RAZÕES DE SOBRA

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O governo sentiu o baque das manifestações contra a presidente Dilma Rousseff na noite de domingo. O panelaço e o buzinaço registrados em várias capitais do país enquanto a chefe do Executivo fazia um pronunciamento da tevê deixaram claro que uma onda de insatisfação está se espalhando e pode criar sérios problemas ao Palácio do Planalto.

Num primeiro momento, o PT e os aliados de Dilma tentaram desqualificar o movimento, atribuindo-o a uma ação restrita à população mais rica, insatisfeita com os avanços sociais dos últimos anos e com a reeleição da petista. Mas acabaram percebendo que as vaias à presidente foram muito além da parcela abastada da população.

Há motivos de sobra para a gritaria contra Dilma. Nos últimos quatro anos, ela transformou um país promissor — o primeiro a sair da crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos, em 2008 — numa grande decepção regada a corrupção. O crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB), que se manteve em 4,6% ao ano no segundo mandato de Lula, desabou para 1,5%. É possível que a atividade tenha caído em 2014 e é certo que terá retração em 2015. A inflação, que afeta, sobretudo, os mais pobres, deve fechar este ano entre 8% e 9%, níveis que não se vê há mais de uma década.

Até o ano passado, Dilma conseguiu minimizar os efeitos desses estragos no dia a dia dos brasileiros por meio da gastança desenfreada de recursos públicos. Não se preocupou, em nenhum momento, com as consequências que estavam a caminho. Para esconder o descalabro nas finanças, recorreu a todo tipo de truque contábil. Mas a farra deixou de caber no Orçamento da União, a ponto de o rombo nas contas atingir quase 7% de todas as riquezas produzidas pelo país.

Não satisfeita, a presidente interveio em vários setores da economia. Reduziu, a fórceps, as tarifas de energia elétrica e segurou, sem constrangimento, os preços dos combustíveis. Criou, com a visão de que o Estado pode tudo, uma série de desequilíbrios que minou a confiança do empresariado e dos investidores. Acreditou que poderia controlar as cotações do dólar.

Logo depois das eleições, em outubro passado, Dilma começou a dar sinais de que o país da fantasia que ela havia sustentado por quatro anos estava ruindo. Na tentativa de salvar o que fosse possível, autorizou o Banco Central a aumentar os juros. Logo depois, chamou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, apostando que conseguiria evitar a derrocada da economia. Findo o primeiro mandato, explicitou que a situação do país era pior do que a alardeada pelos especialistas, classificados pelo Planalto, em várias ocasiões, como terroristas e profetas do caos.

Dilma, agora, pede “paciência” e “compreensão” aos brasileiros por todos os equívocos que cometeu. E avisa que a fatura terá de ser repartida com todos. É certo que boa parte dos que protestaram no domingo já se deram conta do sacrifício a que serão submetidos. Mas o grosso da população só se deparará com a cruel realidade quando o desemprego chegar. É aí que mora o perigo.

Muitos no governo têm a consciência de que o fim da sensação de bem-estar social é questão de tempo. Trabalhadores que se endividaram com o carro, a casa própria, o tablet, as viagens internacionais voltarão para casa sem a garantia dos salários e com dívidas enormes a arcarem. Neste momento, os panelaços e os buzinaços não se restringirão mais às áreas nobres das capitais. Acabará a divisão de classe que os petistas teimam em incentivar no país. As ruas serão de todos.

Rebaixamento mais próximo

» Para Luciano Rostagno, economista-chefe do Banco Mizuho, se as manifestações populares crescerem, como se imagina, diante da piora da economia, as agências de classificação de risco poderão apressar o rebaixamento do Brasil. Ele lembra que os protestos de junho de 2013 pesaram na decisão da Standard & Poor’s (S&P) de cortar a nota e deixar o país a um degrau no nível especulativo.

Juros ainda maiores

» Diante da fragilidade do governo, que enfrenta sérias dificuldades para lidar com as crises política e econômica, os investidores passaram a apostar na possibilidade de o Banco Central elevar a taxa básica de juros (Selic) em 0,75 ponto percentual em abril, para 13,50% ao ano. Quanto mais o Planalto demorar para aprovar o ajuste fiscal, maior terá de ser o arrocho promovido pelo BC. Até a semana passada, o consenso era de que a autoridade monetária subiria a Selic em 0,25 ponto e encerraria o ciclo de alta.

Colhendo os frutos

» Desde que os juros começaram a subir, em abril de 2013, a taxa básica passou de 7,25%, o menor patamar da história, para 12,75% ano — alta acumulada de 5,5 pontos. Esse aperto monstruoso só contribuiu para empurrar a atividade para o buraco. Parte disso, contudo, não seria necessário se Dilma Rousseff não tivesse sido tão leniente com a inflação.

Respeito e maturidade

» Manifestações são importantes e fazem parte do regime democrático. Mas é preciso respeito e saber claramente as consequências que virão delas. O Brasil tem dado demonstrações estupendas de maturidade. Não pode recuar agora.

Brasília, 00h01min