VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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A responsabilidade de dar continuidade a uma coluna que nasceu um ano antes de mim é uma dessas incumbências que exigem mais que o exercício da escrita, requerem o gesto de escuta, de reverência e de memória. Não se trata apenas de substituir uma assinatura, mas de sustentar uma tradição, de preservar o fio de uma história que atravessou décadas acompanhando a própria construção de Brasília, desde o instante em que o concreto ainda se confundia com a poeira vermelha e o futuro parecia apenas um esboço no papel milimetrado de Lúcio Costa.
Ari Cunha, criador desta coluna, foi mais do que um cronista da cidade, foi testemunha e protagonista de uma era em que a capital ensaiava seus primeiros passos rumo à maturidade política, cultural e social. Sua pena, tão afiada quanto generosa, registrava o cotidiano com a precisão de quem sabia que cada gesto, cada personagem, cada esquina recém-pavimentada continha o germe de uma história maior.
Com sua partida, os amigos, aqueles que o acompanharam nas noites de prosa e nos bastidores de poder, continuaram fiéis à leitura da coluna, como se nela ainda ressoasse o timbre do velho Ari, irônico e cordial, firme e afetuoso. Mesmo com as inevitáveis diferenças de estilo — porque ninguém escreve da mesma forma que outro, ainda que compartilhe da mesma admiração —, os leitores, mais do que tolerar a mudança, a acolheram com uma espécie de respeito silencioso, como quem entende que a escrita também é uma forma de continuidade da presença. E é em meio a essa rotina de rememorar e repaginar o passado que sempre republicamos pequenos trechos das primeiras colunas do jornalista.
Uma dessas notinhas falava sobre o Colégio Dom Bosco, em Brasília, que, naqueles tempos, experimentava um curioso e cívico entusiasmo: o regime parlamentarista havia inspirado até mesmo o sistema escolar. Assim, os alunos organizaram-se à semelhança do modelo político vigente, elegendo presidente, primeiro-ministro e todo um conselho de ministros mirins. No registro, figuravam nomes que, à época, eram apenas promessas de juventude — Hélio Marcos, Domingos José, Mário Jorge, Dimer Camargo Monteiro, Marcelo Magno, Ítalo, Rogério Brant Martins Chaves, Rui Lemos Sampaio, Ivan de Oliveira Delforge, George Ney e Paulo César Vasques — compondo o primeiro gabinete estudantil de Brasília. Era, ao mesmo tempo, um exercício de cidadania e uma metáfora da esperança, um pequeno ensaio de democracia em uma cidade que ainda se erguia sobre o sonho de Juscelino.
A surpresa, entretanto, veio dias depois da republicação, quando uma carta chegou, escrita por um nome que ressoa entre os que moldaram o pensamento político e jornalístico da capital: Hélio Doyle, o mesmo que, em tempos de farda escolar, ocupara o simbólico posto de presidente daquela experiência parlamentarista infantil. A carta, mais do que uma recordação pessoal, é um gesto de reencontro entre gerações. Ao lê-la, percebi que o tempo, esse grande arquivista das memórias humanas, tem o poder de reunir o que parecia disperso, reconectando a infância à maturidade, o entusiasmo da juventude à responsabilidade da história. E talvez seja essa a maior lição de uma coluna que atravessou gerações: que o jornalismo, quando se faz com alma e propósito, não se apaga com o tempo, apenas muda de mãos, preservando o mesmo compromisso de olhar o mundo com espírito crítico, afeto e esperança. Eis a carta.
Cara Circe,
Na “História de Brasília” de domingo você publica os nomes de integrantes de um “governo” parlamentarista, com Hélio Marcos como presidente. A nota, na coluna de seu saudoso pai Ari Cunha, é de 11 de maio de 1962. O Hélio Marcos sou eu e esse “governo” era a primeira diretoria eleita para o Grêmio Literário Anchieta de Brasília (Glab), do 1º ano ginasial, e que meses depois, com grêmios de outras séries, veio a constituir o Movimento Estudantil Trinta de Agosto (Meta), que também presidi, no Colégio Dom Bosco.
Sob comando de um professor de Português, o padre salesiano José Leopoldino, tínhamos aula de organização política brasileira na prática. Os alunos elegiam o presidente do Meta, que escolhia o primeiro-ministro, e os governadores de cada classe. Elegiam também os deputados e senadores, e havia também um tribunal de justiça. Como o Brasil, em 1962, vivia sob regime parlamentarista, reproduzimos essa estrutura até que o presidencialismo voltou, em 1963. Três partidos disputavam as eleições: a União dos Jovens Democratas (UJD, o meu partido) e sua dissidência Partido Democrático Estudantil (PDE), ambos presidencialistas, e o Partido Parlamentarista Nacional (PPN). Tínhamos até Código Eleitoral.
Dos 10 “ministros” citados, continuei tendo contato com quatro ao longo dos anos: Mário Jorge Dias Carneiro, professor universitário; Ítalo Silgueiro Filho, publicitário; George Ney Fernandes, embaixador aposentado; Dimer Monteiro, professor universitário, diretor de teatro e ator, já falecido. Há poucos anos soube que Rui Lemos Sampaio presidia uma grande empreiteira. Dos demais, gostaria de ter notícias.
Grande abraço, Hélio
A frase que foi pronunciada:
“Uma carta sempre me pareceu como a imortalidade, porque é a mente sozinha, sem a companhia corpórea.”
Emily Dickinson

História de Brasília
E por falar nisto, estão enganando o presidente da República. Houve uma decisão para reiniciar as obras em Brasília. O IAP-FESP e o IAPM lançaram-se numa euforia arquitetônica e pararam no meio do caminho.





