Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Provoca debate a seguinte pergunta, que ignora convenções: se uma gravidez humana exige nove meses de gestação durante os quais a mulher carrega, arrisca a saúde e sofre as consequências físicas, sociais e econômicas, por que a maior parte da responsabilidade prática e do investimento em contracepção continua a recair sobre as mulheres? A aritmética simples que circula nas conversas ajuda a iluminar o problema: nove meses têm, em média, 270 dias; se um homem tivesse relações com várias parceiras diariamente ao longo desse período (hipótese extrema), o produto dessa multiplicação mental pode chegar a milhares de concepções potenciais — o número 2.430 que alguns citam resulta de 270 dias considerando nove parceiras diárias.
Essa conta serve como provocação: biologicamente, a realidade é mais complexa — probabilidades de concepção diárias, uso de métodos contraceptivos, infertilidade, intercurso etc. —, mas o ponto político e científico permanece. A capacidade reprodutiva masculina é multiplicativa e subexplorada no campo do controle de natalidade. O debate não é abstrato. Hoje, a população humana global está na casa dos bilhões, e as projeções demográficas continuam a indicar grandes transformações nas próximas décadas. As estimativas da Divisão de População das Nações Unidas (WPP) mostram que a transição demográfica, com crescimento importante em algumas regiões e declínio em outras, deve levar a uma população mundial na ordem dos 9 aos 10 bilhões ao longo do século, com concentrações crescentes em África e Sul da Ásia.
Essas trajetórias importam, pois condicionam consumo, uso de terra, água e energia. Se a preocupação maior é a pressão humana sobre os sistemas naturais, não basta falar em “menos gente”; é preciso combinar políticas de população com redução do consumo excessivo e reorientação tecnológica. Indicadores como o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) mostram, no calendário, que a humanidade já consumiu todos os recursos renováveis que a Terra gera neste ano. Vivemos em déficit ecológico. Em anos recentes, esse dia tem caído cada vez mais cedo — sinal claro de que nossa demanda por recursos supera a capacidade de renovação e de absorção de resíduos do planeta.
Isso traduz, em termos concretos, destruição de habitats, erosão de solos, sobrepesca e superemissão de carbono. A ligação entre números humanos e perda de biodiversidade é bem documentada na literatura científica: estudos recentes apontam que a pressão populacional combinada à economia de consumo e políticas inadequadas é um dos motores fundamentais da crise de extinção e do colapso dos ecossistemas. Especialistas em conservação afirmam que, sem enfrentar a questão da escala humana (tamanho da população versus padrão de consumo), os esforços isolados de proteção não serão suficientes para inverter tendências profundas.
Diante desse diagnóstico, que política faz mais sentido? A resposta proposta nesta coluna é dupla, mas interligada: (1) levar a sério o desenvolvimento e a difusão de contracepção masculina como prioridade científica e de saúde pública; (2) travar a crença moralista de que responsabilidade reprodutiva é, e deve ser, quase exclusivamente feminina. A justificativa prática é simples. Métodos masculinos eficazes, seguros e culturalmente aceitos expandiriam rapidamente o leque de opções para casais e poderiam reduzir gestações não planejadas sem onerar exclusivamente o corpo das mulheres.
Hoje, são duas as frentes reais de avanço: métodos não hormonais em desenvolvimento — pílulas que bloqueiam a produção de espermatozoides por vias específicas — e métodos hormonais e dispositivos gel, implantes, injeções e mesmo implantes hidrogéis que bloqueiam o trânsito de espermatozoides. Ensaios clínicos recentes e revisões mostram ganhos substanciais em taxa de supressão de espermatozoides e aceitabilidade; a pesquisa médica tem acelerado após décadas de subfinanciamento. Há, claro, resistências culturais, políticas e científicas. Em alguns países, a prevalência de vasectomia caiu nas últimas décadas; em outros, há renovado interesse por soluções masculinas.
Parte do problema histórico foi o financiamento desproporcional para métodos femininos, o estímulo a abortos, o medo de efeitos colaterais em homens e uma mistura de normas de gênero que delegam a “gestão da gravidez” às mulheres. Mas os ensaios e as inovações recentes mostram que essas barreiras podem ser transpostas: a ciência já demonstrou que é tecnicamente viável reduzir temporariamente a fertilidade masculina de maneira reversível e segura.
Argumentar que “é o homem que deveria ser o foco” não implica deslocar recursos das mulheres, nem apagar direitos sexuais e reprodutivos femininos. Implica, antes, repensar prioridades: ampliar financiamento público e privado para contraceptivos masculinos; incluir homens nas campanhas de educação sexual; promover vasectomias seguras e acessíveis onde houver demanda; apoiar pesquisas internacionais para avaliar impactos socioculturais; e integrar essas medidas às políticas climáticas e de uso da terra.
A frase que foi pronunciada:
“Se fosse o homem que sentisse a dor do parto, todo casal só teria um filho.”
Dona Dita

História de Brasília
Se não fôsse lugar de político, um bom ministro da Agricultura seria o dr. Israel Pinheiro. Para realizar mesmo, seria um dos poucos no país. (Publicada em 15/5/1962)





