Arthur Trindade: “No DF, secretário de Segurança é a rainha da Inglaterra”

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O sociólogo e especialista em políticas de combate à criminalidade faz o diagnóstico: “No Distrito Federal, o secretário de Segurança é a rainha da Inglaterra”.

Depois de deixar a pasta, ele falou com exclusividade à coluna Eixo Capital. Disse acreditar que o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) sucumbiu à pressão de oficiais da Polícia Militar quando recuou na exoneração do comandante-geral da Polícia Militar, coronel Florisvaldo César.

E revela que um programa de redução da violência na capital do país nunca vai obter o sucesso esperado sem um fortalecimento da figura do secretário de Segurança.

Na sua carta de despedida, há vários argumentos para deixar o cargo. Mas qual foi a gota d´água?
O episódio com os professores foi a gota d`água. De fato, discordei da atuação da Polícia Militar. O problema não foi a tropa de choque, que tem o seu protocolo de atuação, mas o acionamento do choque. Não fui consultado nem avisado depois de ocorrido. Não tive nenhuma informação. Isso para mim foi a gota d´água. Mas isso acontece desde janeiro. O comando da PM acha que não tem necessidade de prestar contas, de colaborar com a secretaria. Aquilo foi mal feito, mas não justificaria a minha saída. O fato é que a PM não tem colaborado. Em função disso, o cenário se desdobrou.

Nesse episódio, o comando da PM virou um gigante? O que pode acontecer?
Claro que houve um empoderamento. Mas não posso prever o futuro. Quero ressaltar que há um bom comando. O comandante César é um profissional de alto nível. Mas em função desse fortalecimento o comando nunca sentiu que precisava prestar contas.

Quem criou essa força no comando da Polícia Militar?
É a estrutura da segurança pública do DF. A estrutura é de tal maneira sui generis que as forças policiais são órgãos autônomos. Não há um mecanismo institucional que os obrigue a se submeterem às diretrizes da secretaria. Cada força pode agir de acordo com os interesses e avaliações de seus comandos. Para criar uma política de segurança, com prioridades, metas e estratégias, criam-se atritos.

Dessa forma, então, é impossível implantar o programa Viva Vida, anunciado pelo governador Rodrigo Rollemberg como a solução para combater a criminalidade no DF?
Dá para implantar até onde chegamos. Avançamos, mas os próximos passos exigem uma mudança institucional. Como escrevi na carta ao governador, o Distrito Federal tem o maior orçamento. É o sonho de todo governador e ainda assim nossos indicadores não são ruins, mas são pífios para o tanto que poderíamos fazer. O problema é a estrutura. Não temos uma secretaria empoderada, com capacidade de dirigir essas ações. A culpa não é do governador, do Arthur ou do comandante da PM.

Você é um especialista em segurança e tem formação militar, mas sofreu críticas no começo da gestão por ser sociólogo. Acha que houve resistências na PM?
Olha no começo, nós tivemos estranhamento. Mas depois diminuíram muito. Todos viram que a secretaria tinha gente capaz de formular política. O problema não tem muito a ver com o meu perfil. Tem mesmo a ver com a estrutura de desempoderamento da Secretaria de Segurança. Como há necessidade de se implantar uma política de segurança, os atritos ocorrem.

No Distrito Federal, o secretário de Segurança é a rainha da Inglaterra?
Tradicionalmente, o secretário de Segurança tem sido uma rainha da Inglaterra no DF. Quando se tenta formular uma política, o secretário começa a incomodar muito e passa a ser boicotado. Essa é a fonte de todos os problemas.

É possível falar em política de integração se o comando da PM não admite, como você disse na carta ao governador, uma autoridade civil?
Há uma enorme resistência no comando da PM de se submeter às diretrizes de uma Secretaria de Segurança. A lei tem de mudar. A organização da Polícia Militar é federal, mas há medidas, via decretos ou leis distritais, que podem forçar uma cooperação maior.

Muito se falou que a área de segurança uma das áreas que dava certo no governo Rollemberg. Qual é o impacto desse episódio na política de segurança pública? A criminalidade ganha força?
A política tem realmente dado certo, com destaque na redução dos homicídios. Houve uma queda de 14% no número de homicídios. A redução é muito expressiva em relação ao ano passado, para o histórico dos últimos 20 anos e em relação a outros estados. Uma queda que é expressiva e diz respeito ao trabalho da PM e principalmente da Polícia Civil na investigação criminal e na atuação para coibir gangues. Mas, neste mês, os números não estão bons.

Qual é o motivo? A crise na segurança?
Os dados estão todos afetados por manifestações e greves. Há deslocamentos de policiais militares e civis, tirando-os do combate à criminalidade. Esses eventos afetam enormemente o desempenho da segurança pública. Essa saída vai afetar? Não, se mantiverem as estratégias já traçadas. Mas há um
dado preocupante. Os crimes contra o patrimônio. Na verdade, os índices têm melhorado, mas ainda estão muito aquém do que poderíamos fazer. Isso se deve principalmente à atuação da PM. Nesse ponto, a gente sempre teve muitas dificuldades, justamente pela falta de subordinação. Não adianta ter mais homens na rua, sem uma estratégia. Os homens precisam estar no lugar certo, na hora certa.

Nesses 10 meses, como foi o trabalho com a Polícia Civil?
Houve uma colaboração maior. A Polícia Civil está reorganizando a sua investigação de homicídios. Esse é um tema muito caro para os policiais.

Acha correta a proposta de convênio entre o Ministério Público e a Polícia Militar para que policiais militares façam termos circunstanciados de crimes de menor potencial ofensivo?
Esse convênio precisa passar por uma discussão maior com a Polícia Civil. Se não houver entendimento, será uma fonte maior de atrito entre as polícias. Precisa ser construído com diálogo, com uma discussão franca. Pode até prosseguir, mas sem isso o resultado pode ser perigoso.

Na sua opinião, o que motivou o recuo do governador na exoneração do comandante-geral da PM, Florisvaldo César?
Acho que ele foi pressionado pelos oficiais da PM. Parece que essa pressão foi muito importante.

Há risco de o governador ficar refém desses oficiais que venceram esse embate?
Tomara que não.

O governador Rollemberg tem uma trajetória de esquerda. Acha que esse episódio dos professores vai marcar o mandato dele?
Não. Ele teve uma atitude muito corajosa de convidar alguém com um perfil diferente dos secretários tradicionais. Pediu uma política abrangente que não fosse baseada apenas nas forças políciais e envolvesse outros órgãos. Se essa política continuar dando certo, ele ficará marcado pela coragem.

Há uma guerra de poder?
Não diria uma guertra. Existe uma enorme resistência para que as autonomias sejam quebradas. Esse é o pano de fundo.

Sai magoado?
Não. Saio muito satisfeito com o trabalho. Quebramos alguns paradigmas. Houve no início preconceito e uma aposta de que não daria certo. Deu certo nesses 10 meses. Saio satisfeito com o que a gente realizou. Conseguimos fazer algo numa área em que o pensamento é sempre de que nada dá certo.

Se não há mudanças na estrutura, o novo secretário de Segurança sofrerá com o mesmo problema?
Com certeza, ele terá o mesmo desafio. Difícil desenvolver uma política com uma secretaria que não tem poderes para coordenar e submeter as forças às diretrizes.