Desmemoriados e sem dignidade

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada por Ari Cunha (In memoriam)

Desde 1960, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto do Duke

 

            Para Einstein, a diferença entre passado, presente e futuro era apenas uma persistente ilusão, já que o tempo é relativo a grandezas físicas como a velocidade. Uma dessas relações ilusórias do homem com o tempo é dada pela memória e é aí que tudo parece desvanecer como fumaça carregada pelo vento.

        O sentimento conferido pela velocidade e pelo volume dos acontecimentos atuais, que chegam até nós, em torrentes colossais, tanto pela internet, como por outras mídias instantâneas, parece soterrar o ser humano com toneladas de informações, ao mesmo tempo em que insere o indivíduo, de forma isolada, no meio de uma multidão de mais de sete bilhões de pessoas, todas elas borbulhando numa imensa bacia das almas, onde todos buscam explicações para o que seria esse holograma chamado vida.

        Não é por outra razão que atualmente muitos se indagam hoje sobre os mistérios do que parece ser o encurtamento do tempo. Não são poucas as pessoas que atualmente estranham como os dias parecem transcorrer em desabalada velocidade ladeira a baixo. Não há tempo suficiente para nada. No passado, os mais sábios já haviam previsto que chegaria um dia em que tempo passaria em nossa frente, com tamanha velocidade e pressa, que muitos seriam deixados para trás sem fôlego ou mesmo vontade de seguir adiante.

        Hoje se diz que os dias voam como horas e horas como minutos. Impressão ou não, o fato é que toda essa superagitação moderna, onde já não há, sequer, tempo para os outros que estão ao nosso lado, acaba tendo efeito também sobre a memória individual e coletiva. O sentimento que muitos experimentam é de que a memória foi empurrada para os porões do subconsciente, onde o acesso só é feito por meio dos sonhos.

        Estaríamos, de fato, dado ao volume de informação, construindo uma espécie de Torre de Babel para buscar, mais uma vez, refúgio junto ao céu, numa confusão moderna em que a praga da multiplicidade de linguagens foi substituída pela quantidade de conhecimento que temos do mundo à nossa volta? Em excesso, até água morna mata. Um dos problemas dessa aparente rapidez do tempo é que vamos, numa espécie de contramarcha, perdendo a capacidade de reter o cotidiano na memória.

        Ao final do dia, mal sabemos o que fizemos pela manhã. Com isso vamos escrevendo um diário como quem escreve na areia à beira-mar. Ciente dessa perda de memória, nossos algozes, que antes faziam esforços para que esquecêssemos suas fealdades, hoje já nem se dão ao trabalho de escondê-las. Exemplo dessa nossa fragilidade de memória pode ser conferida pela desfaçatez com que um ex-presidente e ex-presidiário se apresenta hoje como candidato, de modo impávido e impoluto, pronto para voltar a governar o mesmo país que, ainda ontem, dilapidou com sua gangue.

        Do mesmo modo, podemos observar a guerra na Ucrânia, que a cada dia vai perdendo espaço nos noticiários ao mesmo tempo em que vão se avolumando o número de jovens mortos. Um dia, quando não restar nada mais do que cadáveres e escombros calcinados, esse conflito covarde irá terminar. Assim como irão terminar as sanções mundiais contra o governo russo.

        A ONU, do alto de sua conhecida indiferença, irá ignorar os crimes de guerra. Ninguém fala mais sobre a origem da Covid-19. Putin voltará ser recebido com pompas e circunstâncias nos salões do poder internacional, como se nada tivesse feito. O mundo reagirá com a mesma indiferença que reagiu ao Holodomor stalinista. Restarão apenas as cruzes fincadas no chão naquele país várias massacrado pelos russos.

        São perigos dessa natureza, facilitados por nossa perda de memória, que estamos condenados a vir a assistir de novo. Até um dia em que essa “desmemorização” nos trará junto a perda definitiva do que nos ainda resta de dignidade.

A frase que foi pronunciada:
O tempo não faz algo apenas com a memória – a memória também faz algo com o tempo.”

Professor Douwe Draaisma

Douwe Draaisma. Foto: Sake Elzinga

 

No reino da Dinamarca

População de Brasília, que paga altos impostos, estranha a censura aos comentários durante audiências públicas transmitidas em tempo real por instituições públicas. Algo está errado se quem paga as contas não pode ser ouvido.

Foto: Divulgação/Semob

Univer Cidade

Por falar em altos impostos, a UnB pode não querer aceitar o projeto da nova ponte? Justificativa da academia: atividades de pesquisa e ensino, biblioteca e atividades em sala necessitam de ambiente adequado para a realização, com níveis sonoros compatíveis. Razão para impedir o livre acesso não parece suficiente nem cientificamente embasada.

Outros tempos

Foi-se o tempo que autoridades estufavam o peito ao sair nas ruas. Faziam questão de usar um broche identificando o alto cargo. Com o advento das mídias sociais o fenômeno caiu por terra. Até quando são esperados para debates e apresentação de plataformas de ação declinam do convite.

Charge: Ivan Cabral

História de Brasília

E enquanto os ministros ficam nessa pasmaceira, fazendo o povo acreditar no dr. Jânio, que correu com mêdo, mas já voltou a ter prestígio, os assuntos nacionais ficam dormindo, e os auxiliares imediatos vão sabotando a transferência da Capital. (Publicada em 23.02.1962)

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