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Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Pesquisas de opinião recentes revelam um sentimento quase unânime entre os brasileiros: cerca de 73% da população deseja que as organizações criminosas sejam classificadas como grupos terroristas, segundo levantamento da Quaest Consultoria, divulgado em agosto de 2024. O dado, em si, expressa mais do que uma preferência política, traduz o desespero de uma sociedade que já não distingue com clareza as fronteiras entre Estado e crime. Há muito, os tentáculos do poder paralelo não se limitam às vielas das grandes cidades. Estendem-se às estruturas públicas, aos contratos de transporte coletivo, à distribuição de gás, às licitações e, cada vez mais, aos corredores onde circula o poder institucional.
O que antes parecia mera especulação agora ganha contornos de diagnóstico. Relatórios da Polícia Federal e do Ministério Público apontam para a infiltração de facções criminosas em ao menos 23 unidades da federação, operando tanto nas franjas urbanas quanto nas altas esferas administrativas. Estima-se que o crime organizado movimente anualmente mais de R$ 300 bilhões no Brasil, valor equivalente a cerca de 3% do PIB nacional, conforme levantamento do Instituto de Estudos Avançados da USP. Tamanho poder econômico explica por que as fronteiras da legalidade se tornaram tão porosas, e o Estado, tão vulnerável à cooptação. Em muitos lugares, as facções substituem o poder público com uma eficiência que o governo parece incapaz de reproduzir — cobram tarifas, impõem normas, punem e protegem, operando um simulacro de soberania.
Enquanto isso, o país assiste ao avanço da criminalidade com o mesmo olhar apático com que se observa uma tempestade inevitável. A taxa de homicídios, que havia caído até 2022, voltou a crescer em 2024, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com 47.000 mortes violentas intencionais registradas no ano. Mais que números, trata-se da radiografia de uma sociedade em decomposição moral, onde a vida se torna estatística e o medo se converte em política de Estado. O cidadão comum, acuado, vive o paradoxo de pagar por uma segurança que o Estado não entrega e por uma liberdade que se esvai sob o peso da intimidação.
Há, nesse quadro, uma omissão deliberada. Parte da classe política evita tratar o crime organizado como terrorismo por cálculo ideológico, como se admitir essa realidade implicasse trair antigas narrativas sociológicas. Para alguns setores do governo, os criminosos ainda são “vítimas do sistema”, expressão que desumaniza o cidadão honesto e romantiza o agressor. O sociólogo José de Souza Martins já advertira que “a tolerância com o crime é o primeiro estágio da degeneração democrática”. Ignorar isso é naturalizar o horror cotidiano.
A infiltração das facções nas instituições republicanas revela algo ainda mais grave: um Estado em processo de captura. Em 2023, investigações da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal mostraram conexões entre servidores e esquemas de lavagem de dinheiro ligados ao tráfico de drogas. Em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) expandiu sua atuação para além das fronteiras nacionais, estabelecendo rotas de exportação de cocaína para a Europa, com lucros estimados em R$ 2,5 bilhões anuais, segundo a Europol. No Rio de Janeiro, as milícias já controlam mais de 70% das comunidades da capital, de acordo com o Instituto Fogo Cruzado, configurando uma governança paralela que atua à margem da lei, mas dentro da rotina.
O Estado, acuado e hesitante, reage com discursos e comissões. Falta-lhe coragem para enfrentar a realidade que o oprime de dentro. Ao não classificar as facções como organizações terroristas, o governo perpetua a ficção de que enfrenta uma questão social e não uma estrutura político-militar que disputa o controle do país. Em nome de uma falsa sensibilidade, abdica do dever de proteger. A omissão se traveste de prudência, e o medo, de política pública.
Quando o crime define as regras e o Estado as cumpre, o pacto social se rompe de modo silencioso e irreversível. O Relatório Global de Criminalidade Organizada da ONU (2023) colocou o Brasil entre os dez países mais infiltrados por redes criminosas no mundo, ao lado de nações em conflito civil. A fronteira entre legalidade e delinquência se esgarça, e o que resta é um território administrado pelo terror cotidiano. O país que se recusou a admitir o óbvio agora negocia sua soberania no varejo das alianças políticas e dos conchavos corporativos.
Há um silêncio perigoso pairando sobre as ruas e sobre o poder. O medo tornou-se o idioma nacional. E quando o medo é política de governo, a liberdade passa a ser concessão. O Brasil precisa escolher entre a hesitação e a coragem, entre a cumplicidade e a restauração da autoridade. O tempo de negar o abismo já passou. Agora, o que se discute não é mais a intensidade da crise, mas se ainda há país a ser salvo — ou se já nos tornamos, definitivamente, reféns.
A frase que foi pronunciada:
“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.”
Benjamin Franklin

História de Brasília
O Bloco do Palácio do Ministério da Justiça teve a sua pedra fundamental lançada com solenidade. Ficou nisto. O Itamarati, também, até hoje não começou a construção. (Publicada em 11.05.1962)





