As aulas do professor Delmo Arguelhes

Publicado em ÍNTEGRA

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Imagem: nossofuturoroubado.com

 

Ao longo de séculos, o eurocentrismo não foi apenas uma hegemonia geográfica ou econômica, mas, sobretudo, um eixo civilizacional. Foi na Europa e depois no Ocidente ampliado que se consolidou uma noção específica de indivíduo: portador de razão, consciência moral, dignidade intrínseca e responsabilidade histórica. Esse conceito, herdeiro direto da filosofia grega, do direito romano e da antropologia judaico-cristã, moldou instituições, leis e valores que, com todos os seus erros e contradições, colocaram o indivíduo no centro da vida social.
Hoje, contudo, esse paradigma encontra-se em franco declínio. A decadência do eurocentrismo não ocorre apenas pela ascensão de outras potências ou culturas, mas pela corrosão interna de seus próprios fundamentos. As chamadas agendas globalistas de esquerda, cada vez mais difundidas em organismos internacionais, universidades, meios de comunicação e corporações, têm promovido uma ruptura deliberada com a tradição humanista que sustentou o Ocidente. O indivíduo, outrora sujeito de direitos, passa a ser visto sobretudo como produto de estruturas, categorias identitárias ou relações de poder. A pessoa concreta cede lugar ao tipo abstrato. Alexis de Tocqueville advertia, no século XIX, que “as nações democráticas mostram um gosto natural por ideias gerais e abstratas”, pois estas dispensam o esforço de compreender o particular. Essa tendência, levada ao extremo, abre caminho para sistemas ideológicos que falam em nome da humanidade, mas ignoram o homem real. Quando o discurso político se estrutura apenas em termos de coletivos classe, gênero, raça, grupo, o indivíduo deixa de ser um fim em si mesmo e passa a ser mero instrumento narrativo.
Hannah Arendt, ao analisar as origens do totalitarismo, observou que “o primeiro passo essencial no caminho para a dominação total é matar a pessoa jurídica do homem”. Ainda que as agendas contemporâneas não se apresentem com a brutalidade dos regimes totalitários clássicos, o mecanismo intelectual guarda semelhanças inquietantes. A despersonalização ocorre de forma simbólica: dissolve-se a responsabilidade individual, relativiza-se a liberdade de consciência e redefine-se a verdade como construção política. O sujeito não pensa; ele “replica”. Não escolhe; ele “internaliza”. Nesse contexto, a desconstrução torna-se um valor em si. Tradições são tratadas como opressões herdadas, identidades como ficções perigosas e a história como um inventário de culpas.
Roger Scruton alertava que “uma sociedade que se dedica apenas a desconstruir suas instituições logo descobrirá que não sabe mais como reconstruí-las”. A crítica deixa de ser instrumento de aprimoramento e se converte em prática permanente de demolição cultural. O globalismo ideológico, ao pretender uniformizar valores em escala planetária, paradoxalmente, nega a diversidade que afirma defender. Culturas locais, visões morais distintas e formas históricas de organização social tornam-se obstáculos a serem corrigidos. O indivíduo é reeducado para se ver menos como herdeiro de uma tradição e mais como átomo flutuante, desligado de passado, território e memória. Como escreveu José Ortega y Gasset, “o homem-massa não quer dar razões nem quer estar certo; simplesmente quer impor”.
A nova ortodoxia moral dispensa o convencimento racional e prefere a pressão social. Essa despersonalização também se manifesta na linguagem. Palavras são esvaziadas de seu significado histórico e recodificadas segundo critérios políticos. George Orwell, em tom quase profético, já advertia que “se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento”. Ao controlar os termos do debate, controla-se o horizonte do pensável. O indivíduo perde até mesmo o vocabulário necessário para expressar dissenso. A decadência do eurocentrismo, portanto, não significa apenas a perda de protagonismo de uma civilização, mas o risco de abandono de um legado filosófico que afirmava a singularidade da pessoa humana.
Ao rejeitar esse legado como “obsoleto” ou “opressor”, corre-se o perigo de substituir o humanismo imperfeito por um pós-humanismo administrativo, no qual o indivíduo vale apenas enquanto função estatística ou símbolo político. O paradoxo final é evidente: em nome da libertação, promove-se uma nova forma de tutela; em nome da inclusão, apaga-se a pessoa concreta; em nome do progresso, dissolve-se o sentido. Como escreveu T. S. Eliot, “onde está a vida que perdemos vivendo? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?” A pergunta permanece em aberto.
Se o Ocidente deseja sobreviver não apenas como espaço econômico, mas como civilização, talvez precise reencontrar aquilo que o tornou singular: a convicção de que cada indivíduo importa não por sua utilidade social ou pertencimento identitário, mas por sua dignidade ontológica. Sem isso, o mundo pode até se tornar mais integrado, porém, inevitavelmente, menos humano.
A frase que foi pronunciada:
“ Nós não evoluímos com a tecnologia, apenas somos leões pedindo uma zebra pela internet.”
Edu Casarotto
Eduardo Casaroto. Foto: institutovirtudes.com
História de Brasília
Já que está com esta disposição, poderia também mandar limpar escadas e corredores, e varre-los periodicamente, já que não se pode exigir que isto seja feito todos os dias. (Publicada em 13.05.1962)
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