Ponto de interrogação

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: Valter Campanato (veja.abril.com.br)

 

Soubessem as autoridades e os cidadãos das consequências devastadoras que a ocupação irregular do solo traz para o futuro das populações, comprometendo, inclusive, o estabelecimento sustentável de cidades inteiras, situações como essa seriam terminantemente proibidas sob quaisquer pretextos. O problema, entre nós, é que a responsabilização pelo incitamento ou pela negligência na ocupação irregular de terras nunca é levado a termo, sendo seus autores ou responsáveis deixados de lado pela Justiça.

O que é certo é que, a cada invasão de terra, a cada regularização de áreas em conflito, sem os devidos critérios de impacto e de planejamento urbano, mais e mais a cidade vai perdendo, de modo irreversível, sua qualidade de vida. Cidade alguma, em todo o tempo e lugar, jamais logrou ser considerada com boa qualidade de vida e de infraestrutura para seus habitantes, relegando a segundo plano as exigências de um correto planejamento urbano.

Os brasileiros que visitam a Europa ou os Estados Unidos ficam encantados com a qualidade de vida de seus habitantes, com ruas bem sinalizadas, limpas e bem organizadas. Cidades antigas, com dezenas de séculos de história, conseguem manter e ostentar um altíssimo padrão urbano. Por essa razão, são procuradas por turistas de todo o mundo, que, a cada ano, deixam nesses locais milhões de dólares para os cofres da cidade.

Talvez, o maior problema na administração de nossas cidades esteja, justamente, na falta de uma política que mantenha sob o mais estrito respeito todas as diretrizes traçadas para preservar os espaços públicos, fiscalizando e punindo todo aquele que ouse infringir as regras comuns de convivência. Nossas áreas urbanas, de uso comum, quase sempre encontram-se abandonadas ou em processo de decadência acelerada. O curioso é que são gastos rios de dinheiro, do pagador de impostos, para manter essas áreas em condição mediana de uso.

A falta de fiscalização, ou a incúria das autoridades, permite que a cada dia, nas áreas centrais do Plano Piloto, surjam os chamados barracos de lata, instalados em toda parte, inclusive nos pontos de ônibus. Nesses lugares, vendem-se de tudo, até bebidas alcoólicas. Alguns desses estabelecimentos improvisados têm até caixa d’água instalada.

Para uma cidade que se pretendia planejada, essas e outras distorções, como os puxadinhos irregulares do comércio, ajudam a deteriorar, sob todos os pontos de vista, a capital do país. O pior é que não parece haver solução à vista para esse desregramento geral que vai tomando conta de Brasília. Projetos como o PPCUB e o Reurb, que deveriam, pelo menos, cuidar dessas questões, passam ao largo, tratando apenas de aumentar a instalação de infraestrutura em áreas que não deveriam abrigar bairros residenciais nem acrescentar mais de andares a prédios, num claro contraste com o entorno imediato.

Tolice é acreditar que a regularização fundiária prevista em planos recentes, como por exemplo a LC 986/2021, colocará um ponto final nesse problema que se arrasta desde antes da inauguração da capital. Não pode haver regularização fundiária numa cidade em que cada governo que chega, a cada nova legislatura local que assume, trate logo de tornar regular as mais novas invasões, alimentando um caos urbano cíclico e sem fim.

Desde os anos 70, previa-se que os problemas de terra na capital acabariam por provocar um fenômeno comum a todas as cidades brasileiras. No nosso caso, o que se previa, naquela década, é que chegaria um tempo em que o Plano Piloto restaria cercado por um enorme e incontrolável cinturão de bairros e favelas. A emancipação política da capital tem cuidado, a seu modo, de acelerar esse processo, tornando o futuro da cidade em um ponto de interrogação.

 

A frase que foi pronunciada:
“Que fenômenos estranhos encontramos numa grande cidade, basta passear de olhos abertos. A vida está repleta de monstros inocentes.”
Charles Baudelaire

Imagem: gettyimages.pt

 

História de Brasília
Para o DVO: no Setor Comercial Local 304-305, o asfalto não foi completado na área de estacionamento, e as casas estão cheias de poeira. (Publicada em 10/2/1962)

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