Em Meu nome era Eileen, o primeiro romance da autora, publicado em 2015 mas que apenas este ano chega às livrarias brasileiras, a narradora recorda os anos de juventude em um subúrbio de uma cidade da Nova Inglaterra, mesmo estado da autora. Com um viés existencial que ora aparenta enorme brutalidade (os abusos paternos perseguem a personagem), ora extrema alienação (ela não vê problemas em embarcar em planos obviamente disfuncionais e catastróficos), a narrativa é conduzida por uma postura ao mesmo tempo raivosa e desencantada.
Eileen, que trabalha em uma prisão para adolescentes, busca a libertação de um ambiente sufocante e traumático, mas parece se embrenhar cada vez mais nas próprias neuroses até encontrar Rebecca, por quem se apaixona e com a qual imagina escapar de um cotidiano fadado ao desastre. “Como nativa da Nova Inglaterra, Eileen me era familiar. Sua adolescência prolongada, sua paixão e curiosidade e sua profunda tristeza me pareceram tão adoráveis quanto abomináveis”, repara Otessa, 43 anos. Não é uma personagem muito diferente da narradora de Meu ano do descanso e relaxamento, o segundo romance da autora e o primeiro publicado no Brasil.
Para curar o enorme vazio que sente desde sempre, a personagem — bonita, jovem e rica — se tranca no apartamento no Upper East Side, bairro endinheirado de Nova York, e decide passar um ano inteiro sob efeito de soníferos e drogas que aplaquem a falta de sentido para a vida. A amiga Reva, única a se importar com a narradora, aparece de vez em quando até ser completamente banida da vida da jovem. Os atentados às Torres Gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, dão tom do final do livro, sem dúvida com uma imagem surpreendente, mas Otessa não tinha ideia de como terminaria o romance. “Foi muito difícil descobrir como a segunda metade do romance funcionava”, conta. Meu ano do descanso e relaxamento teve os direitos comprados em 2018 pela LuckyChap Entertainment e pela Atlas Entertainment. Em entrevista, Otessa fala sobre a relação com a escrita e suas personagens enfadadas por um mundo no qual encontram cada vez menos possibilidade de futuro e cada vez mais desencanto diante da humanidade.
Você se sente a voz de uma geração? Você acha que seus livros refletem e envolvem diretamente uma geração nascida nos anos 2000?
Eu não sinto que sou a voz da minha geração, não. Passei a maior parte da minha vida jovem intrigada pelo comportamento humano, enquanto meus colegas e amigos pareciam não se incomodar. Eu não os entendia, e eles não me entendiam. Então, como eu poderia acabar sendo uma voz para qualquer um além de mim mesma é algo milagroso. É verdade que meus livros parecem estar relacionados com os jovens de hoje, claro. Acho que isso acontece porque me concentrei em personagens cujas histórias dependem de seus sentimentos de alienação do mainstream, seu tédio diante de uma cultura sem coração e a sensação de ser um estranho em um mundo estranho. Acho que isso é bastante comum hoje em dia. Devo dizer que me sinto sortuda por não ter sido criada por um iPad. A TV e o videocassete no porão foram suficientes. E, claro, dependia dos livros para me ajudar a entender a mim mesma.
Seus livros têm sido procurados para adaptações audiovisuais. Como você lida com os desafios de transmitir os pensamentos internos dos personagens em um formato visual?
A narrativa em ficção guiada pela voz exige que o protagonista seja um personagem interessante e tenha uma maneira interessante de se expressar. E o mesmo vale para um personagem interessante em um filme, eu acho. Como traduzir os pensamentos e sentimentos de um personagem em uma demonstração visual disso é o exato desafio na adaptação. Às vezes, as limitações nos levam a encontrar soluções criativas para os problemas, e isso acontece com frequência quando considero o quão econômico um roteiro de filme deve ser. Penso na trama no que diz respeito à jornada do personagem no livro e destilo a história em seus movimentos mais elementares no filme.
Eileen é uma personagem muito sombria, complexa e raivosa. Foi difícil construí-la? E quais foram as bases e referências?
Como nativa da Nova Inglaterra, Eileen me era familiar. Sua adolescência prolongada, sua paixão e curiosidade e sua profunda tristeza me pareceram tão adoráveis quanto abomináveis. Eu tinha muito respeito pelo poder que ela desejava, e queria que os leitores a vissem tão perigosa quanto patética. Não conheço ninguém interessante que não tenha um lado sombrio ou complexo. Então, pensar em Eileen como uma personagem rica em termos de conteúdo não foi difícil. Relacionei-me com ela de muitas maneiras.
Pode compartilhar alguns insights sobre as condições sob as quais este livro nasceu?
Escrevi Eileen com desespero e delírio. Eu estava falida, tinha me mudado para Los Angeles recentemente e não conseguia encontrar um emprego. Então pensei: “Eu poderia escrever um livro”, como se isso realmente pudesse me salvar. Não foi uma abordagem muito prática e talvez por isso a levei tão a sério, como se minha vida e meu futuro inteiro dependessem disso. Isso me levou a buscar a gravidade na história, o peso e o significado de tudo.
Eileen é mais velha quando começa a narrar o livro, mas o que ela conta é a história de uma Eileen mais jovem. Por que você fez essa escolha na distância narrativa?
Na verdade, escrevi o primeiro rascunho do romance no tempo presente e na perspectiva de terceira pessoa! Era a mesma história, apenas vista de uma perspectiva muito diferente. E quando comecei o processo de revisão, o rascunho parecia tão completamente errado para mim que quase joguei o projeto inteiro fora. Então, ocorreu-me que essa era a história de Eileen, e ela deveria contá-la. Ela deveria ser arrogante, sarcástica, não confiável, engraçada; ela deveria ter um olhar retrospectivo e sabedoria; ela deveria ter a liberdade de exagerar, ensinar, julgar, divagar, etc. Então, simplesmente coloquei Eileen na posição de narradora no presente, olhando para seu passado. E o que eu havia descoberto naquele rascunho em terceira pessoa que parecia tão errado — a distância e o humor, a ligeira crueldade satírica da voz — esses elementos permaneceram na voz da Eileen mais velha.
Que tipo de história te motiva a produzir conteúdo audiovisual?
Na verdade, eu não escrevo roteiros para televisão, mas gosto muito do processo de desenvolver um projeto de filme e escrever roteiros para longas-metragens. Gosto de histórias que tomam desvios insanos e inesperados, que chocam o espectador, e que ainda são sinceramente comoventes e tocam no que é de outra forma não dito ou não reconhecido. Isso é o que eu gosto como espectadora de filmes. Ainda estou encontrando minha voz como roteirista, e isso significa que devo permanecer aberta a experimentar várias abordagens diferentes.
O que a paixão de Eileen por Rebecca representa?
Acho que sua paixão por Rebecca representa sua empolgação em conhecer uma mulher que é diferente de qualquer outra que ela já conheceu. Rebecca é astuta e dissimulada. Ela diz que não se importa com o que as pessoas pensam dela, mas é muito boa em manipulá-las. Ela é ardilosa. E ela oferece a Eileen uma saída da armadilha de sua vida trabalhando em uma prisão para garotos e cuidando de seu pai abusivo.
Em relação a Meu ano de descanso e relaxamento, quando você ainda estava escrevendo, mencionou que era um livro “graficamente sexual”. O que isso significa?
Não me lembro de ter dito isso, mas provavelmente estava me referindo a uma versão do romance que acabei jogando fora. Foi muito difícil descobrir como a segunda metade do romance funcionava. Em uma versão, imaginei que a protagonista viajava para Paris e se trancava em um pequeno apartamento, onde ela havia planejado para si mesma (enquanto estava sob efeito de drogas) algum tipo de experiência psicosexual de sequestro/morte. Realmente não tenho ideia do que eu estava pensando.
Há alguma inspiração na vida real por trás de seus personagens ou eles são inteiramente fictícios?
Ocasionalmente, encontro alguém que me inspira, ou simplesmente observo alguém andando na rua, ou no supermercado, e acabo imaginando essa pessoa em uma história. Alguns dos meus personagens são composições de várias pessoas que conheço bem. Ocasionalmente, crio um personagem do nada, alguém totalmente desconhecido para mim. Esses são os personagens mais emocionantes de escrever.
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