Emergência climática

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Severino Francisco

Eu ia escrever sobre outro tema, mas o assunto me atropelou. Como ignorar as imagens do desespero da famílias ilhadas em cima do telhado de casas destroçadas esperando socorro, pontes engolidas pela avalanche de água de rios transbordantes em segundos, ruas transformadas em rios de lama, hospitais destruídos pelas tempestades, pessoas desabrigadas, represas estouradas ou em risco de estourar?

Até o momento em que escrevo o saldo é de 54 mortes e 67 desaparecidos, 281 municípios afetados, 33 mil desalojados, 360 mil estão sem luz e existem 180 trechos de rodovias com bloqueios. Mas os números da tragédia podem ser atualizados quando eu chegar na última linha do texto.

No ano passado, além da tragédia humana, as tempestades provocaram prejuízos de R$ 2 bilhões para o agronegócio. Enquanto isso, o que se viu na Amazônia foram desertificados, com os leitos reduzidos a um caminho de areia de onde subiam nuvens de fumaça.

Segundo os metereologistas, as causas são a intensidade dos ventos, a umidade que se desprende da Amazônia e o bloqueio atmosférico que concentra a seca no centro do país e leva a chuva para os extremos do mapa. Mas tudo isso é agravado pelas mudanças climáticas. O aquecimento dos oceanos acelera os fenômenos climáticos.

É uma tragédia mais do que anunciada. Durante a pandemia, li, estarrecido, o livro A terra inabitável – Uma história do futuro, de David Wallace-Wells (Ed. Cia das Letras). A obra é baseada nos estudos de cientistas sobre os efeitos das mudanças climáticas. É impressionante como as previsões estão se confirmando dramaticamente.

Os fenômenos de mudança climática estão interligados e provocam reações em cadeia: o desmatamento, a emissão de carbono, o aumento do calor nas cidades, o aquecimento do oceano, o desencadeamento de novas pandemias, inundações, os incêndios florestais e as desertificações. Em 2016, os países se mobilizaram e estabeleceram em Paris acordos para que as emissões de carbono não ultrapassassem o limite de 2 C como meta global.

É bastante improvável que a meta seja alcançada, pois a maioria dos países continua a contribuir para o aquecimento global no mesmo ritmo anterior. Mas, nesse melhor cenário, com 2C, projeta Wallace-Wells, as calotas polares começarão a se desmanchar, 400 milhões de pessoas mais sofrerão com a escassez de água, cidades importantes da faixa equatorial do planeta se tornarão inabitáveis e mesmo em latitudes mais setentrionais as ondas de calor matarão milhares de pessoas todo verão.

Constitui uma ironia trágica que os estados do Sul do país votem, massivamente, em candidatos negacionistas do clima. Enquanto o país e o mundo são abalados pelos fenômenos climáticas, o que discutem as excelências do Congresso Nacional? Como cercear a ação do STF, que considerou inconstitucional o chamado Marco Temporal, chicana jurídica para invadir a terra dos indígenas e provocar mais destruição ambiental. As excelências estão alienadas de um debate de vida ou morte para o país e para o planeta. Deveriam ser os primeiros a convidarem os cientistas para que eles expliquem o que está acontecendo no Rio Grande do Sul.

Na França, nenhum partido de extrema direita se elege se não tiver um programa para o meio ambiente. Todos têm de se envolver com a luta pela sobrevivência do planeta. As excelências do Congresso Nacional precisam sair da bolha dessa alienação monstruosa. Elas necessitam ser pressionadas para adotarem ou apoiarem políticas públicas sustentáveis.

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