O japonês da Federal

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Este carnaval não está sendo nada fácil para Lula, que está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo por suposta ocultação de patrimônio

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Marchinhas de carnaval, ao longo das décadas, compõem uma crônica divertida do processo político brasileiro e de seus personagens, além de revelar com antecedência tendências e mudanças nos costumes. Experimente cantar A jardineira, sucesso do carnaval de 1938, em qualquer bar ou restaurante frequentado por foliões. Para a cara feia do segurança e o semblante preocupado do gerente, todos cantarão a popular marchinha de Benedito Lacerda.
Se a turma for mesmo animada, vai emendar com o Pierrô apaixonado, de Noel Rosa, de 1935, que conta uma história ainda mais antiga. Pierrot, Colombina e Arlequim surgiram na Commedia dellArte, na Itália do século 16, gênero teatral cujo objetivo era levar essa arte para todos, com muita improvisação e sátira social. Hoje, estão eternizados nos principais museus do mundo, em telas de Pablo Picasso, Frank Xavier Leyenderckero e André Derain, entre outros.
No Brasil, a sátira política acontece em todo carnaval, como uma espécie musical de malhação de Judas, o rito popular tão tradicional no Sábado de Aleluia. A brincadeira chegou a ser proibida por d. João VI ao chegar com sua Corte no Rio de Janeiro, porque o povo invertia os papéis: simbolicamente, os poderosos eram espancados nas praças, como acontecia com os escravos nos pelourinhos. Jean-Baptiste Debret registra a malhação em formidáveis gravuras de 1831.
“Ai meu Deus/ me dei mal/ bateu à minha porta/ o Japonês da Federal!”, diz a marchinha mais famosa do carnaval deste ano. É uma alusão ao agente Newton Ishii, cujo apelido apareceu em conversas gravadas de Delcídio do Amaral e Edson Ribeiro. Sua máscara é um dos artefatos carnavalescos mais vendidos no comércio popular, ao lado de outro personagem que ficou famoso no ano que passou: o Pixuleco, boneco do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que surgiu na manifestação de 15 de março do ano passado, em Brasília. É uma alusão ao nome dado pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto às propinas que recebia do esquema de corrupção da Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato.
O advogado carioca Thiago Vasconcellos de Souza, 36 anos, é um dos compositores da música, ao lado dos músicos Dani Batistonne, Jabolinha e Tigrão. A marchinha ironiza a crise ética. Nos áudios das conversas de Delcídio, o chefe de gabinete do ex-líder do governo Dilma, Diogo Ferreira, cita o agente da PF como o “japonês bonzinho”.

O cerco

“Aí meu Deus/ me dei mal/ bateu à minha porta/ o Japonês da Federal!”, o refrão conquistou o público no concurso de marchinhas carnavalescas da Fundição Progresso. É que a Polícia Federal já bateu nas casas e empresas de muita gente fina, inclusive nas de um dos filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Operação Lava-Jato, que vem se desdobrando por camadas, oficialmente, não investiga o líder petista. Lula é alvo, porém, de outra operação, a Zelotes, que apura a venda de medidas provisórias, na qual estaria supostamente envolvido Luís Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do petista.
O delegado Marlon Cajado, responsável pelo inquérito, admitiu que o ex-presidente também estaria sob investigação em resposta a um pedido de esclarecimento do advogado de Lula. Alega que a apuração é necessária para identificar se os ex-ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), Erenice Guerra (Casa Civil), Nelson Machado (Previdência), assim como o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dyogo Oliveira, estariam envolvidos no escândalo. A informação consta dum ofício enviado ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, responsável pela ação penal oriunda da Operação Zelotes.
O advogado de Lula, Nilo Batista, em defesa do seu representado, denuncia uma operação de cerco político contra o ex-presidente da República por parte de investigadores da Operação Lava-Jato. O PT também saiu em defesa de seu fundador, no programa de tevê da legenda. Preservar a imagem de Lula é uma questão de vida ou morte para o partido, cuja esperança de sobreviver como força política relevante repousa no enorme prestígio popular.
Mas esse carnaval de japoneses e pixulecos não está sendo nada fácil para Lula, que está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo por suposta ocultação de patrimônio. Além de ter que se explicar sobre a desistência da compra de um tríplex no condomínio Solaris, no Guarujá, suspeita-se que Lula e/ou seu filho sejam os verdadeiros proprietários do sítio que utilizam em Atibaia (SP). A compra da propriedade foi formalizada no escritório do advogado e empresário Roberto Teixeira, compadre do petista. O imóvel custou R$ 1,5 milhão, em outubro de 2010, dos quais
R$ 100 mil (R$ 143 mil em valores atuais) foram pagos em dinheiro em espécie, segundo as escrituras de compra e venda das duas áreas que compõem o imóvel investigado pela Lava-Jato.
Fernando Bittar, filho do ex-prefeito de Campinas (SP) Jacob Bittar, amigo de Lula, pagou R$ 500 mil por uma parte do sítio; e Jonas Suassuna, primo do ex-senador Ney Suassuna, arcou com
R$ 1 milhão. Ambos são sócios de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha. A Odebrecht, sob investigação da Operação Lava-Jato, teria feito a reforma do sítio. Lula está sendo aconselhado por aliados e integrantes do governo Dilma Rousseff a adotar oficialmente a tese de que “recebeu de presente” a reforma feita na propriedade que frequenta em Atibaia (SP), o que seria mais uma explicação estapafúrdia. A Odebrecht teria adquirido todos os equipamentos e material para a reforma do sítio, que custaram cerca de R$ 500 mil.