produtivo para que prazo de execução se estendesse. O resultado foram duas medidas provisórias e uma portaria interministerial, todas protelando o início da validade da norma em mais de dois anos. Por isso, entidades de defesa acreditam que a participação do consumidor será essencial para a lei pegar.  “A gente entende que essa lei é muito importante do ponto de vista consumerista porque traz ao consumidor o direito à informação, e do ponto de vista social porque vai informar ao cidadão porque ele vai ter uma noção mais exata do quanto paga ao governo. Mas o cidadão tem ser fiscal, que deve participar e denunciar”, acredita Claudia Almeida, advogada do Idec.

Como a lei demorou para se tornar obrigatória, muitos consumidores ainda estão perdidos sobre quando começa a valer a obrigatoriedade dos impostos discriminados na nota. A aposentada Tereza Carneiro de Souza, 72 anos, é uma dessas. “Eu não tinha percebido que tem escrito o quanto pagamos de impostos. Isso é importante. Vamos ter agora a certeza que pagamos muitos impostos e temos pouco serviço”, falou.

           

A servidora pública Carolina da Riva, 31 anos, sabia da existência da lei, mas ainda não se habituou a olhar a porcentagem de impostos na nota. Na tarde de sexta-feira ela tinha ido comprar material escolar para o filho e se espantou com a quantidade de impostos embutidos, da compra de R$ 410, 36% dessa quantia era impostos. “Essa lei é muito importante. A gente sempre fala que paga muito imposto, agora a gente vai ter a certeza. Acho que com essa lei, as pessoas vão se interessar mais por saber para onde vai o dinheiro pago e qual imposto serve pra quê”, analisa.

A aposentada Kátia Soeiro, 60 anos, vive entre o Brasil e a Austrália há oito anos. Ela conta que já está habituada a ver os impostos nos cupons fiscais porque a prática é comum na Austrália. “Acho um avanço o Brasil inserir essa informação na nota fiscal. O Brasil tem mesmo que copiar as coisas boas do primeiro mundo”, afirmou.

          

Para saber mais:

O painel deve individualizar a carga tributária por produto, ou opcionalmente, agrupar mercadorias que possuam carga tributária análoga (Ex.: alimentos; bebidas; cesta básica; produtos de higiene, etc).

Cronologia da lei:

Novela entre a publicação e a aplicação:

Dezembro de 2012:

A Lei nº 12.741 é publicada com prazo de aplicação em 9 de junho de 2013

Junho de 2013:

A Medida Provisória nº 620, de 12/6/2013, prorroga por mais 12 meses a implantação da lei

Junho de 2014:

A Medida Provisória nº 649, de 5/6/2014, determina que a lei passe a valer, mas sem sanção às empresas irregulares até 31 de dezembro de 2014

Outubro de 2014:

A portaria interministerial nº 85/14 autoriza que empresas que não utilizem sistemas informatizados ou que não adaptaram os seus sistemas exibam cartazes para o cumprimento da lei até o dia 3 de fevereiro de 2015.

Impostos que devem ser contabilizados:

1. Imposto sobre Operações relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS);

2. Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS);

3. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

4. Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF);

5. Contribuição Social para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) – (PIS/Pasep);

6. Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);

7. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide).