A batina de São Pedro

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Torre Nicolau V, sede do IOR. Foto: vaticannews.va

 

Um ladrão de banco, ao fugir da perseguição policial, teve que escolher, de imediato, entre se esconder dentro de um bar cheio de fregueses ou se abrigar debaixo da batina de um padre parado na esquina. Escolheu se esconder debaixo da batina. O padre, surpreendido com a coragem do fugitivo, transformou-se numa estátua pálida, de tanto medo. A polícia vasculhou o bar e nada encontrou. Viu o padre e seguiu adiante sem suspeitar de nada. Essa pequena fábula — do ladrão que, fugindo da polícia, escolhe se esconder debaixo da batina de um padre ao invés de se misturar à multidão em um bar — serve como metáfora poderosa e crítica ao papel que o Instituto para as Obras de Religião (IOR), o chamado banco do Vaticano, desempenhou, historicamente, no sistema financeiro global.

A batina, como metáfora do refúgio perfeito, revela a astúcia do ladrão, pois ele não escolhe o óbvio (um bar cheio de gente), mas o lugar onde ninguém ousaria procurar — o símbolo da moralidade, da fé, da retidão.

Assim, também, durante décadas, corruptos, ditadores e mafiosos enxergaram o banco do Vaticano como o esconderijo ideal para seu dinheiro ilícito. Três seriam os motivos dessa preferência: primeiro, a imunidade jurídica e a soberania do Vaticano, como Estado independente, seu banco não está sujeito às mesmas exigências de transparência impostas a instituições financeiras internacionais. Não há obrigação de divulgar beneficiários de contas ou de cooperar prontamente com investigações estrangeiras. Tem ainda a reputação de santidade e da imagem pública da Igreja, historicamente, associada à caridade, moralidade e neutralidade.

Graças a esse prestígio, pode oferecer uma “capa de invisibilidade”. Assim, como a polícia passou pelo padre sem desconfiar, autoridades fiscais e investigadores, dificilmente, olhavam para o Vaticano como cúmplice financeiro perfeito para o crime. Há ainda o uso de ordens religiosas e fundações como fachada. Assim, como o ladrão esconde-se sob o símbolo da fé, dinheiro sujo foi camuflado sob o disfarce de obras religiosas, ONGs missionárias e fundações de caridade. Muitas dessas eram, na prática, estruturas de fachada para lavar recursos provenientes de corrupção, tráfico ou desvios estatais.

O Banco do Vaticano possuía assim uma espécie de cofre intocado. Durante o século XX — sobretudo nos anos 1970 a 1990 —, o IOR acolheu contas secretas, blindadas por nomes de congregações ou intermediários que movimentavam, além de dinheiro vindo de regimes militares na América Latina, os fundos desviados por políticos corruptos na Itália e Europa Oriental, bem como riquezas acumuladas por mafias sicilianas e bancos privados falidos (casos Roberto Calvi e Michele Sindona). Com isso, a fábula do ladrão mostra que a batina protege. Até recentemente, essa proteção era real e eficaz — nenhuma polícia internacional ousava levantar a batina de São Pedro.

O padre, ao se transformar numa estátua de tanto medo, mostra um retrato do desconforto institucional, ante uma situação que mais cedo ou mais tarde prejudicaria o Estado do Vaticano e a própria Igreja Católica. Quando, nos últimos anos, vieram, à tona, escândalos financeiros e pressões externas por transparência, setores do Vaticano se paralisaram: chantageados por arquivos internos, expostos por vazamentos (como VatiLeaks), e divididos entre reformas e autoproteção. Mas eis que o Papa resolve levantar a batina. Com a eleição do Papa Francisco, houve um esforço concreto e inédito de limpar esse esconderijo. Para tanto, ele empreendeu o fechamento de centenas de contas fantasmas no IOR; fez reformas estruturais no sistema financeiro do vaticano, com a criação da Autoridade de Informação Financeira (AIF); também pediu ajuda e cooperação com o Moneyval (FMI europeu de combate à lavagem). Por fim, levou, ao cabo, uma perseguição judicial interna, como no caso do Cardeal Becciu. Francisco fez o que a polícia da fábula não fez: olhou sob a batina.

A reforma iniciada por Francisco foi, e ainda é, uma tentativa corajosa de transformar uma estátua de pedra em um corpo vivo e transparente — mas enfrenta resistência, inércia e a herança de décadas de silêncio. Ao levantar a batina de São Pedro, a Igreja pode, enfim, olhar para dentro de si.

 

A frase que foi pronunciada:

“Mister ressaltar que o crime de branqueamento de capitais é de tipo misto ou conteúdo variado, de modo que a prática de qualquer das condutas (ocultação, dissimulação ou integração) configura o crime.”

Badaró e Bottini

Ilustração: jusbrasil.com

 

Bem feito

Um sinal mais inteligente na L2 Norte, altura da 16, sentido norte/sul. Agora, se o caminho estiver livre para a L2, basta pegar a pista da direita. Quem for seguir para a Avenida das Nações aguarda o sinal.

 

Manutenção

Depois de tantos transtornos para recuperar o asfalto na ponte do Bragueto, é possível ver caminhões enormes passando por ali. Falta fiscalização!

 

História de Brasília

Esta nota vem a propósito de telefonemas que temos recebido sobre a greve dos professôres. A invasão foi uma lição ao BNDE mas a greve foi uma lástima. A cidade tôda comoveu-se com a situação dos professôres, mas recebeu com muita reserva o movimento grevista. (Publicada em 04.05.1962)

O Estado profundo

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Imagem: reprodução da internet

 

No século 21, apresenta-se a nós a figura do deep state (estado profundo), como sendo a formação de setores dentro do Estado e do governo que atuam para influenciar a adoção de políticas públicas por meio do uso do dinheiro público sem que, para isso, tenha jurisdição ou qualquer outro mecanismo transparente que informe a nação sobre sua existência e o que vem realizando à sombra da Constituição e das leis.

Como um governo paralelo, o deep state age longe do noticiário e, normalmente, usa de seu poderio para influir politicamente dentro e fora de suas fronteiras, provocando queda e ascensão de presidentes. O deep state prejudica a democracia interna e externa ao agir sem controle, colocando a questão da liberdade individual, cada vez mais, como uma utopia distante.

Não restam dúvidas de que esse novo fenômeno possa mudar totalmente nosso conceito atual do que seja democracia ou cidadania, uma vez que o Estado passa a sofrer influência de setores internos que, muitas vezes, contrariam frontalmente o desejo da maioria da população, que nada sabe sobre sua existência.

Conceitualmente, deep state é utilizado com frequência para descrever uma suposta estrutura paralela, dentro do aparato estatal, que atua à margem da legalidade e da transparência institucional, influenciando decisões de governo sem controle democrático ou supervisão pública. Embora a ideia carregue um peso conspiratório em muitos discursos, há elementos concretos que merecem análise séria, sobretudo no contexto da erosão da confiança pública nas instituições democráticas.

Esse termo ganhou força nos estudos políticos e nas discussões públicas após eventos, como o escândalo Irã-Contras nos EUA, e é amplamente associado ao funcionamento de burocracias permanentes, agências de inteligência, forças armadas e setores da elite econômica e midiática que manteriam poder mesmo com mudanças de governo. Em alguns países, como Turquia e Egito, a ideia de um deep state se mostrou menos alegórica e mais concreta, com militares e serviços secretos operando de forma autônoma, inclusive contra o governo eleito.

Nos Estados Unidos, por exemplo, agências como a CIA, a NSA ou o FBI foram acusadas de operar com alto grau de independência e, em determinados momentos históricos, de interferir na política externa e interna sem supervisão efetiva do Congresso ou do Judiciário.

No contexto global, há evidências de operações de desestabilização de governos estrangeiros, como no Irã (1953), Chile (1973) e, mais recentemente, em países do Oriente Médio. Tais ações são justificadas como estratégias de segurança nacional, mas levantam sérias questões éticas e democráticas. Um dos pontos centrais da crítica ao deep state é a ausência de accountability, ou seja, de mecanismos de prestação de contas. Em democracias consolidadas, é esperado que os órgãos do Estado estejam sujeitos a controles institucionais — do Legislativo, do Judiciário e da sociedade civil. Quando estruturas passam a operar fora dessas balizas, há um claro desvirtuamento do pacto democrático. Contudo, é preciso cuidado ao usar o termo indiscriminadamente. Em muitos casos, o rótulo de deep state serve para desacreditar instituições legítimas ou justificar perseguições políticas.

Governos autoritários, por exemplo, costumam usar essa narrativa para enfraquecer Judiciários independentes, imprensa livre ou órgãos de investigação. A crítica final do seu texto aponta para um ponto sensível: a liberdade individual. O uso de tecnologias de vigilância, repressão de dissidências internas e manipulação da opinião pública é mecanismo que, se empregado por entidades fora do controle democrático, realmente coloca em risco direitos fundamentais.

A vigilância em massa, como revelada por Edward Snowden, mostra que, mesmo em democracias ocidentais, os limites entre segurança e liberdade têm sido tensionados. A questão que nos interessa é saber qual a extensão e a atuação do Estado profundo no governo e na máquina pública brasileira. Quem são seus protagonistas? Quanto custa esse governo paralelo aos cofres públicos? Perguntas e respostas suspensas no ar.

 

 

A frase que foi pronunciada:
“No fundo, só há duas políticas: a política de governo e a política de oposição.”
Joaquim Nabuco

Foto: camara.leg

 

História de Brasília
Não tenho interesse em agradar a classes ou a pessoas. Temos procurado informar os leitores sobre o que ocorre na cidade, e sempre procuramos reproduzir nesta coluna a repressão dos acontecimentos de Brasília. (Publicada em 3/5/1962)

Sonho pressagioso

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Charge do Benett

 

         Curiosamente, o século XXI vai se transformando — e até se confundindo — com as milhares de histórias de ficção científica que retratam mundos distópicos, devastados por guerras insanas de extermínio nuclear.” Com base em fatos e não em ficção, o cenário à nossa volta vai mostrando a encruzilhada que a humanidade tem pela frente. De fato, o século XXI vai se misturando com narrativas distópicas de ficção científica, a tal ponto que já não sabemos onde começa uma e termina a outra.

         Embora ainda não estejamos num cenário de destruição total por guerra nuclear, vários fatores concretos parecem conduzir a humanidade a uma encruzilhada crítica. Numa análise rápida, baseada apenas em fatos que sustentam essa percepção, temos: a volta do fantasma nuclear. Desde o fim da Guerra Fria, a ameaça de uma guerra nuclear havia recuado para o pano de fundo das preocupações globais. No entanto, o século XXI tem visto um recrudescimento das tensões entre potências nucleares. Conflito entre Rússia e OTAN, motivado pela invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, reintroduziu, de forma explícita, a retórica nuclear. O Kremlin chegou a sugerir o uso de armamento atômico em caso de avanço ocidental. Vimos ainda a corrida armamentista moderna, com os Estados Unidos, China e Rússia, continuamente, modernizando seus arsenais.

          Em 2024, relatórios da SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute) apontaram que houve um grande aumento nos gastos com armas nucleares. Com isso, há uma espécie de proliferação nuclear, com países como Coreia do Norte prosseguindo em seus testes, enquanto, por outro lado, o acordo nuclear com o Irã segue ameaçado e ameaçando. Hoje, existem, aproximadamente, estocadas em várias partes do globo, 13 mil ogivas nucleares. Bastariam apenas algumas centenas delas para causar um colapso climático e civilizacional em âmbito global. Um mundo coberto por gelo radioativo, decorrente do inverno nuclear, que se instalou na paisagem geral. Este é bem um cenário de ficção, embora possível agora.

          Outro aspecto a dar um pano de fundo para a distopia do século XXI é representado pela emergência climática: a distopia silenciosa. Se a guerra nuclear representa uma catástrofe súbita, a crise climática é uma distopia em câmera lenta, mas de igual poder de devastação. Lembremos que eventos recentes e extremos aumentaram exponencialmente, com incêndios florestais, enchentes catastróficas e ondas de calor severas se tornaram mais frequentes e intensos. O Brasil, por exemplo, viveu, em 2024, a maior tragédia climática de sua história no Rio Grande do Sul. Há, nesse ponto, a emergência da chamada “desigualdade climática”, que incide, justamente, sobre os países que menos contribuíram para a crise climática, formando assim, o conjunto dos mais afetados, gerando deslocamentos em massa e crises humanitárias de grande proporção.

         Segundo o IPCC, a humanidade tem até 2030 para cortar, drasticamente, as emissões de carbono se quiser evitar um aquecimento global acima de 1,5 °C — limiar considerado crítico. Nesse conjunto “surrealístico”, advém ainda a crise democrática e a tecnovigilância, criando um ambiente de paranoia ao de medo generalizado. A ascensão do autoritarismo, aliada ao uso de tecnologias de controle, aproxima o mundo de narrativas distópicas como 1984 ou Black Mirror. Nesse ponto, a vigilância digital, como no caso da  China, operando agora o maior sistema de vigilância do planeta, com reconhecimento facial, pontuação social e controle informacional. Mas o que chama a atenção é que esse fenômeno se alastra de forma rápida e globalmente.

         A desinformação e polarização gerada pelas redes sociais e IA estão sendo usadas para manipular eleições, disseminar fake news e radicalizar populações, criando grupos antagônicos. Na verdade, se formos ficar apenas por aqui, já teríamos todos os elementos que moldam as ficções. De acordo com o Relatório Freedom House de 2024, a liberdade global caiu pelo 18º ano consecutivo. A democracia está em declínio em diversas parte dos continentes. De fato, estamos diante da maior encruzilhada da humanidade. Estamos diante de escolhas que definirão os rumos da civilização para além desse século. Ou seguimos pelo caminho da cooperação global, transição ecológica, o que obriga a diminuição drástica dos gastos com armas de destruição em massa.

          Nesse ponto surge ainda a possibilidade de uma desmilitarização em âmbito global. Mas isso exige esforços coletivos e reformas sistêmicas profundas, mas não impossíveis. A equação é simples: ou continuamos nos encaminhando para colapsos múltiplos — ambientais, geopolíticos e sociais — que transformariam o planeta em algo próximo aos mundos retratados pela ficção distópica, ou agimos com todas as forças que temos para acordar desse sonho pressagioso.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Nós sabemos tudo sobre a vida selvagem, pelo amor de Deus!”, gritou Aideen. “Estamos sendo atacados por uma maldita matilha de chimpanzés agora mesmo! Tirem a gente daqui!”

Steven Decker, O Equilíbrio do Tempo

Foto: amazon.com

 

História de Brasília

E já que o assunto é IAPC, o sr. José Jereissati ia despejar os que não pagam aluguel, e o assunto saiu da pauta. Há muita gente alta no meio. (Publicada em 03.05.1962)

Trilha até 2030

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Presidente americano Donald Trump. Foto: EFE/EPA/Jim Lo Scalzo/Pool.

 

Entre as muitas análises que circulam pelo mundo sobre quem é Donald Trump e o que seu governo representa no possível colapso da nova ordem mundial e do ideal globalista, poucas vão tão longe quanto aquelas que o veem como um condutor imprudente de um trem histórico em alta velocidade — incapaz de freá-lo, talvez até de compreendê-lo. Na verdade, poucas análises capturam, com tanta contundência, o paradoxo de sua presença histórica quanto aquelas que o veem não apenas como um político, mas como um sintoma: uma figura que irrompe na cena global como catalisador de forças que ele mesmo parece não compreender plenamente.

Em um momento de esgotamento da ordem liberal internacional — marcada por crises de representatividade, colapso das instituições multilaterais e ressentimento popular contra os efeitos desiguais da globalização — Trump emerge como o agente inesperado de um desmonte que já estava em curso. Seu governo, com sua retórica antiglobalista, seus ataques a instituições transnacionais e sua recusa em seguir os protocolos da diplomacia tradicional, não apenas rompem com o consenso pós-Guerra Fria, como parecem acelerar um processo de desintegração já latente.

A imagem do “trem da história” em alta velocidade se impõe aqui como metáfora eficaz: Trump surge como um condutor improvisado, que, ao puxar as alavancas da máquina histórica, intensifica sua velocidade sem conhecer os freios, sem mapa ou bússola. Não se trata, necessariamente, de um estrategista maquiavélico, mas de alguém que encarna e amplifica — as contradições do sistema. Seu poder não reside tanto na elaboração de um projeto claro de ruptura, mas na capacidade de operar como vetor do caos, abrindo brechas por onde fluxos subterrâneos do mal-estar civilizacional irrompem com força.

É nesse sentido que ele representa menos uma exceção e mais um ponto de inflexão: o momento em que as estruturas já trincadas da ordem mundial começam a ruir visivelmente. Mais do que presidente dos EUA, Trump trouxe para si a missão de desmontar, em âmbito mundial, a agenda 2030 da ONU.  Eis aí o ponto crucial para pensar o papel de Trump como figura simbólica de resistência ou mesmo sabotagem a projetos multilaterais como a Agenda 2030 da ONU.  Donald Trump assumiu, de maneira explícita ou tácita, a missão de confrontar — e em muitos aspectos desmontar — a lógica que sustenta iniciativas como a Agenda 2030 da ONU.

Esse ambicioso plano internacional, centrado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propõe uma reestruturação profunda dos sistemas econômicos, ambientais e sociais globais, com foco na equidade, na sustentabilidade e na cooperação transnacional. Para muitos, trata-se de um esforço civilizacional para enfrentar os riscos existenciais do século XXI. Para Trump e seus aliados ideológicos, no entanto, a Agenda 2030 simboliza tudo aquilo que deve ser combatido: um projeto elitista, tecnocrático e transnacional que ameaça a soberania nacional e o modelo de crescimento baseado no livre mercado, na autonomia energética e na primazia do interesse nacional.

Ao retirar os Estados Unidos de acordos como o Acordo de Paris, criticar abertamente organismos como a ONU e a OMS, e sabotar o financiamento a iniciativas multilaterais de governança ambiental e social, o governo Trump operou como uma força centrífuga contra o projeto de governança global. Sua retórica antiglobalista — centrada em slogans como America First — não se limita à esfera econômica, mas avança sobre os próprios fundamentos simbólicos da cooperação multilateral. O que está em jogo não é apenas uma disputa de interesses, mas uma colisão entre visões de mundo: de um lado, um futuro baseado na interdependência e no controle supranacional; de outro, a reafirmação da identidade nacional, da autodeterminação e da desconfiança estrutural diante de qualquer tentativa de harmonização planetária das normas.

Ao demonizar a Agenda 2030, Trump também acabou galvanizando uma parte significativa da população global que já via com ceticismo a influência crescente de instituições não eleitas sobre suas vidas cotidianas. Sua figura serviu como polo de atração para uma série de atores — de políticos eurocéticos a movimentos conspiracionistas — que passaram a ver, na ONU, não um fórum de cooperação, mas uma ameaça latente à liberdade individual e à soberania dos Estados. Nesse sentido, Trump não apenas combateu a Agenda 2030; ele a transformou em um símbolo do inimigo a ser derrotado.

 

A frase que foi pronunciada:

“Os objetivos de desenvolvimento sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornar o nosso maior fracasso coletivo.”

Lula sobre a agenda 2030 da ONU

Presidente Lula. Foto: REUTERS/Adriano Machado

 

História de Brasília

65 mil cruzeiros para cada bloco da Asa Sul, e 31 mil cruzeiros para os blocos da Asa Norte. A firma vencedora, que não participou da concorrência, com essa verba dificilmente poderá manter os blocos limpos. (Publicada em 03.05.1962)

Lições do conclave

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Foto: Reprodução/Vatican News/ND

 

Enquanto observava o recém-eleito papa Bento XVI na Loggia das Bençãos, o cardeal Francis George foi filmado com uma expressão notavelmente pensativa. Questionado por um repórter, ele respondeu com ares proféticos: “Estava olhando para o Circus Maximus e para o Monte Palatino, onde os imperadores romanos costumavam residir. Era daquele ponto lá no alto que eles comandavam a perseguição sangrenta contra os opositores e contra os cristãos naquela época”. Hoje, diz o sacerdote, “onde estão seus sucessores? Onde está o sucessor de Júlio César? Onde está o sucessor de Marco Aurélio? O fato é que ninguém mais se importa com isso. Eles passaram, mas a Igreja permanece. Figuras que foram tão importantes no passado só são lembradas hoje nos velhos livros de história. Mas, ao contrário, o sucessor de Pedro, aquele ao qual Cristo confiou as chaves do céu, está, neste preciso momento, acenando para a multidão do alto da janela do Palácio do Vaticano. Vejo -o sorrindo e saudando a todos como uma vitória da própria Igreja”, finalizou.

De fato, o Império Romano, que chegou a se imaginar eterno, não caiu num único dia, nem como vítima de apenas uma batalha. Ruiu aos poucos, como muitas repúblicas ao longo da história humana, minado pela corrupção, pela centralização do poder, pela decadência moral e pela substituição do bem comum pelo privilégio de poucos. O ano era 476 da nossa era. Ou seja, a 15 séculos passados.

O Senado, tão poderoso naquele período, era o símbolo da razão republicana e o centro do poder. Aos poucos, no entanto, foi se tornando apenas um palco para a manifestação de vaidades e traições. Naquele final de ciclo, as decisões já não eram guiadas pelos nobres ideais republicanos, mas por acordos silenciosos, traições, mentiras e muitas moedas invisíveis.

A história cobra apenas que aprendamos com os fatos passados. Para não repeti-los em forma de farsa. Muitas lições podem ser apreendidas nesse conclave, que agora escolhe um novo papa para a Igreja. Toda essa movimentação que agita a cidade eterna de Roma neste momento parece lançar uma luz no nosso tempo, fazendo uma espécie de link do passado com a incômoda realidade brasileira que atravessamos.

De certa forma, somos ainda uma república jovem, mas que já apresenta sinais de cansaço e velhice precoce. Temos a Carta de 1988, moderna e adequada a este século, mas que, infelizmente, continua sendo empurrada adiante com as ferramentas gastas da velha política. O Congresso, que deveria ser o guardião da democracia, frequentemente se comporta como uma câmara patrimonialista — mais próxima do Senado dos Césares do que de uma ágora cidadã. Os escândalos se sucedem, os nomes se repetem, e o futuro se adia. Tudo igual a Roma antiga.

Sob os afrescos de Michelangelo, um ritual multicentenário se repete com homens de diferentes nações reunidos  não para disputas do tipo secular, mas para definir o novo pastor para os 1,4 bilhão de fiéis. Nesse tipo de escolha, não se vê palanques, jingles ou comícios em alto som — apenas a manutenção de um silêncio profundo, seguido de orações em busca de uma luz nova para a Igreja. Depois, vem o voto secreto. O poder, ali, não é um fim em si mesmo, mas uma responsabilidade que pesa nos ombros de todos aqueles que envergam os trajes papais.

Em 2026, também o Brasil realizará seu rito de escolha para o comando do país. À diferença do que ocorre agora em Roma, as eleições de 2026 prometem ser das mais aguerridas dos últimos anos. A polarização política do país está mais extremada do que o céu e o inferno, com os dois lados se condenando mutuamente ao degredo e ao fogo eterno das trevas. Promessas recicladas, alianças improváveis, messianismos oportunistas.

O país irá às urnas em busca de um rosto novo para um país envelhecido por dentro. A decadência do Império Romano vis-a-vis a nossa decadência política pode, enfim, nos ensinar algo importante: a lição de que nosso país não necessita mais de Césares ou Augustos. Talvez, o conclave tranquilo para a escolha do papa possa nos apontar um novo caminho, longe das velhas estruturas.

Mas antes temos que cuidar de empurrar esses imperadores e cônsules para o fim da história. Temos que nos abster dos mesmos vícios que condenaram o Império Romano. Temos que espantar para bem distante esses sucessores de César. Os mesmos que ainda vestem togas ou outros que circulam pelos corredores impunes pelos corredores do poder, protegidos contra tudo e todos, acima das leis. Temos que fugir, como os escravos fugiam do castigo cruel, em busca de um país sem privilégios e tantos vícios. Que a queda do Império romano, afogada em vinho e sangue, nos oriente a virar as costas para esse tipo de passado. Que possamos ver na continuidade e solidez um farol a nos guiar nestes dias revoltos e de pouca luz.

 

A frase que foi pronunciada:
“Essa é a paz de Cristo ressuscitado. Uma paz desarmada, uma paz ‘desarmante’, humilde e perseverante, que provém de Deus.”
Papa Leão XIV

Papa Leão XIV. Foto: vaticannews.va

 

História de Brasília
A Resolução 1.731, publicada no boletim do IAPC, dá conta de que houve concorrência administrativa para a conservação dos blocos em Brasília. Isto não é nada, quando chegarmos aos números. (Publicada em 3/5/1962)

Pelo olhar de Carl Jung

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(Foto: Reprodução)

 

Quando a situação política decorrente de uma sequência sem fim de escândalos que vão vindo à tona parece conduzir o país ao caos, as análises meramente políticas já não conseguem mais explicar o que de fato ocorre. Quando isso acontece, um dos caminhos possíveis a ser percorrido ruma direto para a seara da psicologia — no caso aqui da psicologia analítica, criada por Carl Gustav Jung (1875-1961).

Criador do conceito de sombra, ele dizia que todos nós abrigamos aspectos de nossa personalidade que preferimos não reconhecer: impulsos, desejos e contradições que não se encaixam na imagem que construímos de nós mesmos. Essa “sombra” — rejeitada e projetada no outro —se torna um mecanismo perigoso quando não é reconhecida.

Na política, ela se manifesta como moralismo seletivo, discursos públicos dissonantes das práticas privadas e, principalmente, como a tentativa inconsciente de destruir aquilo que mais se teme dentro de si. A teoria da sombra de Jung ilumina com precisão os comportamentos contraditórios e, muitas vezes, destrutivos que vemos com frequência no campo político.

A política, sendo o palco por excelência da projeção coletiva, revela com nitidez como indivíduos e grupos negam aspectos indesejados de si mesmos e os projetam sobre os adversários. O resultado é o moralismo inflado, a hipocrisia institucionalizada e o ódio como forma de autodefesa psíquica. O político que combate “a corrupção dos outros” enquanto lucra em silêncio com esquemas próprios; o juiz que julga “em nome da moral”, mas negocia bastidores com grupos de interesse; o cidadão que clama por justiça, mas aplaude a arbitrariedade contra quem pensa diferente — todos encenam o drama da sombra projetada, incapazes de reconhecer suas próprias ambivalências.

Jung alertava que, quando a sombra não é integrada, ela domina o indivíduo de forma inconsciente. No coletivo, isso gera movimentos persecutórios, polarizações extremas e um estado constante de guerra simbólica, onde a busca por um inimigo externo substitui o enfrentamento das próprias contradições. A política torna se, assim, um teatro de purificação ilusória, onde ninguém se salva porque ninguém olha para dentro.

Esse conceito é essencial para compreender não apenas o comportamento de certas lideranças políticas atuais, mas também explica o comportamento da massa que apoia essa estratégia, que facilmente transfere para o outro (o opositor, o corrupto, o traidor, o “inimigo do povo”) as falhas que se recusa a admitir em si mesma. Nesse ponto, a psicologia analítica ensina que, se a sombra não for reconhecida, não haverá amadurecimento nem no indivíduo nem na democracia. Como escreveu Jung, “não se torna iluminado imaginando figuras de luz, mas tornando consciente a escuridão”.

A associação entre o conceito junguiano de sombra e a retórica política “acuse-os do que você faz” — atribuída a táticas de propaganda de regimes autoritários e amplamente usada por setores da esquerda e da direita — revela uma operação psicológica profunda: a projeção da sombra coletiva como estratégia de manipulação. A frase “acuse-os do que você faz” expressa bem essa tática em que o discurso se torna um espelho invertido: aquilo que é praticado às escondidas é denunciado ruidosamente como sendo feito pelos outros. Essa inversão tem um efeito duplo: confundir o debate público, deslocando o foco e dificultando a responsabilização. Proteger o ego coletivo, preservando a autoimagem moral do grupo.

No campo contemporâneo de batalha, isso pode ser observado, por exemplo, quando: ataca-se o “autoritarismo” de adversários enquanto se tolera ou até promove o controle ideológico em instituições; denuncia-se “golpes” e “ameaças à democracia” ao mesmo tempo em que se instrumentaliza o Judiciário para fins políticos; erige-se a bandeira da “tolerância”, mas com práticas intolerantes a vozes dissonantes. Essa estratégia torna-se ainda mais poderosa quando combinada com um discurso moralizante. A sombra projetada nos adversários não apenas justifica a própria agressividade, como permite ações extremas em nome de uma suposta justiça.

Assim, a luta política se transforma em uma guerra de extermínio simbólico, onde o outro não é um adversário legítimo, mas um reflexo do mal a ser eliminado. Quando a política opera sob o domínio da sombra, não há diálogo, apenas projeção. A verdade não importa, apenas a manutenção da imagem idealizada, ou as narrativas. E, como disse Jung, “quanto maior a luz, maior a sombra”. Quanto mais moralista o discurso, mais obscuras tendem a ser as intenções ocultas por trás dele.

 

A frase que foi pronunciada:
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”
Carl Jung

 

História de Brasília
Chegaram ao edifício do Ministério da Fazenda 12 malas e dois sacos cheios de processos, num total de quase 400 quilos. As pilhas aumentam e não há funcionários para os despachos rotineiros. (Publicado em 3/5/1962)

Crise em caixa alta

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Charge: jornaldebrasilia.com

 

Dizer, como dizem por aí, que as investigações sobre os desvios no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão apenas no começo é também um modo de empurrar esse megaescândalo para um futuro distante. Muito já se sabe e o que se sabe pode, a essa altura, paralisar o governo por uma avalanche de comissões de investigação. A questão é que as CPIs começam de um jeito e depois viram outra coisa. E pior, atraem outras comissões de investigação paralelas, como é o caso de uma possível CPI sobre os negócios dentro da Itaipu. Se for pelo tamanho físico dessa empresa de energia, uma CPI seria igualmente gigante. Assim como as consequências que vêm depois, os escândalos seguem as práticas políticas vigentes.

No percurso, vão se descobrindo ligações, e ligações são sempre perigosas. Ainda mais quando feitas longe do que manda a Carta Magna. O que esse caso atual revela, logo de saída, é uma das mais graves crises de confiança entre aposentados e o INSS em décadas. O ponto pacífico é que o INSS, internamente, conhecia essas práticas. O lobby político também agiu para que tudo fosse acontecendo. Só a crença na impunidade pode fazer crer que tais práticas jamais seriam condenadas na justiça. Quando um sistema criado para garantir segurança e estabilidade financeira na velhice se torna vetor de fraudes bilionárias, o impacto ultrapassa o dano econômico — é também moral e institucional.

Segundo levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU), 95,6% dos aposentados que registraram queixas não autorizaram os descontos associativos que lhes foram impostos. Em outras palavras, há fortes indícios de que os benefícios previdenciários foram utilizados como fonte de arrecadação clandestina, em um esquema cujas cifras estimadas superam R$ 6 bilhões — valor que rivaliza com programas sociais inteiros. A suspeita recai sobre descontos compulsórios promovidos por associações e entidades com acesso privilegiado aos sistemas do INSS, o que acende um alerta: como essas entidades conseguiram aplicar essas cobranças sem autorização formal dos segurados? E mais: qual o papel do INSS na fiscalização ou omissão diante dessas irregularidades?

Além disso, um esquema de golpe ainda mais grave afetou aposentados e pensionistas com cobranças indevidas e irregulares de mensalidades. Estima-se que o rombo possa atingir até mais que os R$ 6,3 bilhões, com os autores se beneficiando da dificuldade dos beneficiários em acessar canais de denúncia ou compreender os extratos complexos do sistema. Esse cenário exige resposta urgente. Não apenas do ponto de vista penal, com a responsabilização dos envolvidos, mas, sobretudo, no plano institucional e político.

A confiança dos aposentados — uma população em situação de vulnerabilidade — não pode ser restaurada com discursos vazios ou promessas genéricas. É preciso criar mecanismos de autenticação robustos, transparência nos extratos, canal de denúncias simplificado e, sobretudo, revisão dos critérios de autorização de descontos. Se nada for feito, o que hoje é fraude, amanhã se tornará norma. E os que hoje são vítimas, amanhã serão apenas números em uma planilha que esconde o drama de milhões.

O sentimento de descrença que hoje toma conta de amplos setores da população brasileira não é fruto de teorias conspiratórias, mas de uma experiência histórica acumulada: escândalos de grandes proporções se sucedem, os desvios são revelados, os números impressionam — e, no fim, pouco ou nada muda. A percepção geral é de que a justiça não alcança apenas alguns, tampouco repara as vítimas.

 

Frase que foi pronunciada:
“Ressarcimento é crucial”
Advocacia-Geral da União (AGU), sobre a fraude no INSS

Prédio da AGU. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

 

Melhora já
A poucos metros da 2ª Delegacia de Polícia Civil da Asa Norte, há um ponto de ônibus como era em 1960: uma placa com um ônibus indicando o local de parada. Seis décadas depois, o passageiro fica debaixo de sol e chuva, sem proteção e sem ter onde sentar. E, para os carros que vêm atrás, não há recuo.

Foto: Arquivo pessoal

 

Estímulo
Os cones que impedem a passagem dos carros no Eixinho de Baixo durante domingo e feriado, para o acesso dos pedestres ao Eixão do Lazer, são inúteis. Os pedestres têm a segurança de atravessar nas passarelas, que não são utilizadas.

Foto: Arquivo pessoal

 

Escuridão
Entre a 715 Norte e a 915 Norte, calçadas amplas são especiais para quem quer passear entre as árvores. Mas, à noite, tudo fica um breu. Os postes de luz do local não funcionam há dias.

 

Bis
Foi aplaudida, pelos moradores da Asa Norte, a batida feita pela Polícia Militar nas moradias improvisadas na 911 Norte. Toda iniciativa que der mais segurança para quem mora por ali será reverenciada. A situação com pessoas em situação de rua na Asa Norte está sem controle e sem ação das secretarias do governo local.

 

 

História de Brasília
O que acontece, entretanto, é que falta cabo. O equipamento estrangeiro está todo em Brasília, mas os cabos, que são nacionais, a Novacap não os compra. É note-se que é um serviço autofinanciável, que, a quanto mais gente atender, melhor renda dará. (Publicado em 3/5/1962)

O ônus e o bônus

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Foto: Walisson Rodrigues

 

          Neste 1º de Maio, o que mais se ouviu por parte das lideranças sindicais, nos principais eventos de comemoração da data, foram referências ao fim da escala 6×1. Ao que parece, as centrais sindicais estão abraçando a proposta de redução da carga horária semanal de 44 para 36 horas. Essa proposta vem ganhando maior aderência dos sindicatos, pois eles já se convenceram da impossibilidade de ganhos salariais reais em decorrência à crise econômica que o país atravessa. O próprio governo não faz alarde público dessa proposta, mas, nos bastidores, apoia essa medida, pois é a única que pode oferecer aos trabalhadores neste momento.

         Nos mesmos moldes da recomendação feita recentemente pelo presidente ao dizer: “se está caro, então não compre”, é oferecida a proposta: “se não há possibilidade de aumentar os ganhos salariais da classe trabalhadora, então trabalhe menos.” Caso a PEC sobre o assunto apresentada venha a ser aprovada, poderá provocar, num primeiro momento, a perda de mais de 18 milhões de empregos, comprometendo até 16% do PIB do país. Mas parece que isso não é levado a uma discussão aprofundada pelos proponentes dessa medida.

         Aproveitando a ocasião pelas comemorações do Dia Internacional do Trabalho, o presidente Lula defendeu, na última quarta-feira, a revisão da jornada de trabalho, afirmando que era chegada a hora de colocar a proposta em discussão: “Vamos aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho vigente no país, em que o trabalhador e a trabalhadora passam seis dias no serviço e têm apenas um dia de descanso.” Ainda, segundo o presidente, “é chegado o momento de o país dar esse passo.”

         Do outro lado, pensam os economistas que enxergam essa proposta apenas oportuna pelo tempo eleitoral. Parlamentares da base também entraram nessa discussão e prometem avançar com essa pauta, mesmo na contramão da realidade econômica e financeira do país. Se for contar apenas com a bancada de apoio que possui dentro do Congresso, a discussão desse assunto ainda vai longe e sem data para a conclusão.

         Como o Brasil é o que é, existem também algumas lideranças da oposição que se mostram simpáticas à redução da jornada de trabalho. Afinal, as eleições de 2026 estão se aproximando e é preciso ter o que oferecer nas campanhas. A turma dos economistas que usa a cabeça para pensar saídas positivas para o país afirma que essas medidas, caso aprovadas, irão causar sérios impactos nos custos empresariais, especialmente para as pequenas empresas, e, com isso, afetar negativamente a produtividade. A questão aqui é saber se a redução de jornada de trabalho, ao aumentar os custos e comprometer a produtividade, afetando empresas que mais geram empregos, seria viável sem uma redução também nos salários.

         Para os que acreditam que sim, a justificativa para essa disparidade é que existem hoje ganhos elevados no empresariado. Àqueles que apostam nas novas tecnologias que trazem mudanças na forma e no modelo atual de trabalho, existe possibilidade de redução da jornada semanal. Olhando o Brasil do alto e sem as interferências políticas e partidárias, o que se observa é que, neste momento, não há espaço para a implementação dessa proposta. É o retorno do velho vaticínio proferido nos anos cinquenta pelo antropólogo e etnólogo francês Lévi-Strauss (1908-2009), quando, em visita a nosso país: “O Brasil vai sair da barbárie sem conhecer a civilização.” A frase, detestada por muitos, mostra a importância do conhecimento, da educação e mesmo do preparo técnico para o trabalho na transformação social, econômica e política do Brasil. Não é pelas mãos de políticos que o Brasil vai ser conduzido ao pleno desenvolvimento, é pelas mãos dos professores. A redução da jornada vem antes da livre produção de riquezas, colocando e antecipando o bônus antes do ônus.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“A jornada de trabalho está vinculada à segurança da atividade laboral.”

Cirlene Zimmermann

Cirlene Luiza Zimmermann. Foto publicada em seu perfil oficial no Instagram.

História de Brasília

“Três mil pessoas estão na fila de telefones de Brasília. É um absurdo, ainda mais quando todo o mundo sabe que o DTUI dispõe de todo o material para atender a numero muito maior.”

Modais mais sustentáveis

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Foto: jornaldebrasilia.com.br

 

         No atual modelo de mobilidade urbana, os impactos econômicos negativos possuem, atrás de si, um conjunto a compor todo esse desastre, diversos e antigos fatores, todos eles decorrentes de anos de falta de planejamento a longo prazo. Mas é fundamental destacar que esses fatores são consequência direta de um sistema de transporte mal planejado desde o início, por meio da dependência excessiva do carro particular, o que sempre acarretou graves deficiências estruturais em todo o sistema.

         De fato, a priorização histórica do automóvel individual em detrimento de alternativas sustentáveis — como um transporte coletivo de qualidade, trens urbanos e interurbanos, transporte fluvial e mesmo a democratização da aviação — revela o desinteresse crônico dos vários governos em desenvolver uma malha integrada, eficiente e segura, como vista nos países de primeiro mundo.

         A ausência de investimentos consistentes em transporte público de massa leva ao congestionamento diário das vias urbanas, aumento da poluição, perda de produtividade e, como os dados mostram, a um custo altíssimo em vidas humanas e recursos públicos. Além disso, o Brasil ainda sofre com a quase inexistente concorrência na aviação civil, que mantém as passagens aéreas entre as mais caras do mundo, limitando o acesso a deslocamentos mais rápidos e seguros para boa parte da população. Tudo isso sem mencionar a insignificância da malha ferroviária existente hoje em nosso país.

          Para um país continental como o nosso, os 30.129 quilômetros de extensão ferroviária são pouco ou quase nada. Quase 23 vezes menor que o Brasil, a malha ferroviária no Japão é de 27.268 quilômetros de extensão. Por outro lado, os custos em vidas e materiais provocados pelo trânsito no Brasil são significativos. Um acidente de trânsito em área urbana custa, em média, R$ 8.782,00, enquanto um acidente que resulta em ferimentos custa R$ 17.460,001. Além disso, em média, cada acidente custa à sociedade brasileira R$ 72.705,31, e um acidente envolvendo vítima fatal tem um custo médio de R$ 646.762,942. Portanto, os números apresentados não são apenas estatísticas; eles denunciam a falência de um modelo de mobilidade que ignora o transporte como direito social e insiste em soluções ineficientes, caras e excludentes. Bastaria repensar o sistema, promovendo a diversificação dos meios de transporte, incentivando modais mais sustentáveis e assegurando que as políticas públicas priorizem a coletividade em vez do privilégio ao transporte individual.

         Observem que esses números não são apenas consequências inevitáveis do crescimento urbano — são resultado direto de décadas de negligência no planejamento de transportes. O transporte coletivo é, em geral, ineficiente, superlotado e mal distribuído; há pouco ou nenhum esforço governamental em implementar sistemas de trens urbanos e interurbanos, tampouco em explorar o vasto potencial do transporte fluvial no país. Soma-se, a isso, a aviação civil brasileira, dominada por monopólios com poucas empresas e marcada por preços altos e baixa cobertura, dificultando alternativas viáveis de deslocamento.

         Enquanto isso, a cultura do carro particular segue sendo estimulada por políticas públicas que favorecem rodovias, estacionamentos e isenções fiscais à indústria automobilística, em vez de investir em mobilidade urbana integrada. O resultado é uma tragédia cotidiana: cidades travadas, altos índices de acidentes, mortes evitáveis e um custo social que recai sobre todos, especialmente os mais pobres.

         A rodoviária do Plano Piloto, como de resto a grande maioria das estações rodoviárias espalhadas pelo Brasil, reflete, em imagens, esse modelo caótico do transporte urbano. São sujas, poluídas por gases de escapamento, inseguras e superlotadas. Os ônibus interurbanos seguem o mesmo modelo, são antigos, e representam um enorme perigo para passageiros que neles embarcam. Reverter essa lógica e construir um sistema de mobilidade mais justo, seguro e diversificado, que valorize o transporte coletivo, os modelos mais sustentáveis e a vida nas cidades, ainda é um sonho distante.

         O progresso econômico obtido com o transporte sobre rodas, que nos anos cinquenta e sessenta ajudou o Brasil a crescer, hoje se mostra obsoleto e pouco seguro. Os riscos são altos e encarecem muito o preço das mercadorias transportadas. Esse e outros problemas não são desconhecidos pela população e pelo governo. A questão aqui está em saber porque, então, no entra e sai de governos, essa situação continua permanecendo sem solução. Quando é que a extensão da malha ferroviária entrará como programa permanente de governos? Afinal, não há progresso viável, sustentável e duradouro sem ferrovias.

          Já no passado, era comum acreditar que as ferrovias eram os caminhos reais do progresso. A prova é que todos os países que logram se desenvolver o fizeram por meio das ferrovias. Do mesmo modo, todos os países que ainda experimentam as agruras do subdesenvolvimento possuem em comum a ausência de malhas ferroviárias.

A frase que foi pronunciada:

“O segredo da mobilidade é integrar os sistemas”.

Jaime Lerner

Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

 

História de Brasília

E por falar no ex-presidente, numa eleição nas treze escolas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para escolha da personalidade que deveria dar, êste ano, a aula inaugural, os alunos preferiram ao ex-presidente Juscelino, o deputado Paulo de Tarso. (Publicada em 03.05.1962)

A dor da distância

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D. Pedro II. Foto: Instituto Moreira Salles

 

          Em carta famosa em que deixa transparecer a dor e a saudade, que só mesmo os exilados e desterrados políticos são capazes de experimentar, D. Pedro II, já em idade avançada, lembra dos 55 anos dedicados ao serviço da nação brasileira e da falta que sente das coisas típicas do seu país de nascimento. Fala também dos sonhos de voltar ao país, de fazer ainda mais pelo seu povo, deixando à mostra nessas linhas o seu profundo patriotismo e o imenso amor que nutria por tudo o que aprendeu a admirar. Mais do que isso, a carta testemunha o comportamento sempre ético do mais querido dos governantes dessa terra, alijado do poder de modo traiçoeiro pelas elites daquela época, descontentes com seu governo, principalmente, depois do fim do regime escravista.

          Trata-se aqui de um documento que, pelo seu teor e sinceridade, torna-se atual e um modelo a ser seguido por todos os estadistas. Em momento algum, o imperador deixa-se guiar pelo ressentimento e pelas traições que sofreu, numa demonstração de que aceitou seu destino e seu exílio, para o bem do povo brasileiro.

         A carta torna-se atual pelo exemplo que dá e ensina, às novas gerações, como agir com ponderação e equilíbrio, mesmo diante de tão grandes desafios. Numa época como a nossa, em que as traições políticas parecem ter se transformado em fenômenos normais e em que os desmandos e a corrupção parecem grassar por toda a parte, nada mais proveitoso do que refletir sobre as palavras desse brasileiro de bem, mandado a força para longe de sua terra natal, que tanto amava.

         Escreveu D. Pedro II: “Estou bem velho mas ainda consigo ver as areias das praias do Rio de Janeiro. Ainda consigo sentir a brisa das manhãs, e o cheiro delicioso de café que só minha antiga terra era capaz de gerar. Ao longo da minha vida, tive a oportunidade de viajar pelo mundo, conhecendo novas culturas e costumes. Precisei viajar pelos continentes para perceber que nenhum dos lugares que visitei era tão grandioso quanto meu Brasil. Percebi que nenhum povo era tão guerreiro quanto o meu povo brasileiro. Percebi que nenhum outro reino, império, ou nação tinha as riquezas que nós tínhamos. Sei que não consegui agradar a todos, mas lutei por quase 60 anos com as armas que eu tinha. Tentei ser o imperador mais justo possível, e tentei enfrentar os altos e baixos com muita sabedoria. Hoje, a única certeza que tenho, é que se dependesse somente da minha pessoa muita coisa teria mudado no Brasil, bem mais rápido do que se esperava. Por que não resisti ao golpe de estado? Você deve estar se perguntando. Bem, porque eu não queria ver mais sangue brasileiro sendo derramado por ambições políticas. Era preferível ter em minhas mãos a carta do meu exílio, do que o sangue do meu povo. Confesso que perdi as contas de quantas vezes sonhei que estava retornando para minha pátria. Hoje, sinto que minha jornada aqui neste plano está bem próxima do fim. Quando a minha hora chegar, irei me curvar perante Deus, o rei de todos os reis, e agradece-lo do fundo do meu coração, pela honra de ter nascido brasileiro.”

 

A frase que foi pronunciada:

“Enquanto se puder reduzir a despesa, não há direito de criar novos impostos.”

Dom Pedro II

 

Vírgula

Solução simples para as ardilosas armadilhas contra os idosos. Realizar um empréstimo consignado sem a autorização do titular isenta o cliente do banco ou do INSS a pagar a conta. Simples assim.

Foto: Divulgação/ALEMS

 

Ponto final

Esse assunto recebeu espaço no legislativo que agora cria uma lei para multar o banco. Melhor que a multa, seria a isenção do pagamento do empréstimo não autorizado. Mal cortado pela raiz.

 

 

Exclamação

É preciso um apelo dos produtores para que o governo reconheça a importância do cacau brasileiro. Mais cacau puro nos chocolates vendidos no país é o que a classe pede. O que parece óbvio precisa ser gritante!

Cacau no Extremo Sul da Bahia. Foto: Arquivo/Ceplac

 

Aspas

“Nesse plano geral do mundo para exterminar os idosos poderiam começar pelos corruptos!”, disse Eliana de Siqueira Alves

 

 

Em cerrado

Como sempre Nicolas Behr canta Brasília em poesia contagiando a todos que amam essa cidade. “Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado.” Veja no link: Brasília.

Nicolas Behr. Foto: Ailton de Freitas

 

História de Brasília

Da lista dos “Dez mais de Brasília”, que a minha vizinha ao lado, Katucha, publicou, há um que não é da cidade. O senador Juscelino Kubitscheck. (Publicada em 03.05.1962)