Cachorro louco

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Imagem: seduh.df.gov

 

            De boas intenções o mundo dos idealistas está abarrotado. Portanto, não bastam ideias, mesmo assentadas oficialmente no papel branco, para transformar, em realização, o que está previsto nos projetos. Com o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), pode ser assim também. As mais de 1,2 mil páginas do documento, sancionadas agora pelo GDF, detalhando todas as classes e subclasses de atividades econômicas que podem ser empreendidas na área tombada, em conformidade com o Plano de Preservação, traz muito mais permissões para a realização de atividades do que restrições, em respeito ao que determinam as disposições da Unesco para áreas consideradas como Patrimônio Cultural da Humanidade.

            E esse é um problema que pode, num prazo curto, levar ao começo do fim do que ainda entendemos como tombamento de Brasília. Primeiramente, o documento volumoso abre várias possibilidades de atualização das regras, sempre que novas alterações forem introduzidas. Essa alternativa torna o PPCUB um documento aberto a novas intervenções, vindas de pressão dos eleitores, do Lobby poderoso dos empreiteiros, da volúpia dos deputados distritais ou de qualquer outro lugar.

             Para os leitores que se interessam pelo assunto e desconfiam das boas intenções políticas, basta cruzar as avenidas W3 Sul e Norte, observando, ao longo do trajeto, quantos barracos de latas existem hoje instalados em cada ponto de ônibus, vendendo de tudo. Em alguma dessas paradas, contam-se até quatro desses comércios improvisados, com caixa d’água no teto, cadeiras e mesas espalhadas impedindo a livre circulação, sujando a área.

            Ciente de que o GDF não enxerga essa deterioração que só aumenta no coração da cidade, esses estabelecimentos seguem se proliferando. O mesmo ocorre nas entrequadras, onde esses barracos de lata vão tomando conta de cada esquina. A comercialização desses espações segue também em alta. São verdadeiros aleijões que ajudam no acelerar da decadência constante do Plano Piloto. Para os brasilienses, que olham com desconfiança o que promete o PPCUB, essa situação degradante notada, ao longo de toda as avenidas W3 Sul e Norte, mostram que, entre o que alardeiam os políticos locais com esse novo projeto, não confere com a realidade factual. E tende a piorar.

            A cada nova eleição para a composição da Câmara Legislativa, a cada novo governador que virá, O PPCUB sofrerá pressões para se adaptar às exigências e aos novos ocupantes do Palácio do Buriti. Não é um documento que tem o poder de dizer “o que pode e não pode ser constituído dentro do local onde o empresário pretende empreender”, mas um órgão fiscalizador sério e eficaz, imune às pressões políticas, que aja com presteza, antes que o problema escale para outro nível.

            Num país onde as leis abundam e a obediência escasseia, o que se faz necessário é a criação de uma autarquia local voltada exclusivamente para a preservação da área tombada, que trabalhe em consonância com o que dispõe o documento da Unesco e não com o que almejam os políticos locais. Note-se que a degradação não só da área tombada, como de todo o Distrito Federal, foi acelerada ao limite depois da instalação da Câmara Distrital e da chamada maioridade política de Brasília. Foi a união entre empreiteiros e políticos locais que criou toda essa situação de deformação urbanística da cidade, com um inchaço populacional, com o clientelismo desenfreado e outras mazelas filhas da má ação política. Mesmo essa história de que “uma cidade tombada não pode ser vista como um empecilho ao desenvolvimento e social, mas como uma oportunidade de valorizar a população e desenvolver novas atividades econômicas”, já mostra a porta escancarada para novas investidas contra a preservação do Patrimônio Cultural da Humanidade.

            O futuro da área tombada com seus 112,5 Km² é o que deveria ser desde 7 de dezembro de 1987, época da inscrição de Brasília na Unesco. O que faz a beleza de muitas cidades milenares da Europa é justamente essa dedicação da população e do governo em manter intacta as obras artísticas, o traçado urbano e mesmo os edifícios dessas épocas, preservando a herança cultural e não permitindo o avanço empoeirado de uma espécie de progresso onde tudo é feito com base em lucros imediatos.

            Na verdade, é a falta de cultura que impede a compreensão, em toda a sua extensão, do que é Patrimônio da Humanidade. Uma cidade que vai se constituindo de puxadinhos e de improvisações e que, por isso, ruma acelerada para o envelhecimento precoce, necessita bem mais do que um documento como um PPCUB; talvez, quem sabe de uma guarda ou polícia especializada em reprimir com energia as violações ao tombamento. Ou é isso, ou prosseguiremos a correr, como um cachorro louco, em volta do próprio rabo.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“A forma segue a função: isso tem sido mal interpretado. Deveriam ser um só, juntos em uma reunião espiritual.”

Frank Lloyd Wright

Frank Lloyd Wright. Portrait, 1954. Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos sob o ID digital cph.3c16657.

 

História de Brasília

Se colocássemos tôdas as obras da Novacap num só bloco, daria um edifício de três andares com a extensão de tôda a Avenida Atlântica. (Publicada em 21.04.1962)

It's only fair to share...Share on Facebook
Facebook
Share on Google+
Google+
Tweet about this on Twitter
Twitter
Share on LinkedIn
Linkedin