Bacia do Descoberto sob ameaça

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Foto: Divulgação/Semad

 

No mais recente episódio de nossas tragédias cotidianas, o desastre ambiental ocorrido em Padre Bernardo (GO) representa um retrato fiel do que se convencionou chamar de tragédia anunciada. O colapso parcial do aterro sanitário Ouro Verde, responsável por receber milhares de metros cúbicos de resíduos sólidos, já havia sido alertado por especialistas, ambientalistas e órgãos técnicos desde 2016. As previsões não foram ouvidas. Os riscos foram ignorados. O resultado, agora, é visível e alarmante: parte significativa do material depositado desabou sobre a Área de Proteção Ambiental (APA) próxima ao Rio Descoberto, a principal bacia hidrográfica responsável por abastecer mais de 60% da população do Distrito Federal.

O chorume — líquido escuro e tóxico resultante da decomposição do lixo — atingiu as margens do curso d’água com potencial de infiltração e contaminação direta. Pesquisadores e equipes de reportagem que visitaram a área atestaram a presença de animais mortos, alteração da coloração da água e odor fétido, sinais inequívocos de contaminação ativa. O chorume é altamente perigoso: contém metais pesados (chumbo, cádmio, mercúrio), substâncias cancerígenas (como benzeno), além de vírus, bactérias patogênicas e compostos orgânicos de difícil degradação. Agravando o quadro, foram encontradas evidências de lixo hospitalar misturado aos resíduos comuns, elevando o risco biológico.

A localização do aterro — em área próxima a zona de recarga hídrica e ambientalmente frágil — expõe a falta de planejamento e de critérios técnicos que orientaram sua instalação. Em qualquer cenário minimamente comprometido com a saúde pública, tal evento motivaria um estado de alerta máximo. No entanto, o que se vê é um silêncio institucional ensurdecedor. Não houve pronunciamento firme das autoridades ambientais, nem mobilização emergencial por parte do Executivo. Ao invés de transparência, optou-se pela contenção da informação — talvez para evitar alarme público, talvez para proteger capital político. O fato é que a ausência de resposta em ações concretas agrava a crise.

A consequência imediata é o risco iminente de contaminação do sistema de captação que atende Brasília. A médio e longo prazo, o comprometimento da bacia pode gerar um colapso no fornecimento de água, exigindo investimentos milionários em processos de descontaminação, novos sistemas de captação ou racionamento prolongado. Vale lembrar que o tratamento de água contaminada por chorume é extremamente difícil e custoso, exigindo tecnologias avançadas de filtragem química e processos oxidativos.

A região da Grande Brasília cresceu de forma acelerada nas últimas décadas. De acordo com o IBGE, o Entorno do DF já ultrapassa 1,6 milhão de habitantes, boa parte deles vivendo em áreas com infraestrutura precária. A produção de resíduos acompanha esse crescimento, mas a resposta estatal tem sido improvisada, com aterros irregulares e pouco controle sanitário. O caso do Córrego Santa Bárbara, importante afluente do Rio Descoberto, já mostra sinais evidentes de poluição orgânica e química — visíveis a olho nu.

Não estamos, portanto, diante de um evento isolado, mas sim de um sintoma sistêmico. O colapso do aterro Ouro Verde é o resultado direto de uma política ambiental negligente, de uma urbanização desordenada e da ausência de gestão integrada de resíduos sólidos. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos, sancionado em 2010, previa a erradicação dos lixões e a gestão sustentável do lixo urbano até 2014. Mais de uma década depois, esse objetivo está longe de ser cumprido.

É inaceitável que, em pleno 2024, com tecnologia disponível e conhecimento acumulado, o Brasil ainda enfrente esse tipo de catástrofe previsível. Água potável é um dos pilares da segurança sanitária e da soberania territorial. Uma vez contaminada, a fonte não compromete apenas o presente, ela hipoteca o futuro.

Portanto, é preciso transformar essa tragédia anunciada em ponto de virada. Não basta conter o chorume. É necessário responsabilizar os gestores, revisar as licenças, refazer a política de uso do solo e exigir o cumprimento da legislação ambiental. O custo da omissão será, mais cedo ou mais tarde, cobrado em racionamento, doenças e abandono social. A carga será novamente acumulada nos ombros do consumidor.

Se o Brasil pretende garantir sustentabilidade para suas cidades, especialmente aquelas situadas em áreas de fragilidade hídrica, é preciso colocar a proteção da água como prioridade absoluta do Estado. Nada pode estar acima disso — nem a conveniência política, nem o interesse de empreiteiras, nem a inércia da burocracia. Água é mais do que recurso: é condição de permanência humana no território. E o que se vê em Padre Bernardo não pode mais se repetir.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Tudo o que seria necessário para prevenir a doença [cólera] seria uma atenção especial à limpeza na cozinha e na alimentação, bem como à drenagem e ao abastecimento de água, como é desejável em todos os momentos.”

John Snow

Foto: gpointstudio/Freepik

 

História de Brasília

Outra, dos TCB: Foi extinta a linha Asa Norte – núcleo Bandeirante. O trajeto que era feito direto, é, agora, interrompido na Rodoviária, e com isto a tarifa de 25 cruzeiros passará para 40 cruzeiros, afora o tempo de espera na Rodoviária. (Publicado em 05.05.1962)

It's only fair to share...Share on Facebook
Facebook
Share on Google+
Google+
Tweet about this on Twitter
Twitter
Share on LinkedIn
Linkedin