O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) desconfia das intenções. “Esperamos ver a OIT firme na defesa de seus normativos, metodologias e peritos. Senti uma ‘ameaça’ do governo brasileiro ao Organismo Internacional mais importante do planeta em matéria de Trabalho (OIT) e que tem o Brasil como uma das nações fundadoras”, alertou Carlos Silva, presidente do Sinait
No documento, o ministro Helton Yomura destaca: “a forma enviesada e parcial como a reforma brasileira foi examinada pelo Comitê de Peritos, bem como a eventual inclusão do Brasil na lista curta da Comissão de Normas representam, na minha avaliação, forte golpe na legitimidade e credibilidade dos trabalhos técnicos realizados pelo Comitê de Peritos, impactando também na própria avaliação geral da Organização, que sempre mereceu o mais profundo respeito do Governo e dos atores sociais”
Veja a correspondência do ministro:
“Brasília, 28 de maio de 2018
Ao Senhor
GUY RYDER
Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho Genebra – Suíça
Assunto: 107ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho da OIT. Trabalhos do Comitê de Peritos. Possível exame do caso brasileiro na Comissão de Aplicação de Normas
Senhor Diretor,
Ao cumprimentá-lo pelo excelente trabalho à frente da OIT, gostaria de externar-lhe preocupações com o exame de alguns aspectos da reforma trabalhista realizado pelo Comitê de Peritos bem como com a recente inclusão do Brasil na lista longa de casos a serem potencialmente examinados pela Comissão de Aplicação de Normas da OIT (CAN) durante a IOT Conferência Internacional do Trabalho.
2. Como sabe, o Relatório do Comitê de Peritos (CEACR) deste ano trouxe algumas considerações críticas sobre a reforma trabalhista brasileira, em atenção a demanda de centrais sindicais brasileiras. Incomoda-me que o CEACR tenha realizado exame da situação brasileira “fora do ciclo regular” sem justificação objetiva, transparente e adequada para tanto. O Brasil apresentou memórias sobre a aplicação da Convenção 98, na “lei e na prática”, ainda em 2016, devendo ser chamado a apresentar novo relatório apenas em 2019, para posterior avaliação do CEACR.
3. Embora exista previsão para o CEACR avaliar casos de países fora do ciclo regular de memórias, resta evidente não terem sido respeitados os critérios desenvolvidos pelo Comitê para tanto, uma vez que, à luz do teor dos comentários dos próprios peritos sobre o caso brasileiro, não haveria motivo para a urgência. Ademais, como a reforma trabalhista entrou em vigor em novembro de 2017, não transcorreu intervalo de tempo suficiente para o CEACR analisar a nova legislação “na prática”, o que é parte inafastável de seu mandato. As observações baseiam-se, de outra sorte, em especulações abstratas sobre o possível alcance e consequências de alguns dispositivos da nova legislação, as quais, se nada significam na falta de análise circunstanciada de sua aplicação, dão margem a um uso político-ideológico do caso brasileiro já a partir de sua inclusão no relatório.
4. A eventual inclusão do Brasil na lista curta durante o prazo para que o Governo apresente sua reação aos comentários do CEACR (a vencer em 1 0 de setembro) constitui, por sua vez, pré-julgamento sobre os objetivos e impactos da reforma, de forma contrária aos melhores princípios e práticas de direito, mesmo em contextos não estritamente judiciais como o da CAN. Tal pré-julgamento se torna ainda mais grave no atual contexto eleitoral, vindo a servir, caso o Brasil seja incluído na lista curta, e qualquer que seja a conclusão final da CAN a respeito, como instrumento para uso midiático no Brasil e politização indevida da própria OIT. Registre-se que de nenhuma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade em relação à reforma que se encontram em tramitação junto ao Supremo Tribunal Federal versa sobre os pontos levantados pelas centrais ao Comitê. Mais de dois terços delas, por outro lado, versam sobre o fim da contribuição sindical obrigatória, o que parece ser a principal preocupação das centrais sindicais, assim como a principal justificativa para os ataques ao Governo.
5. No que concerne a aspectos de fundo, permito-me sublinhar que o texto da Convenção 98, em vários dispositivos, faz referência às “condições nacionais” para as obrigações que estabelece. Os comentários do CEACR não levam em conta, nesse contexto, a extensão e a qualidade — provavelmente únicas no mundo — da proteção constitucional que o Brasil oferece aos direitos trabalhistas.
6. Tampouco procede a análise do CEACR ao invocar os “trabalhos preparatórios” da Convenção 154 em apoio à sua interpretação de que, à luz da Convenção 98, acordos coletivos s ‘ podem prever ampliação de beneficios previstos em lei, já que durante os trabalhos preparatórios se concluiu apenas que negociações de condições mais benéficas deveriam ser permitidas, não havendo proibição, por outro lado, a negociações que levassem a situações distintas do que está previsto em lei.
7. Usar os trabalhos preparatórios à Convenção 154 para interpretação do sentido de provisões da Convenção 98, em si, já causa preocupação, de vez que constitui claro desvio do que seriam os métodos mais usuais de interpretação. Leitura literal do texto da Convenção 98, em contrapartida, não deixa dúvida de que seu sentido é promover negociações livres e irrestritas, precisamente o que a reforma buscou assegurar, sem descurar, contudo, de um conjunto amplo de proteções legais cuja derrogação foi expressamente afastada pelo legislador.
8. Em suma, a forma enviesada e parcial como a reforma brasileira foi examinada pelo Comitê de Peritos, bem como a eventual inclusão do Brasil na lista curta da Comissão de Normas representam, na minha avaliação, forte golpe na legitimidade e credibilidade dos trabalhos técnicos realizados pelo Comitê de Peritos, impactando também na própria avaliação geral da Organização, que sempre mereceu o mais profundo respeito do Governo e dos atores sociais.
9, Esperamos poder continuar contando com a cooperação da OIT, e de seu Secretariado, no desenvolvimento de trabalhos de notável qualidade técnica e grande impacto social, sem que os elevados propósitos que inspiraram a criação da Organização sejam desvirtuados pelo jogo político-ideológico que alguns atores querem transferir a esse foro.
Atenciosamente,
Helton Yomura, Ministro de Estado do Trabalho”