Sobre a Capital da Esperança

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: Minha Capital

 

Há tempos em que o vento sopra contra a bússola. Quando a arte de planejar é abandonada, ou substituída por caprichos momentâneos, até o mais sólido dos alicerces começa a ceder. Essa verdade se aplica com ainda mais força ao organismo complexo político. Uma gestão sem planejamento é como um corpo sem esqueleto: sobrevive, mas vergado, adoecido, desfigurado.

Nosso centro administrativo na capital do país — tão meticulosamente desenhado em papel e sonho — foi, um dia, símbolo de uma promessa racional. Com traços modernos e espírito de vanguarda, pretendia-se erguer não apenas uma cidade, mas um novo modo de habitar o poder. Os eixos da capital não brotaram do acaso: vieram da mente de quem ousou imaginar o depois de amanhã.

Hoje, no entanto, a racionalidade daquele gesto inaugural não condiz com a política nacional abrigada na cidade. O improviso se tornou método. A pressa eleitoral substituiu o traçado técnico. As necessidades de poucos se sobrepuseram ao bem de muitos. Por conveniência ou por cálculo, decidiu-se ajustar a Esplanada dos Ministérios à vontade dos passageiros do turno. O resultado? Um amontoado de desculpas que fazem a gestão envelhecer antes da hora, medidas provisórias, soluções improvisadas e interesses que não aparecem nos diários oficiais.

Há setores da cidade onde o solo treme diante de novas informações. Outros são engolidos por estruturas parasitárias que avançam sem freios sobre cidadãos comuns, em nome de uma lógica que muitos fingem não ver. Não faltam elefantes brancos, erguidos a preços de ouro, cujas sombras cobrem o erário e sufocam o contribuinte. E tudo isso sob o silêncio ou a cumplicidade de quem deveria zelar.

Curiosamente, no seio da capital onde deveriam pulsar centros de estudo e reflexão urbana, impera a ausência. Onde estão os levantamentos técnicos? Onde está o diagnóstico dos pontos frágeis? Não se ouve a voz das academias, tampouco se vê sinal da caneta dos planejadores. A cidade parece agora viver à mercê da política mal calculada como se bastasse sempre “dar um jeito”.

Mas há limites para o improviso. Quando tudo é exceção, a regra desaparece. Quando tudo é urgente, o essencial se perde. E assim seguimos, a passos curtos e apressados, na contramão daquilo que um dia poderia ter sido.

A cidade que foi pensada numa política de futuro é quase um ato de resistência. Talvez, ainda haja tempo. Mas esse tempo exige coragem: de voltar à prancheta, de dizer não ao provisório, de confrontar os interesses rotativos e, sobretudo, de devolver, ao povo brasileiro, o direito de ser pensada com os olhos do amanhã.

Não é por acaso que, pelo mundo, o investimento em inteligência é o que predomina. Essa é a diferença. Fazer política não é remendar buracos ou inaugurar estruturas com placas reluzentes. É preciso visão. E, para isso, é necessário permitir que a técnica fale mais alto do que o aplauso fácil.

O que temos visto, porém, é o triunfo do improviso sobre o critério. Em nome de conveniências passageiras, áreas públicas são loteadas, normas são flexibilizadas e o interesse coletivo é empurrado para um futuro sempre adiado. Cada puxadinho interesseiro tolerado, cada invasão das regras ignorada, cada estrutura faraônica, que serve mais à vaidade do que à função pública, representa uma escolha — e não escolher também é uma escolha. A cidade é espelho disso tudo: reflete não só os traços do tempo, mas também as omissões de quem paga a conta.

Ao fim, resta a pergunta incômoda: o que deixaremos para aqueles que ainda não nasceram? Será que estaremos apenas perpetuando um modelo de política que desaprendeu a pensar? E quando uma cidade, um país, para de pensar, o que sobra é a repetição automática do erro. Não é esse o legado que uma capital, ainda chamada patrimônio, deveria desejar carregar.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“É preciso tanta energia para desejar quanto para planejar.”

Eleanor Roosevelt

Portrait of American diplomat and former First Lady Eleanor Roosevelt (1884 – 1962), early to mid 1940s. (Photo by Stock Montage/Getty Images)

 

Terra sem lei

Se existe uma Lei Geral de Proteção de Dados, não faz o menor sentido um cliente de operadora de celular receber mais de 20 telefonemas de robôs por dia. Pior do que isso é a ouvidoria das operadoras deixarem um som irritante para o consumidor ouvir por mais de 40 minutos sem atendimento. E ainda há o pior: a Anatel só aceita a reclamação se houver registro na ouvidoria da operadora.

Anatel. Foto: gov.br

 

História de Brasília

O auditório da Universidade de Brasília se chama 2 Candangos, como homenagem ao Reitor aos 2 anônimos que morreram na construção da instituição. Em homenagem, diremos seus nomes: Gildemar Marques, de Bom Jesus, Piauí, 19 anos e Expedito Xavier Gomes, de Ipu, Ceará, 27 anos.

Pelo olhar de Carl Jung

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(Foto: Reprodução)

 

Quando a situação política decorrente de uma sequência sem fim de escândalos que vão vindo à tona parece conduzir o país ao caos, as análises meramente políticas já não conseguem mais explicar o que de fato ocorre. Quando isso acontece, um dos caminhos possíveis a ser percorrido ruma direto para a seara da psicologia — no caso aqui da psicologia analítica, criada por Carl Gustav Jung (1875-1961).

Criador do conceito de sombra, ele dizia que todos nós abrigamos aspectos de nossa personalidade que preferimos não reconhecer: impulsos, desejos e contradições que não se encaixam na imagem que construímos de nós mesmos. Essa “sombra” — rejeitada e projetada no outro —se torna um mecanismo perigoso quando não é reconhecida.

Na política, ela se manifesta como moralismo seletivo, discursos públicos dissonantes das práticas privadas e, principalmente, como a tentativa inconsciente de destruir aquilo que mais se teme dentro de si. A teoria da sombra de Jung ilumina com precisão os comportamentos contraditórios e, muitas vezes, destrutivos que vemos com frequência no campo político.

A política, sendo o palco por excelência da projeção coletiva, revela com nitidez como indivíduos e grupos negam aspectos indesejados de si mesmos e os projetam sobre os adversários. O resultado é o moralismo inflado, a hipocrisia institucionalizada e o ódio como forma de autodefesa psíquica. O político que combate “a corrupção dos outros” enquanto lucra em silêncio com esquemas próprios; o juiz que julga “em nome da moral”, mas negocia bastidores com grupos de interesse; o cidadão que clama por justiça, mas aplaude a arbitrariedade contra quem pensa diferente — todos encenam o drama da sombra projetada, incapazes de reconhecer suas próprias ambivalências.

Jung alertava que, quando a sombra não é integrada, ela domina o indivíduo de forma inconsciente. No coletivo, isso gera movimentos persecutórios, polarizações extremas e um estado constante de guerra simbólica, onde a busca por um inimigo externo substitui o enfrentamento das próprias contradições. A política torna se, assim, um teatro de purificação ilusória, onde ninguém se salva porque ninguém olha para dentro.

Esse conceito é essencial para compreender não apenas o comportamento de certas lideranças políticas atuais, mas também explica o comportamento da massa que apoia essa estratégia, que facilmente transfere para o outro (o opositor, o corrupto, o traidor, o “inimigo do povo”) as falhas que se recusa a admitir em si mesma. Nesse ponto, a psicologia analítica ensina que, se a sombra não for reconhecida, não haverá amadurecimento nem no indivíduo nem na democracia. Como escreveu Jung, “não se torna iluminado imaginando figuras de luz, mas tornando consciente a escuridão”.

A associação entre o conceito junguiano de sombra e a retórica política “acuse-os do que você faz” — atribuída a táticas de propaganda de regimes autoritários e amplamente usada por setores da esquerda e da direita — revela uma operação psicológica profunda: a projeção da sombra coletiva como estratégia de manipulação. A frase “acuse-os do que você faz” expressa bem essa tática em que o discurso se torna um espelho invertido: aquilo que é praticado às escondidas é denunciado ruidosamente como sendo feito pelos outros. Essa inversão tem um efeito duplo: confundir o debate público, deslocando o foco e dificultando a responsabilização. Proteger o ego coletivo, preservando a autoimagem moral do grupo.

No campo contemporâneo de batalha, isso pode ser observado, por exemplo, quando: ataca-se o “autoritarismo” de adversários enquanto se tolera ou até promove o controle ideológico em instituições; denuncia-se “golpes” e “ameaças à democracia” ao mesmo tempo em que se instrumentaliza o Judiciário para fins políticos; erige-se a bandeira da “tolerância”, mas com práticas intolerantes a vozes dissonantes. Essa estratégia torna-se ainda mais poderosa quando combinada com um discurso moralizante. A sombra projetada nos adversários não apenas justifica a própria agressividade, como permite ações extremas em nome de uma suposta justiça.

Assim, a luta política se transforma em uma guerra de extermínio simbólico, onde o outro não é um adversário legítimo, mas um reflexo do mal a ser eliminado. Quando a política opera sob o domínio da sombra, não há diálogo, apenas projeção. A verdade não importa, apenas a manutenção da imagem idealizada, ou as narrativas. E, como disse Jung, “quanto maior a luz, maior a sombra”. Quanto mais moralista o discurso, mais obscuras tendem a ser as intenções ocultas por trás dele.

 

A frase que foi pronunciada:
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”
Carl Jung

 

História de Brasília
Chegaram ao edifício do Ministério da Fazenda 12 malas e dois sacos cheios de processos, num total de quase 400 quilos. As pilhas aumentam e não há funcionários para os despachos rotineiros. (Publicado em 3/5/1962)

A dor da distância

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D. Pedro II. Foto: Instituto Moreira Salles

 

          Em carta famosa em que deixa transparecer a dor e a saudade, que só mesmo os exilados e desterrados políticos são capazes de experimentar, D. Pedro II, já em idade avançada, lembra dos 55 anos dedicados ao serviço da nação brasileira e da falta que sente das coisas típicas do seu país de nascimento. Fala também dos sonhos de voltar ao país, de fazer ainda mais pelo seu povo, deixando à mostra nessas linhas o seu profundo patriotismo e o imenso amor que nutria por tudo o que aprendeu a admirar. Mais do que isso, a carta testemunha o comportamento sempre ético do mais querido dos governantes dessa terra, alijado do poder de modo traiçoeiro pelas elites daquela época, descontentes com seu governo, principalmente, depois do fim do regime escravista.

          Trata-se aqui de um documento que, pelo seu teor e sinceridade, torna-se atual e um modelo a ser seguido por todos os estadistas. Em momento algum, o imperador deixa-se guiar pelo ressentimento e pelas traições que sofreu, numa demonstração de que aceitou seu destino e seu exílio, para o bem do povo brasileiro.

         A carta torna-se atual pelo exemplo que dá e ensina, às novas gerações, como agir com ponderação e equilíbrio, mesmo diante de tão grandes desafios. Numa época como a nossa, em que as traições políticas parecem ter se transformado em fenômenos normais e em que os desmandos e a corrupção parecem grassar por toda a parte, nada mais proveitoso do que refletir sobre as palavras desse brasileiro de bem, mandado a força para longe de sua terra natal, que tanto amava.

         Escreveu D. Pedro II: “Estou bem velho mas ainda consigo ver as areias das praias do Rio de Janeiro. Ainda consigo sentir a brisa das manhãs, e o cheiro delicioso de café que só minha antiga terra era capaz de gerar. Ao longo da minha vida, tive a oportunidade de viajar pelo mundo, conhecendo novas culturas e costumes. Precisei viajar pelos continentes para perceber que nenhum dos lugares que visitei era tão grandioso quanto meu Brasil. Percebi que nenhum povo era tão guerreiro quanto o meu povo brasileiro. Percebi que nenhum outro reino, império, ou nação tinha as riquezas que nós tínhamos. Sei que não consegui agradar a todos, mas lutei por quase 60 anos com as armas que eu tinha. Tentei ser o imperador mais justo possível, e tentei enfrentar os altos e baixos com muita sabedoria. Hoje, a única certeza que tenho, é que se dependesse somente da minha pessoa muita coisa teria mudado no Brasil, bem mais rápido do que se esperava. Por que não resisti ao golpe de estado? Você deve estar se perguntando. Bem, porque eu não queria ver mais sangue brasileiro sendo derramado por ambições políticas. Era preferível ter em minhas mãos a carta do meu exílio, do que o sangue do meu povo. Confesso que perdi as contas de quantas vezes sonhei que estava retornando para minha pátria. Hoje, sinto que minha jornada aqui neste plano está bem próxima do fim. Quando a minha hora chegar, irei me curvar perante Deus, o rei de todos os reis, e agradece-lo do fundo do meu coração, pela honra de ter nascido brasileiro.”

 

A frase que foi pronunciada:

“Enquanto se puder reduzir a despesa, não há direito de criar novos impostos.”

Dom Pedro II

 

Vírgula

Solução simples para as ardilosas armadilhas contra os idosos. Realizar um empréstimo consignado sem a autorização do titular isenta o cliente do banco ou do INSS a pagar a conta. Simples assim.

Foto: Divulgação/ALEMS

 

Ponto final

Esse assunto recebeu espaço no legislativo que agora cria uma lei para multar o banco. Melhor que a multa, seria a isenção do pagamento do empréstimo não autorizado. Mal cortado pela raiz.

 

 

Exclamação

É preciso um apelo dos produtores para que o governo reconheça a importância do cacau brasileiro. Mais cacau puro nos chocolates vendidos no país é o que a classe pede. O que parece óbvio precisa ser gritante!

Cacau no Extremo Sul da Bahia. Foto: Arquivo/Ceplac

 

Aspas

“Nesse plano geral do mundo para exterminar os idosos poderiam começar pelos corruptos!”, disse Eliana de Siqueira Alves

 

 

Em cerrado

Como sempre Nicolas Behr canta Brasília em poesia contagiando a todos que amam essa cidade. “Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado.” Veja no link: Brasília.

Nicolas Behr. Foto: Ailton de Freitas

 

História de Brasília

Da lista dos “Dez mais de Brasília”, que a minha vizinha ao lado, Katucha, publicou, há um que não é da cidade. O senador Juscelino Kubitscheck. (Publicada em 03.05.1962)

A doença como metáfora

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Foto: GettyImage

 

          Um grupo desponta, hoje, como absolutamente dominante na indústria global, expandindo seu poder para além do seu métier, influenciando e ditando regras nas economias e na política dos Estados. Trata-se do que ficou popularizado como Big Pharmas, um complexo gigantesco de fábricas, laboratórios e universidades espalhadas por todo o mundo e cujo controle sobre os países vai ficando cada vez mais visível e preocupante.

          Dos trilhões de dólares e poder do lobby, dão, a esse grupo, uma hegemonia jamais vista em toda a história da humanidade. Afinal, estamos falando de doenças ou, nesse caso, de saúde, um fator comum e buscado por todos os habitantes deste planeta. A questão aqui é que, por seu tamanho, poderio e influência, as Big Pharmas deixaram, em segundo plano, a questão de medicamentos e da própria saúde humana, para focar seus interesses nas áreas do poder e do dinheiro, submetendo milhões ou, talvez, bilhões de indivíduos aos seus interesses imediatos, que passam longe de tudo o que diz respeito ao bem-estar das populações.

         Não se trata de negar os avanços trazidos pela indústria farmacêutica. Vacinas, antibióticos, tratamentos de ponta e inovações genéticas salvaram milhões de vidas. Mas é justamente em nome desse mérito que se precisa lançar um olhar crítico e honesto sobre a direção que o setor tomou. Quando a saúde vira instrumento de dominação e não mais de cuidado, o risco é que a própria vida se converta em mercadoria.

         O silêncio dos governos frente à expansão desproporcional do poder das Big Pharmas é tão preocupante quanto o próprio avanço corporativo. Em vez de regulação firme, o que se vê são alianças ambíguas, portas giratórias entre cargos públicos e executivos do setor.

          A saúde pública, em seu sentido mais nobre, precisa urgentemente ser resgatada do domínio das planilhas financeiras. A responsabilidade pelo bem-estar coletivo não pode continuar a ser terceirizada a grupos que, por estrutura e natureza, estão comprometidos com interesses acionários antes de qualquer outro princípio. A sociedade não pode mais aceitar como inevitável que as decisões sobre o que nos cura ou adoece estejam sendo tomadas não por médicos, nem por comunidades científicas independentes, mas por conselhos administrativos orientados por metas de crescimento. O que está em jogo é mais do que a regulação de um setor. É a própria soberania, se é que essa palavra ainda possui a força e importância que teve um dia. Essa é uma questão que diz respeito direto ao futuro de cada um de nós.

         Você não precisa ir muito longe para ter um breve vislumbre sobre essa portentosa indústria. Basta circular pela capital e observar os grandes estabelecimentos farmacêuticos espalhados em cada canto da cidade. Muitas vezes você observa vários desses comércios num mesmo endereço. Essa aglomeração, que muitas vezes contrária ao próprio conceito de concorrência, justifica-se porque esse é um setor da economia que não conhece o que é crise. Num mundo em que, aparentemente, as pessoas adoecem cada vez mais e onde o consumo de medicamentos sempre aumenta, a prosperidade tem agora um novo adjetivo: farmácia.

         A pandemia de COVID-19 expôs as cicatrizes profundas da geopolítica da saúde. Em meio ao colapso dos sistemas hospitalares, a corrida por vacinas e a crise humanitária global, uma verdade ficou ainda mais evidente: a hegemonia da indústria farmacêutica norte-americana não se limita aos domínios produtivo e comercial — ela é também política, jurídica e estratégica. Essa dominação foi institucionalizada em 1994, com a assinatura do Acordo TRIPS (Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), no contexto da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao atrelar o ingresso à OMC, à aceitação compulsória das regras de propriedade intelectual estabelecidas pelo TRIPS, os EUA e seus aliados farmacêuticos moldaram um regime internacional voltado não para o bem-estar coletivo, mas para a preservação do monopólio tecnológico sobre medicamentos e tratamentos.

         Não é à toa que, durante a pandemia, quando Índia e África do Sul propuseram um waiver (suspensão temporária) de patentes das vacinas anti-COVID, as mesmas farmacêuticas que lucravam bilhões se posicionaram frontalmente contra a medida — com o apoio ativo do governo norte-americano. Mesmo diante de uma emergência sanitária sem precedentes, a proteção das patentes foi tratada como prioridade absoluta. Trata-se de uma lógica perversa. Ao transformar o acesso à saúde em mercadoria regulada por tratados comerciais draconianos, o sistema global vigente inverte a ordem dos valores: a vida humana torna-se secundária frente à propriedade intelectual.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Durante os primeiros 50 anos da sua vida, a indústria alimentícia tenta te engordar. Depois, nos segundos 50 anos, a indústria farmacêutica te trata com tudo.” 

Pierre Dukan

O médico francês Pierre Dukan. Foto: Bernardo Pérez

 

História de Brasília

Esta é para as autoridades sanitárias. Os pernilongos voltaram violentos e estão a merecer maior atenção. (Publicada em 02.05.1962)

O Santo Graal

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Platão e Sócrates. Imagem: reprodução da internet

          A linguagem é um poderoso instrumento de construção de significados, de interação entre os humanos e de construção de ideias. Sem ela, o desenvolvimento da sociedade e todo o progresso que conhecemos na história da humanidade seria outro, talvez menos brilhante e bem mais lento. Educação, cultura de toda uma diversidade de saberes nascem e fluem por intermédio da linguagem. Sócrates foi o mestre da linguagem e da palavra. Toda a sua obra se baseia no uso da palavra, pois enxergava que, por meio da linguagem, era possível alcançar a verdade. Dizia ele: “fala para que eu te veja”. Pelo uso e prática da maiêutica, questionava incansavelmente seu interlocutor na longa estrada em busca do conhecimento que leva a verdade. Parir a verdade, eis a técnica do grande filósofo. Também a psicanálise se baseia na maiêutica, pois busca trazer à tona o que está guardado no inconsciente, buscando aqui a cura pela fala. Desde cedo, ficou patente o poder de conduzir os homens pela força da linguagem e da palavra.

          Os políticos, os clérigos e todos aqueles que estavam acima e à frente das populações souberam usá-las para seus propósitos. Com isso, a linguagem foi usada tanto para iniciar guerras como para proclamar a paz, para trazer o progresso e para deixar ruínas. Se, portanto, a palavra nasce das ideias, é nesse campo que todos aqueles que buscam dominar o homem querem influir. Ao tornar o homem um ser desprovido de ideias próprias, estamos conduzindo-o para um lugar onde podemos melhor controlá-lo. A linguagem liberta e aprisiona. Nos regimes totalitários, caçar o direito a voz e a linguagem tem sido a primeira medida dos tiranos. Garcia Lorca (1898-1936), o mais importante poeta espanhol durante a guerra civil, dizia: “o mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida”, pois, para ele “ há coisas encerradas dentro dos muros que, se saíssem de repente para a rua e gritassem, encheriam o mundo”. Apenas por utilizar o poder da linguagem, acabou fuzilado pelas forças de fascistas de Franco, sendo os seus restos mortais escondidos até hoje.

         O perigo que o poder da linguagem possui quando gestada por uma mente desse calibre, tornara-o uma arma letal contra o regime e a opressão. O lado das sombras também sabia do poder da linguagem e usava-a sem cerimônias por meio de uma propaganda massiva a incutir o medo e a renúncia à fala. Neste contexto, nada mais velho e também mais eficaz do que fiscalizar o que é dito verbalmente ou por escrito. Por isso, antes de aprisionar o homem, é preciso aprisionar suas ideias.

         A liberdade de expressão, que na maioria das constituições de países do Ocidente é um dos temas principais, vai, nessa primeira metade do século XXI, sendo, pouco a pouco, limitada e restringida, pois contraria o pensamento daqueles que se acham, erroneamente, donos do poder ou de uma situação momentânea de poder. Talvez, esteja aí o tão repetido sentido de censura, denominado nesses tempos de novilíngua ou mais precisamente de wokismo. A esse tipo de anti-linguagem, somam-se confusões propositais ao idioma, de forma a corrompe-lo desde a raiz. Sem a linguagem, aprisionada em proposições que busca eufemisticamente “regular as mídias sociais”, o ser humano capitula de forma mais ligeira. Ao caçar o direito à palavra, a crítica ou a defesa, como temos visto nestes tempos surreais, os seres humanos são reduzidos à condição de um enorme formigueiro, silencioso e sem sentido. Assim temos que cortar a palavra ou a linguagem é cortar também uma das poucas maneiras de se aproximar da verdade. Notem que a verdade aqui, nesse caso, não é só o que é certo e aceitável, mas o que é belo e ético ao mesmo tempo, ou seja: sem a liberdade da linguagem, não há caminho possível rumo à tão desejada felicidade humana, que, afinal, é o Santo Graal de todo o propósito humano.

 

A frase que foi pronunciada:

“Sentimo-nos livres porque nos falta a linguagem para articular a nossa falta de liberdade.”

Slavoj Žižek

Slavoj Zizek. Foto: Antonio Olmos / Eyevine / Contacto

 

Vírgula

Solução simples para as ardilosas armadilhas contra os idosos. Realizar um empréstimo consignado sem a autorização do titular isenta o cliente do banco ou do INSS a pagar a conta. Simples assim.

Foto: Divulgação/ALEMS

 

Ponto final

Esse assunto recebeu espaço no legislativo, que agora cria uma lei para multar o banco. Melhor que a multa, seria a isenção do pagamento do empréstimo não autorizado. Mal cortado pela raiz.

Charge: bancariosirece.com.br

 

Exclamação

É preciso um apelo dos produtores para que o governo reconheça a importância do cacau brasileiro. Mais cacau puro nos chocolates vendidos no país é o que a classe pede. O que parece óbvio precisa ser gritante!

Cacau no Extremo Sul da Bahia. Foto: Arquivo/Ceplac

 

Aspas

“Nesse plano geral do mundo para exterminar os idosos, poderiam começar pelos corruptos”! Disse Eliana de Siqueira Alves.

Foto: Getty

 

Em cerrado

Como sempre Nicolas Behr, canta Brasília em poesia contagiando a todos que amam essa cidade. “Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado.”

Nicolas Behr. Foto: Ailton de Freitas

 

História de Brasília

O caso do BNDE era um abuso porque mantinha fechadas as casas, mas o movimento grevista, inclusive insuflando alunos foi recebido com reserva pelo povo. Êste é o fato. (Publicada em 02.05.1962)

Um breve olhar ao passado

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Foto: Prefeitura de Araraquara. Araraquara fechou todas as atividades por quase uma semana, na pandemia do Covid-19. Só serviços de saúde permaneceram abertos.

 

Diferença fundamental entre o fanatismo político e a ciência é que, enquanto um se baseia na autoridade, a outra se baseia na observação e razão. O objetivo final da ciência é a verdade. O da política, é o poder. Passados anos da pandemia, vale observar as consequências desse debate que vão muito além das discussões entre paralisação e quarentena. No campo político, as oposições se manifestaram com união e sintonia para desacreditar todas as teses que tentavam segurar a crise. Pessoas foram presas porque nadavam na praia, restaurantes não recebiam clientes enquanto preparavam a comida para entrega em domicílio, desemprego, economia estagnada. Crianças respirando o ar abafado por máscaras durante horas, idosos sofriam com a solidão onde abraços plastificados, inventados por famílias criativas, amenizavam essa dor. O mundo entrava em agonia.

Diante desse cenário, um lado da sociedade apostava em provocar e disseminar a desesperança, medo, pavor, insegurança entre a população vulnerável. Obviamente que esse não era o caminho. A pandemia serviu de pano de fundo para uma disputa política que já vinha se arrastando há muito tempo e que, com essa crise, ganhou novos ingredientes. Criou-se assim uma situação esdrúxula em que a própria doença e o futuro da economia parecem ter ficado em segundo plano.

O mais preocupante é ver que, enquanto a população era distraída com uma com uma disputa que só interessava, de fato, aos políticos, principalmente aqueles cujo horizonte se estende apenas até às próximas eleições, os brasileiros, como fonte de onde todo o poder emana e em cujo nome é exercido, fica deixado de lado, numa peleja onde ele é o mais atingido.

Cria-se assim uma excentricidade em que o Estado delega, a outros planos, a sua função precípua de proteger o cidadão e se concentra numa disputa envolvendo apenas seus entes políticos e seus interesses imediatos e de curto prazo.

Para um país continental como o nosso, o tamanho do problema exigia coordenação de esforços e não disputas paroquiais. Deixando de lado razões políticas e razões científicas, até pela dimensão do problema, o caminho do meio entre a experiência sensorial dos políticos e a afirmação da razão como base da ciência médica, era preciso. A colaboração da própria imprensa e de toda a população, sem a qual, não poderia haver, nem expressão numérica para contornar uma crise desse tamanho, foi destaque.

Dessa forma, a responsabilidade de cada um e de todos conjuntamente pode fazer a diferença. Essa união de esforços parece ser a fórmula universal e que, em outras épocas, rendia frutos positivos. Cada cidadão se empenhou pelo bem da coletividade. Muitos têm dito que é nas crises profundas que a civilidade, sobretudo a empatia social, adquirem mais potência para o aprimoramento da sociedade.

Nessas horas, como não seria diferente, muitos passaram a torcer para que os bancos, o sistema financeiro e todos aqueles que sempre lucraram com o capitalismo selvagem, que fez de nosso país uma das sociedades mais desiguais do planeta, adiantassem-se e oferecessem, voluntariamente, suas contribuições para minorar os efeitos da crise. Utopia ou não, nesse rol de favorecidos e sempre superavitários, de quem se espera ajuda, incluem-se ainda as igrejas e outras instituições que sempre lucraram com isenções de impostos e o pouco controle pelos órgãos do Estado e que vem fazendo a fortuna de uma minoria por décadas.

As iniciativas que chegaram ao conhecimento do público vieram, em sua maioria, por livre vontade. Médicos, enfermeiras, técnicos de enfermagem foram os grandes heróis da pandemia. Arriscaram a própria vida para salvar muitas pessoas. Pequenos e médios empresários correram para transformar suas empresas em organizações voltadas para a produção de bens e insumos de primeira necessidade para a área de saúde. Pequenos ateliês de costura passaram a fabricar máscaras caseiras. Outros microempresários passaram a produzir máscaras de acetato e outros itens, assim como pequenos comerciantes que doaram parte de seus estoques para hospitais. Restaurantes doavam comida para os moradores de rua abandonados à própria sorte.

Paradoxalmente, o isolamento social contribuiu de uma forma ou de outra para que a sociedade conhecesse melhor quem são nossos políticos, banqueiros, donos de laboratórios, cientistas. Também pode ser visto a olho nu a gestão da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A modalidade de trabalho home office, que antes era mal vista por algumas empresas e por grande parte dos governos, não apenas ganhou um novo impulso, como tem contribuído para frear os gráficos de contaminação, desafogando o trânsito, diminuído a poluição e os gastos com deslocamento e com consumo de outros bens e serviços, indicando a força dessa nova forma de trabalho.

Iniciativas de todas as partes surgiram a cada dia, demonstrando o potencial adormecido da população em poder servir, inclusive, mostrando a capacidade de crescer com a crise. As ações espontâneas vão desde doações de bens e outros serviços, como outras que propõem a formulação de listas para o conhecimento público, com a relação daquelas empresas que contribuíram, de fato, com recursos para combater os efeitos da crise de saúde.

Dessa forma, o papel social desempenhado tanto por pessoas físicas, como por pessoas jurídicas foi destacado e, por certo, a população há de lembrar quem esteve ao seu lado nesse momento de agonia.

 

 

A frase que foi pronunciada: 

“Todos os países devem ativar imediatamente seus planos de preparação para pandemia. Os países devem permanecer em alerta máximo para surtos incomuns de doenças semelhantes à gripe e pneumonia grave.”

Margaret Chan

Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde. (Foto: OMS/Divulgação)

 

História de Brasília

A censura no Distrito Federal passará a ser de segunda-feira em diante, trabalho do jornalista José Madeira. Termina, assim, a discutida gestão de Egberto Assunção. (Publicada em 29.04.1962)

Anna, armada de palavras

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Foto: bbc.com (Getty)

 

Durante muito tempo, acreditou-se que o jornalismo, principalmente o de caráter investigativo, representava a última trincheira avançada em defesa da liberdade de expressão, servindo como uma espécie de farol de resistência contra a tirania e a favor da verdade. Houve um tempo, inclusive, em que o jornalismo era tido, por sua capacidade de arregimentação das massas, como um quarto poder. Exemplos desse modelo de jornalismo combativo são abundantes por todo o mundo e dele emergem figuras que, por sua atuação corajosa, entraram para a história como verdadeiros combatentes, munidos apenas com as armas da palavra e da escrita.

O advento das mídias sociais, mesmo impulsionando as informações como nunca, ajudaram a retirar muito desse poder atribuído ao jornalismo tradicional fazendo com que, hoje, tanto a imprensa como a chamada busca pela verdade ficassem espalhadas e dissolvidas por todos os lugares, aumentando a impressão geral de que ninguém, em nossos dias, por mais poderoso que seja, pode ser considerado o dono da verdade.

Mas ainda assim e em meio as adversidades de um mundo em crise de identidade, é possível encontrar jornalistas com coragem suficiente para abalar as estruturas do status quo, sobretudo, quando um sistema político favorece as injustiças e privilegiam as camarilhas, os tiranos e a corrupção. É nesse sentido que o jornalismo favorece a sociedade, brindando-a com a verdade dos fatos. Por causa desse poder de transmitir a verdade, muitos profissionais do jornalismo pelo mundo, ontem e hoje, pagaram com vida por essa ousadia e coragem. A eles, muitas democracias pelo mundo são devedoras desse tipo de luta.

Nesse sentido, merece destaque aqui, neste espaço, a lembrança do nome da jornalista americana Anna Politikovskaya, nascida na América, mas criada na União Soviética. Profissional respeitada dentro e fora da Rússia, Anna era um modelo de repórter investigativa. Não precisa nem dizer que, tendo escolhido o lado investigativo da imprensa e, além disso, disposta a levar a verdade dos fatos aos leitores, Anna, desde sempre, correu sério risco de morrer, ainda mais dentro de uma Rússia, comandada, há mais de duas décadas, com mãos de ferros por Vladimir Putin. Putin é hoje conhecido em todo planeta pelas acusações de crimes de guerra, genocídios de civis e pela forma brutal como trata toda e qualquer dissidência ou oposição. A lista com os nomes daqueles que ousaram desafiá-lo é imensa, assim como sua sede de poder e seu sonho megalomaníaco de reconstituir a antiga União Soviética, com toda a sua glória passada.

Trabalhar numa situação de perpétuo confronto como essa, onde a morte espreita em cada canto, não é para qualquer um. Ainda mais sendo uma jornalista atuante, focada em direitos humanos e que via, na guerra da Chechênia, violações indescritíveis praticadas pelo exército de Putin. Por sua atuação incansável, ela acabaria se tornando uma figura emblemática dentro e fora das fronteiras da Rússia. Poucos profissionais da imprensa tiveram a coragem que Anna demonstrava ao cobrir uma série de conflitos e de guerras sangrentas comandadas por esse pequeno e ganancioso Napoleão de hospício sovietista.

Anna, em seu trabalho, sempre demonstrava a preocupação em se posicionar contrária a toda e qualquer neutralidade, sobretudo aquela que faz cara de paisagem diante das brutalidades e desrespeitos à vida. Durante o tempo em que atuou nos principais veículos de comunicação da Rússia, o medo e a repressão eram uma constante. Os assassinatos de opositores e críticos do regime russo eram comuns. Da noite para o dia, esses críticos e adversários do regime desapareciam ou eram simplesmente encontrados mortos. Putin mandava eliminar, como moscas, não só políticos ou empresários contrários ao sistema, como encomendava, também o silenciamento de jornalistas que mostravam uma ameaça aos seus desmandos.

A morte anunciada e dada como certa de Anna ocorreria em 7 de outubro de 2006, quando foi  assassinada a tiros no elevador do prédio onde morava, por um desses milhares de sicários que agem para apagar os rastros de crimes desse regime brutal, o mesmo que hoje ameaça a Europa e o mundo com armas de destruição em massa. De toda a forma, a sua morte não foi em vão, tendo servido de inspiração para outros profissionais que ainda lutam dentro daquele país contra a centralização do poder e a falta de liberdade de expressão.

 

A frase que foi pronunciada:

“Esta linha política é totalmente neo-soviética: os seres humanos não têm existências independentes, são engrenagens na máquina cuja função é implementar sem questionamentos quaisquer escapadas políticas que aqueles no poder inventam. As engrenagens não têm direitos. Nem mesmo à dignidade na morte.”

Anna Politkovskaya

Anna Politkovskaya. Foto: gettyimages.com

 

História de Brasília

Estão querendo fazer sensação em torno do julgamento do delegado João Peles. A história de ameaça de morte não é motivo para ausência de testemunha. Assunto desta classe não deve atrasar julgamento. (Publicada em 29.04.1962)

Fake felicidade

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Bertrand Russell. Foto: en.wikipedia.org

Muito deve o mundo e as populações a figuras luminares que, na história humana, sempre colocaram sua sabedoria e ilustração a serviço de conduzir as massas em momentos de incertezas e crises. Não fosse pela atuação intelectual desses sábios e filósofos, considerados verdadeiros faróis vivos, há muito a civilização teria naufragado, entre tormentas e guerras sangrentas. Um desses indivíduos que merecem ser revisitados é o filósofo, ensaísta, historiador e matemático Bertrand Russell (1872-1970). Tendo experienciado momentos liberal, socialista e pacifista, Russell soube não se apegar a nenhuma dessas ideologias, como bem cabe a quem entende a filosofia como a única estrada a seguir.

Russell foi um filósofo muito respeitado no seu tempo, a tal ponto que muitos o viam como uma espécie de profeta ou guru. Por sua atuação enérgica contra as injustiças, chegou a ser preso durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918). Foi também um crítico ferrenho de déspotas como Hitler e Stalin. Sua inteligência e clarividência podem ter sido adquiridas milagrosamente pela água de batismo, uma vez que seu padrinho era ninguém menos do que John Stuart Mill. Outro filósofo de ponta, adepto da lógica e das ciências econômicas.

Como pacifista que era, Bertrand escreveu, com Albert Einstein, o Manifesto Russell-Einstein de 1955, no qual alertava para as catástrofes que as armas de destruição em massa poderiam causar à humanidade. Foi ele também um dos responsáveis pela mediação no caso do conflito dos mísseis de Cuba, evitando assim que o mundo viesse a sofrer os horrores de uma guerra nuclear sem vencidos nem vencedores. Foi também um crítico duro contra a Guerra do Vietnã.

Mas foi contra Karl Marx (1818-1883) que Russell mais encontrou motivos para críticas. Para ele, uma filosofia deve ser sempre inspirada por sentimentos gentis e nunca hostis. Marx, em sua opinião, não apresentava em seu manifesto e em suas propostas filosóficas nenhuma inspiração movida por sentimentos nobres e gentis. Ao contrário, para Russell, Marx fingia pretender a felicidade do proletariado. O que ele queria, segundo Bertrand Russell, era a infelicidade tanto dos trabalhadores quanto da própria burguesia, a quem dizia desprezar, mas da qual vivia de todos os tipos de favores.

Marx, segundo Russell, queria usar o proletariado como instrumento de vingança contra a burguesia. Foi justamente por esse sentimento negativo, que misturava vingança e elementos de hostilidade, que Marx conseguiu incentivar em sua filosofia, todo um sentimento de ódio contra a burguesia. Com tantos elementos ruins sintetizados num só manifesto, o que Marx conseguiu produzir foi, na visão de Russell, um verdadeiro desastre. “Três paixões simples, porém intensas, têm governado minha vida: a ânsia pelo amor, a busca do conhecimento e uma insuportável piedade pelo sofrimento da humanidade”, disse Russell

As doutrinas, como a história humana tem demonstrado, não são nem verdadeiras nem falsas, mas apenas complemento e instrumento de predições. Russell acreditava que Marx focava muito, em seus escritos, na questão econômica para decifrar os movimentos da história. Dessa forma, o novo materialismo científico, apresentado por Marx. encerrava seus objetivos e tinha como motor propulsor da história apenas a prática e as relações econômicas, e não uma série de outras variáveis de igual importância, como a relação dos homens entre si, independentemente da produção ou de algo ligado a bens.

Observem, finalmente, que, para Marx, a filosofia era, assim como as religiões, uma forma de alienação que entorpece a razão, não havendo que perder tempo com coisas dessa natureza, principalmente se elas não lidam com coisas concretas. Marx sustentava que o ser humano é todo dotado de ação transformadora, trabalho, e não de passividade e contemplação de ideias. Mesmo negando a filosofia como um ato passivo, Marx, na visão de Bertrand Russel, não foi capaz de ver na prática a materialização de seu pensamento, pelo menos com relação à tão pretendida felicidade humana, uma vez que, em todos os lugares onde tentaram implantar suas ideias ou parte delas, o que os homens acabaram encontrando foi uma sucessão de fracassos, em que a classe proletária passou a sofrer todo o tipo de repressão e empobrecimento ao se ver escravizada pela elite dirigente do partido socialista. Eis aí uma verdade incontestável.

 

 

A frase que não foi pronunciada:

“O toma lá dá cá não começa entre empresários e políticos, começa com os eleitores. É preciso cortar o mal pela raiz.”
Dona Dita

 

Erro médico?
O caso chama a atenção do leitor acostumado a acompanhar a página de óbitos no jornal. O número de mortes de crianças com menos de um ano começa a acender a luz de alerta.

Foto: Kelly Sikkema / Unsplash

 

História de Brasília

A reunião foi na Câmara. Logo depois, mais de 300 “reservas” eram efetivadas sem concurso, enquanto os que haviam prestado essa exigência ainda aguardam nomeação. (Publicada em 29/4/1962)

Apoptose política

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Charge do Cazo

 

Não tenham tanta pressa em saber quem será o próximo presidente do nosso país ou o governo deste ou doutro estado da Federação. Muito menos que bancada virá com mais força dentro do Congresso. Talvez nenhuma dessas forças, amparadas por modelos políticos desenhados nos séculos passados, terão maior protagonismo num futuro próximo. Isso, caso estejamos mesmo indo na direção do que os pesquisadores denominam de hiper-história, com uma nova filosofia da natureza, uma nova antropologia filosófica ou uma nova filosofia da política. Junto com esse novo tempo que desponta, virá sobretudo uma nova filosofia da informação e, com ela, novos atores da política.

Quando essas mudanças acontecerem, nem mesmo o Estado terá papel principal na vida das pessoas, justamente porque ele corre o risco de perder também o poder informacional sobre os diversos grupos de cidadãos. O que se acredita é que, talvez, estejamos prestes a assistir ao advento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) — ou seja, um conjunto diversificado de práticas, saberes e ferramentas, ligadas diretamente ao consumo e à transmissão de informação, todas elas desenvolvidas a partir da revolução, como a internet e as redes sociais. Vamos, de fato, ao encontro da sociedade da informação, com todas as mudanças de paradigmas que isso representa. A forma como consumimos agora essa massa de informação sem precedentes mudou em relação ao passado, e isso determinará mudanças, quer queiram ou não os políticos do passado.

O que de mais extraordinário pode acontecer com essas mudanças é que o Estado, como o conhecemos até aqui, está vivendo o que podem ser seus últimos momentos. Estamos imersos no que os cientistas políticos chamam de apoptose política. Ou seja, instituições de porte global estão assumindo o protagonismo da informação. Todo esse processo é ainda potencializado pelas chamadas inteligências artificiais (IAs). Não é por outra razão que as maiores potências do planeta estão numa corrida alucinada para o desenvolvimento de novas e poderosas IAs. De fato, a informação neste século 21 vai se constituindo, cada vez mais, numa referência de riqueza ou numa espécie de capital, capaz de determinar não apenas trocas, mas até mesmo soberanias.

Toda essa nova revolução parece ir contra o modelo padrão de Estado, justamente porque as próprias fronteiras parecem ter perdido o sentido em abrigar a soberania. O que valerá daqui para frente será a infocracia. Antes que isso possa acontecer, porém, poderemos assistir a múltiplas tensões no campo da geopolítica. Assim como nas células, que são programadas para deixar de existir num dado momento, a apoptose política (a apoptose é um processo de morte celular programada, que é fundamental para o desenvolvimento e a manutenção dos seres vivos) está sendo gerida com o intuito de acabar não só com o Estado, mas de substituir a democracia por uma sociedade da informação extraterritorial.

A infocracia irá acabar com o sentido das soberanias e das fronteiras. Nesse mundo que se anuncia, o poder passa para as mãos de empresas de informação, que passarão a determinar quem tem ou não o poder de fato. Nesse novo ambiente, o Estado passará de protagonista a figurante, uma vez que passa a perder sua centralidade. Poderes como o Legislativo, fazendo leis, o Judiciário, aplicando-as, e o Executivo, pondo o Estado para rodar, por total incapacidade de deter a informação e usá-la como querem, perderão progressivamente sua importância.

O que as seguidas crises políticas vividas pelo Brasil ao longo desses últimos séculos apontam é que há no horizonte um conjunto de mudanças a decretar o declínio, ou mesmo a eliminação de figuras do mundo político. Com eles, terá fim também um conjunto de ideologias, de movimentos políticos, com os partidos perdendo relevância, ou mesmo deixando de existir. Essa apoptose política virá ainda favorecida pela falta de apoio popular, por mudanças no seio da sociedade e por diversos outros fatores de ordem econômica.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Nosso desejo é o da nação: que este plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa. Autoridades, constituintes, senhoras e senhores, a sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do Estado.”
Ulysses Guimarães

Foto: agenciabrasil.ebc.com.br

 

Haja paciência
Pacientes do Hospital do Paranoá pedem socorro. São horas de espera tanto para crianças quanto para adultos. Um deputado distrital poderia fazer a experiência de se passar por um paciente normal para sentir o drama. Certamente, alguma coisa iria mudar.

Foto: blogdoguilhermepontes.com.br

 

Referência
Enquanto isso, o Hospital de Apoio de Brasília recebe equipe técnica da Finlândia que veio conhecer a triagem neonatal. O hospital é referência internacional.

Hospital de Apoio de Brasília. Foto: Karinne Viana/Agência Saúde-DF

 

História de Brasília

O primeiro-ministro reuniu-se com os líderes de todos os partidos para estudar diversos assuntos e ficou resolvido inclusive, combater o empreguismo. (Publicada em 29/4/1962)

Inferno na terra

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Print de trecho da transmissão ao Vivo durante a Quaresma

 

Não é de hoje que as relações entre política e religião andam de mãos dadas, para o contentamento de uns e contrariedade de muitos.  Em todo o tempo e lugar sempre houve uma certa confluência entre o pensamento religioso e as ideologias políticas de plantão. Mesmo no campo da práxis, existem aqueles que chegam a apontar a religião como um braço de certos credos políticos. No entanto, essa questão passa a ganhar um ponto final quando se estabelece que para a religião importa a fé e o mundo do espírito. Na política a fé se transforma em fanatismo do tipo puramente materialista e utilitarista.

Há aqueles que acreditam que a prática da boa política, isto é, a política que se interessa pelo bem comum e que tem o próximo e suas necessidades como meta, é também uma forma humanizada de religião. Para os puristas, a religião é a política de Deus, ou seja, aquela expressada em seus ensinamentos. O que é de Cézar, é de Cézar. O que é de Deus é de Deus. Jesus, quando num ato de firmeza, expulsou os vendilhões do Templo, de uma certa forma teria expulsado também, todos que ali estavam movidos por outros propósitos.

De uma forma geral não se pode negar certas e enganosas semelhanças entre a pregação política e a pregação religiosa. Sobretudo quando candidatos a cargos eletivos se colocam como merecedores dessa posição por vontade divina. Mesmo antes do aparecimento da Teologia da Libertação, na década de 1960, já havia em outras épocas, aproximações entre o mundo secular e o mundo espiritual e eclesiástico. Houve tempo em que a religião forçou a práxis política a seguir os dogmas religiosos. Ainda hoje é assim nas chamada teocracias, como é o caso do Irã, da Arábia e outros países do Oriente. Houve e ainda existe pelo mundo, religiões que são submetidas obrigatoriamente aos dogmas políticos, ou simplesmente banidas para longe, como é o caso da Nicarágua e outros países.

Pode-se também jogar um balde de água fria sobre todo esse tema, dizendo que tanto a política como as religiões são criações humanas e, portanto, exprimem desejos humanos. Há também aqueles que confundem e enxergam semelhanças entre santos e mártires com líderes políticos. Para os socialistas, Marx seria uma espécie de santo. Da mesma forma há os que vêm em líderes como Padre Cícero ou Antônio Conselheiro, mistos entre santos e políticos.

Nos países da América Latina, o advento da Teologia da Libertação foi capaz de balançar os pilares da Igreja Católica, pois, ao pregar a combinação entre fé cristã e luta pela justiça social e libertação dos oprimidos, forçaria, de certa maneira, a Igreja de Roma a rever seus caminhos, orientando sua pregação para a realidade vivida pelos povos, sobretudo os mais pobres.

Na realidade, não há como dissociar completamente a prática política dos ensinamentos do cristianismo, pois a melhora nos Índices de Desenvolvimento Humano é também uma missão que segue o que aconselham os evangelhos. Não se pode negar também que, em países comandados com mãos de ferro, os religiosos formam o primeiro grupo a ser perseguido. Estudiosos da história das religiões são unânimes na crença de que, mesmo num futuro distante, religião e política ainda encontrarão pontos de convergência, pois o dia em que uma desaparecer do horizonte humano, a outra seguirá o mesmo destino. Mas o fato que chama a atenção nesse momento para o embate entre religião e política, mostrando que ambas ainda permanecem no mesmo ringue de disputas, vem agora do interior de São Paulo por ocasião da live da Quaresma em preparação para a Páscoa, comandada pelo Frei Gilson e que tem reunido, nas madrugadas, mais de 1 milhão de fiéis por todo o país (isso, considerando apenas os números da transmissão pelo seu canal Frei Gilson/Som do Monte, no Youtube; o rosário da madruga também é transmitido pelos seus canais oficiais no Instagram e na rede X, e pela TV Canção Nova, lembrando ainda que, facilmente, mais de uma pessoa pode estar usando o mesmo aparelho, se formos pensar nas orações em família).

Surgida durante a pandemia essas transmissões ao vivo, têm provocado acaloradas discussões tanto no mundo cristão como o mundo político. Para os ateus, trata-se um sacerdote anticomunista, pois prega, “contra tudo aquilo que historicamente os comunistas sempre lutaram”. Em tempos de incertezas, como agora, a defesa da família, das tradições, da religião, da vida e da propriedade ganharam uma espécie de maldição na boca dessa gente. O Frei ao afirmar em uma das suas pregações que os erros da Rússia não venham se repetir em nosso país, conquistou nas redes sociais um séquito de seguidores e de detratores. A coisa toda ganhou uma dimensão que nem mesmo o Frei e seus opositores esperavam. Pudera, nas redes sociais os números são contados aos milhões. Frases como : “livra-nos Deus do flagelo do comunismo”, acendem o rastilho de pólvora. Obviamente não para aqueles que experimentaram na pele o tal flagelo e suas consequências.

Os embates entre esquerda e direita ganharam um novo combustível. Em outras afirmações do tipo: “Para curar a solidão do homem, Deus fez a mulher”, despertou também a ira de um outro puxadinho da esquerda, representado pelas feministas e grupos homoafetivos. Não tardou para que as esquerdas o vinculassem ao grupo bolsonarista. Nada mais falso. Nas redes sociais os xingamentos só são ofuscados pelos dizeres de apoio. O fato é que a cada ataque, mais e mais aumentam os seguidores de Frei Gilson. Não é apenas um milagre, mas a certeza de que muitos vivos sabem que um outro nome para o inferno na terra é comunismo.

 

A frase que foi pronunciada: 

“O problema com o comunismo é que um dia o dinheiro dos outros acaba.”

Margaret Thatcher

Margaret Thatcher. Foto: britannica.com

 

História de Brasília

O empreiteiro que está plantando grama na 105 está sendo sabotado. Agora, recebeu ordens para parar o serviço por falta de irrigação. Isto representará um prejuízo, porque haverá dispensa de pessoal, e, depois, um novo fichamento irá provocar mais demora. (Publicada em 27.04.1962)