Nas Entrelinhas: Lula questiona soberba dos dirigentes do PT

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A legenda não persegue a construção uma plataforma de governo unitária, que contemple simultaneamente os seus interesses e os dos aliados, nem faz a menor força para isso

A conferência nacional do PT, realizada na sexta-feira e no sábado, em Brasilia, expôs as contradições da legenda e, de certa forma, um erro de conceito cujo custo está ficando evidente: a tese de que o governo Lula está em disputa com os aliados.

O PT até hoje não assumiu a realidade de que o atual governo não se sustenta numa frente de esquerda, mas sim na ampla coalizão de centro-esquerda da qual participam, também, partidos que estiveram no governo Bolsonaro, na sua totalidade ou em parte. Trata-se de uma ampla aliança democrática, mas o PT gostaria que fosse um governo de unidade popular.

Para bom entendedor, Lula rebateu as críticas feitas pela presidente do PT, Gleisi Hoffman, à condução da economia pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Fez isso em forma de autocrítica como principal líder do partido, ao questionar a soberba e a razão da legenda não conseguir falar “aquilo que o povo quer ouvir”.

“Temos que nos perguntar por que que um partido que muitas vezes, no discurso, pensa que tem toda a verdade do planeta, só conseguiu eleger 70 deputados?”, indagou. “Por que tão pouco se a gente é tão bom? Por que tão pouco se a gente acha que poderia ter muito mais? É preciso que a gente tente encontrar resposta dentro de nós. Será que estamos falando aquilo que o povo quer ouvir de nós? Será que estamos tendo competência para convencer o povo das nossas verdades?”, questionou Lula.

Talvez a resposta para isso esteja na agenda do PT, muito focada nas pautas identitárias e em reivindicações corporativistas, que afastam a legenda dos setores evangélicos, empresariais e mais conservadores. E no velho projeto nacional-desenvolvimentista, ultrapassado pela globalização e sem a menor viabilidade, diante da necessidade de integração às novas cadeias globais de valor.

Essas prioridades de fato diferenciam o PT, como partido de esquerda, das demais forças que apoiam o governo. Porém, ao mesmo tempo, geram tensões no Congresso, que acabam por aumentar o cacife do Centrão nas negociações com o próprio governo.

O PT não persegue a construção de uma plataforma de governo unitária, que contemple, simultaneamente, seus interesses e os dos aliados, nem faz a menor força nessa direção. Isso complica muito as negociações com o Congresso e a própria coesão do governo, que tem ministros ligados ao Centrão, ao MDB e outros partidos de esquerda, como o PSB e o PDT, que também sofrem com a política de “meu pirão primeiro”.

“Precisamos ter recursos, precisamos ter a parte do crescimento econômico como uma meta e um mantra nosso. Gente, se cair a popularidade do presidente Lula, vocês não tenham dúvida sobre o que o Congresso Nacional pode fazer. Fizeram com Dilma. Se acontecer qualquer problema, esse Congresso engole a gente”, avaliou Gleisi, ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao discursar na conferência, cujo foco deveria ser a plataforma e as alianças da legenda para as eleições municipais.

Fator de risco

As críticas das lideranças petistas a Haddad são um fator de risco para o governo, muito embora uma das preocupações da cúpula partidária seja a perda de popularidade de Lula em razão de um eventual fracasso econômico. Essa visão tem por base a experiência vivida no governo Dilma Rousseff, na ótica de que teria sido um golpe de direita do Congresso, sem levar em conta os erros cometidos pela ex-presidente na relação com o Parlamento, dos quais a própria Gleisi foi uma das protagonistas, como ministra da Casa Civil.

Além disso, Lula é um político mais pragmático, de muito mais trato, o que é reconhecido até por adversários. O ex-senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, por exemplo, diz que não conversa com Lula porque não resistiria a um convite para apoiar o governo.

É mais ou menos sobre as dificuldades e a despreocupação do PT com as articulações no Congresso que o presidente tratou, ao explicar suas dificuldades na Presidência: “Dedicamos este ano a recuperar o Brasil. Tivemos que reconstruir coisas com uma base parlamentar menor do que tivemos. Ficou mais difícil, é preciso ter paciência. Muitas vezes, a gente cede quando não poderia ceder. E muitas vezes, a gente conquista coisas quando a gente pensava que não ia ganhar”, ensinou.

As críticas do PT ao Centrão como foco de atuação no Congresso não ajudam na aprovação das propostas econômicas do governo, que deveriam ser a prioridade da legenda na conjuntura — como muitos são contra a política econômica, isso não ocorre por acaso. É uma espécie de “quanto pior, melhor”, cujo maior prejudicado é o próprio governo.

O PT foi impactado emocionalmente pelos resultados da pesquisa do Ipec, que mostrou o governo avaliado como “ótimo ou bom” por 38%. As classificações como “regular” e “ruim ou péssimo” empataram em 30%. Esses resultados refletem as dificuldades objetivas de o governo apresentar resultados mais expressivos, de um lado, na economia e nas áreas sociais. E de outro, a fragilidade diante do deficit público. Sem falar nas dificuldades de comunicação, que também são um problema de narrativa política.