Ciência versus ideologias

Publicado em ÍNTEGRA

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Charge do Auth

 

Ao longo da história, ciência e religião travaram um duelo secular pela autoridade sobre a verdade, em disputas que se tornaram célebres e que, depois de séculos, parecem hoje relativamente pacificadas. Contudo, neste turbulento século XXI, quando se supunha que os avanços científicos teriam finalmente conquistado terreno seguro, emergiu um adversário ainda mais agressivo e capilarizado, disposto a impor sua narrativa mesmo ao custo de distorcer fatos e calar evidências. Esse antagonista atende pelo nome de ideologia política, hoje particularmente fortalecido por ventos que sopram das agendas identitárias, do wokismo e de uma visão globalista de viés marcadamente esquerdista, que se espalha por diversas instituições e tenta ditar não apenas costumes e comportamentos, mas também aquilo que deve ser oficialmente reconhecido como verdade científica.

País que há séculos ocupa o centro dos debates intelectuais ocidentais, a França foi berço da Revolução que derrubou o absolutismo e inaugurou uma nova estrutura estatal assentada sobre a razão e a liberdade, tornou-se recentemente uma vitrine inquietante desse conflito renovado. Ali, onde se esperava encontrar a defesa intransigente do racionalismo iluminista, instaurou-se um clima de enfrentamento no qual a ciência, antes tratada como referência soberana, passou a ser corroída por disputas ideológicas que pressionam instituições públicas e governos a se curvarem a lobbies bem articulados, dispostos a silenciar estudos sérios e a reescrever resultados sempre que estes contrariam interesses corporativos.

Foi exatamente esse o cenário que cercou o episódio envolvendo um estudo conduzido por órgãos oficiais como o Ministério da Saúde francês e o Instituto Isern, cujo objetivo era definir diretrizes, protocolos e políticas públicas para o tratamento de transtornos mentais, com a responsabilidade de apresentar ao público quais terapias apresentam evidências de eficácia e quais permanecem sustentadas sobretudo por tradição ou por discursos teóricos não comprovados. A conclusão, como reconhecem especialistas há décadas, apresentou dados claros: as terapias comportamentais, fundamentadas na observação empírica, na mensuração objetiva e em resultados verificáveis, mostraram-se consistentemente superiores para diversos diagnósticos, enquanto a psicanálise, embora ainda detentora de prestígio simbólico e uma longa tradição cultural, não revelou eficácia comprovada nos parâmetros contemporâneos de saúde pública. Entretanto, em vez de acolher o estudo como parte do debate científico, a comunidade psicanalítica francesa reagiu com indignação, lançando mão de estratégias políticas destinadas a impedir que a avaliação fosse divulgada ao público.

O lobby foi intenso e carregado de acusações tão extravagantes quanto falaciosas, incluindo a disseminação de fake news que rotulavam psicólogos comportamentalistas como torturadores ou que descreviam a terapia comportamental como uma espécie de adestramento desumanizante. A campanha, conduzida em tom de escândalo moral, acabou por surtir efeito: o governo, pressionado e temeroso da reação de grupos organizados, decidiu intervir e censurar a divulgação do estudo, privando a população do acesso a informações essenciais sobre tratamentos que afetam a vida de milhões de pessoas.

Aquele país, que historicamente se orgulhou de sua defesa da liberdade intelectual, viu-se, nesse episódio, refém de um ambiente em que dogmas ideológicos se sobrepõem ao rigor científico e em que a pressão política transforma fatos em tabu. O que ocorreu na França não é, contudo, um fenômeno isolado, uma vez que a infiltração ideológica no campo científico tornou-se uma tendência global e que também se expressa de modo contundente no Brasil. Aqui, onde a formação acadêmica em psicologia histórica e culturalmente foi fortemente influenciada pela psicanálise, observa-se a mesma resistência sistemática à incorporação de práticas baseadas em evidências, a resistência está intensificada por disputas políticas, burocráticas e por uma tendência de certos setores a submeterem critérios científicos a agendas ideológicas.

Talvez o debate mais emblemático dessa distorção seja em torno do tratamento do autismo, um vez que terapias comportamentais, como o método ABA, amplamente reconhecidas internacionalmente como eficazes e respaldadas por centenas de estudos revisados por pares, enfrentam, no país, obstáculos artificiais decorrentes de preconceitos acadêmicos, disputas corporativas e, cada vez mais, de posicionamentos políticos que tratam qualquer crítica ou questionamento à psicanálise como uma ofensa ideológica e não como parte do processo natural da ciência.

 

A frase que foi pronunciada:
“Não é a mesma coisa: café sem creme ou café sem leite. O que você não recebe faz parte da identidade do que você recebe.”
Slavoj Žižek

Slavoj Žižek. Foto: wikipedia.org

 

História de Brasília
Mas os meios utilizados para isto não são os mais recomendáveis, ainda mais quando se observa que o principal objetivo para conseguir a sua meta, está sendo a desunião da classe. Isto o incompatibiliza com qualquer função de chefia. (Publicada em 12.05.1962)

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